Gabriel Martins e a missão de levar o cinema brasileiro ao Oscar
Em entrevista, o diretor de “Marte Um” conta como é corrida para chegar a uma indicação no maior prêmio do cinema
atualizado
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Deivinho (Cícero Lucas) é um menino negro, morador de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, filho de um porteiro e uma diarista. Ele sonha participar da missão Marte Um, que levará os primeiros humanos para o planeta vermelho. Mas seu pai quer que ele seja jogador de futebol. Essa é a sinopse do filme “Marte Um”, escolhido para representar o Brasil no Oscar, dirigido por Gabriel Martins.
O diretor também é de Contagem e, quando era criança, chegou a jogar bola na escolinha do Cruzeiro, por insistência da mãe. Mas, ainda na infância, a paixão pelo cinema falou mais alto e, segundo o diretor, desde o primeiro instante recebeu o apoio incondicional da família. A história de Deivinho se espelha um pouco na do diretor, que tem a difícil missão de levar seu primeiro filme solo a uma indicação ao Oscar.
Gabriel escreveu o roteiro depois do fatídico 7 a 1 do jogo Brasil e Alemanha na Copa de 2014. “E se o Neymar não quisesse jogar futebol?”, pensou. A partir dessa hipótese escreveu o roteiro. Mas só conseguiu transformar a ideia em filme graças à aprovação no primeiro edital do país direcionado a cineastas negros, o Longa BO Afirmativo — lançado em 2016 pela Agência Nacional do Cinema e Secretaria do Audiovisual, mas que não teve novas edições.
“Estar numa situação como essa [de concorrer uma vaga de indicação ao Oscar], sem dúvida alguma, é bastante surreal. Mas eu fico muito feliz de perceber que algo que parecia impossível, hoje é um pouco menos.”
Gabriel fundou com os amigos André Novais Oliveira, Maurílio Martins e Thiago Macêdo Correia a produtora Filmes de Plástico, em Contagem. Mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, a produção dos mineiros vem se destacando na cena nacional e agora internacional. “Temporada” (2018), de André Novais Oliveira, participou de festivais na França, Suíça e Estados Unidos.
“Marte Um”, que estreou no Festival de Gramado, deu à produtora quatro Kikitos, Melhor Filme (júri popular), Prêmio Especial do Júri, Melhor Roteiro e Melhor Trilha Musical.
Gabriel estava nos Estados Unidos participando da maratona de eventos para conquistar a vaga quando falou com o Metrópoles.
Confira os principais trechos da entrevista.
Você está em campanha para o Oscar. O que um diretor precisa fazer nessa corrida para alcançar uma vaga na disputa?
A Campanha consiste basicamente em criar sessões para que os votantes do Oscar, pessoas que podem influenciar de alguma forma positivamente na votação, possam ver e saber mais sobre “Marte Um”. Bem nos moldes de uma campanha política. Fizemos três sessões em Los Angeles, uma em Nova York e outra em Londres. Convidamos os votantes e outras pessoas, muitas vezes as sessões apresentadas por alguma instituição – uma delas foi a abertura do Hollywood Brazilian Film Festival. É um processo de tentar conseguir uma atenção para o filme. Porque atualmente todos os filmes que estão na mesma disputa estão querendo essa atenção para conseguir votos. E basicamente é assim quem tiver mais votos vai avançando nas etapas de shortlist até a indicação para o Oscar.
Como está a recepção do filme fora do Brasil?
O filme foi muito bem recebido fora do Brasil. A experiência que eu tive até agora foi de festivais de cinema. Mas acompanho muito os textos na internet, as redes sociais, fóruns de críticas como Letterboxd. O filme tem tido uma resposta muito positiva. Tem várias pequenas coisas muito gratificantes na história do “Marte Um” até agora.
A repercussão de “Marte Um” já tem ajudado a produtora Filmes de Plástico? Vocês já começaram a receber propostas para financiamento ou convites de empresas para desenvolver projetos?
