Relatório aponta tortura estilo “Tropa de Elite” em ação da PM em SP
Relatório entregue por entidades ao MPSP aponta que PM usou na Baixada Santista, em SP, método de tortura como no filme “Tropa de Elite”
atualizado
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São Paulo — O relatório entregue por entidades de defesa dos direitos humanos ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) acusa policiais militares de usarem em operação na Baixada Santista, neste mês, método de tortura que ficou conhecido no filme “Tropa de Elite”, de 2007.
O documento entregue nas mãos do procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, na segunda-feira (26/2), em São Paulo, traz relatos de uma série de atrocidades que teriam ocorrido em comunidades do litoral paulista ao longo de três dias da operação desencadeada pela PM na região após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, em 2 de fevereiro. Desde então, até a terça-feira (27/2), foram mortas 38 pessoas em supostos confrontos com integrantes da corporação.
Um dos relatos que trata sobre invasão de domicílio mostra que um rapaz, primo de uma pessoa morta pelos PMs, foi vítima de tortura em incursão do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP). Policiais sufocaram a testemunha com um saco na tentativa de obter informações sobre o paradeiro de suspeitos, segundo o relato.
“Durante a operação, os policiais entraram em sua casa, colocaram uma arma em seu peito, perguntando se ele conhecia os ‘bandidos’ que foram executados e o torturaram colocando sacos em sua cabeça. Ele não tinha passagem pela polícia. Isso foi relatado por sua tia”, diz o texto entregue ao procurador.
O método é semelhante ao usado pela tropa do Capitão Nascimento, personagem interpretado por Wagner Moura, nos morros do Rio de Janeiro. Em uma de suas incursões atrás de um traficante chamado Baiano, Nascimento grita “traz o saco”, seus comandados o obedecem e passam a torturar um rapaz por sufocamento. Posteriormente, ameaçam empalar a vítima com um cabo de vassoura.
O crime de tortura (Lei 9.455/1997) é inafiançável. Se provoca lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 4 a 10 anos. Em caso de morte, a reclusão é de 8 a 16 anos. Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se o crime é cometido por agente público.
Corpos cruzados
Os depoimentos foram coletados no dia 11 de fevereiro, durante visita realizada por comitiva formada por representantes de ao menos nove entidades, entre elas a Ouvidoria das Polícias e a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.
Entre os relatos, consta também o depoimento de que corpos foram dispostos em formato de cruz, em meio à comunidade do Morro do São Bento, em Santos, após execuções por parte dos PMs, segundo as testemunhas.
O caso aconteceu no dia 9 de fevereiro e teria envolvido policiais do 4º Batalhão de Choque do Comando de Operações Especiais (COE). “Após os tiros, os policiais isolaram o local e proibiram que os moradores saíssem de suas casas. Os policiais teriam tirado fotos para postagem nas redes sociais (ver o instagram @destaquesantos). Familiares das vítimas afirmaram que os corpos foram colocados um sobre o outro, formando uma cruz, e que os policiais dificultaram o socorro”, diz o texto que está nas mãos do procurador-geral de Justiça. Ficaram nessa posição por cerca de duas horas, até a chegada do socorro.
No mesmo local, a namorada de um dos mortos “foi agredida por um policial com uma ‘gravata’ e jogada ao chão”, quando tentava se aproximar do corpo, diz o documento.
O relatório levado a Sarrubbo mostra, entre outras denúncias de abusos, o caso de um homem com deficiência visual que foi morto por policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), que o acusaram de ameaçá-los com uma arma. Ele tinha “ceratocone bilateral avançado”, segundo o documento.
Também consta do relatório a denúncia de que um homem que usava muletas e que, por isso, não conseguiria atirar andando, foi executado por PMs.
O relatório foi produzido com base em fatos que teriam ocorrido em apenas três dias, entre 7 e 9 de fevereiro. O documento aponta um caso de tentativa de execução, cinco casos de execução sumária, duas invasões ilegais de domicílio e seis relatos de abusos policiais durante abordagens.
A Secretaria da Segurança Pública é comandada por Guilherme Derrite, deputado federal licenciado pelo PL. Ex-policial da Rota, ele já deu declarações dizendo ser “vergonhoso” policial não ter envolvimento em ao menos três mortes após cinco anos de rua. É também integrante da ala mais radical do bolsonarismo. O ex-presidente Jair Bolsonaro já se manifestou, no passado, favorável à tortura.
Na última semana, o governo estadual promoveu troca em massa na cúpula da PM, com a substituição de 34 dos 63 coronéis da ativa. Entre eles, foram trocados oficiais que defendem o uso de câmeras corporais pelos policiais e ações menos letais que as desencadeadas no litoral paulista, posturas que desagradariam a atual gestão da SSP.
O que diz a Secretaria da Segurança Pública
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirma que os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) são consequência direta da reação violenta de criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado, “que tem presença na Baixada Santista e já vitimou três policiais militares desde 26 de janeiro”. “A opção pelo confronto é sempre do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população”, diz, em nota.
Segundo a SSP, as forças de segurança do estado são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional, e suas corregedorias estão à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia contra agentes públicos, reafirmando o compromisso com a legalidade, os direitos humanos e a transparência. “O caso citado é investigado pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário”, afirma.