É uma história em construção. Eu acho, sem dúvida alguma, que agora a gente tem mais possibilidades, mais abertura de reunião e coisas do tipo. O nosso nome vai ficando um pouco mais forte. Mas de fato não tem nada muito concreto para além da distribuição pela Array Releasing [que distribui filmes para Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, e comprou, em dezembro, os direitos distribuição de “Marte Um”] – algo muito importante. Mas sobre financiamento de filmes futuros não temos nada ainda no caminho que podemos falar. Estamos trabalhando também para reunir, conhecer pessoas e tornar isso uma realidade.
Você é da periferia de Belo Horizonte e continua produzindo filmes, que contam histórias universais, mas a partir deste lugar geográfico fora do eixo Rio-São Paulo. Quando você entendeu que poderia ser cineasta e falar a partir do seu lugar de origem?
Antes de entrar na faculdade, eu fiz o curso da Escola Livre de Cinema onde eu conheci o André [Novais Oliveira] e o Thiago [Macêdo Correia]. Mas, quando entrei na faculdade, eu conheci o Maurílio [Martins] e começou a despertar uma ideia mais forte de que fazer filmes no bairro em que eu cresci seria uma realidade. O que se concretizou na Filmes de Plástico, que é o meu principal trabalho, por onde eu faço meus filmes. Tem uma história que deu certo e começou ali na faculdade.
Embora tenham estreantes, como Cícero Lucas, os atores de “Marte Um” passam muita veracidade em suas personagens. Você poderia comentar como foi a preparação de elenco?
Foi uma preparação muito parecida com os outros projetos que passa por um caminho de leitura de roteiro, desenvolvimento das personagens a partir desse encontro com a fala. Entender como o roteiro cabe na boca dos atores e a partir disso retrabalhando a história até encontrar um meio do caminho entre a palavra escrita e a palavra falada. Muito convívio entre eles quatro enquanto família, muita preparação para que eles fossem entendendo melhor os tempos um do outro. Eu acho que isso foi essencial para o filme dar certo. Essa maneira como todo mundo aprendeu a se entender. Eles criaram um ambiente de convívio mútuo, coletivo de respeito e de familiaridade mesmo.
Você já disse que “Marte Um” tem um pouco da sua biografia. O filme ser o escolhido do Brasil para concorrer a uma vaga ao Oscar é para você o mesmo que o Deivinho chegar a Marte?
Talvez o meu chegar a Marte foi simplesmente fazer cinema, contar histórias. Porque o Oscar é um desdobramento disso, mas não é necessariamente objetivo. Eu não comecei a fazer cinema para disputar um Oscar. Eu comecei a fazer cinema porque eu queria contar histórias. Até onde que essas histórias iam me levar sempre foi um mistério. Estar numa situação como essa, sem dúvida alguma, é bastante surreal. Algo que não se planeja, não se espera muito principalmente em circunstâncias nas quais a gente produz. É o meu primeiro filme solo, eu não imaginava que esse momento já estaria rolando uma conversa nesse sentido. Mas eu fico muito feliz de perceber o que parecia impossível, hoje é um pouco menos.
“Marte Um” fala muito sobre sonho. O que você sonha para sua filha, Teresa, de dois anos? Como você acha que seus filmes ajudam/vão ajudar as novas gerações a sonhar?
O que eu desejo para Teresa é que ela e toda a sua geração possam ter maior liberdade de escolhas do que queiram fazer. E que entendam também sua responsabilidade com o mundo, de cuidado com o mundo. Desejo que possam sofrer menos preconceitos e possam ser menos vítimas de ideias antigas e preconcebidas que limitam a existência de muitas pessoas – homofobia, machismo e racismo. Mais leveza, no mundo como um todo, para uma geração que vai ter muito trabalho porque o mundo precisa de ser curado.
Veja o trailer: