Refugiados afegãos relatam a agonia de morar no Aeroporto de Guarulhos
Aeroporto de Guarulhos continua a receber afegãos que fogem do Talibã e tem, atualmente, 141 refugiados vivendo em barracas no Terminal 2
atualizado
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São Paulo — O Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na região metropolitana, continua a receber afegãos que buscam asilo no Brasil, em um fluxo que teve início logo após a retomada do país pelo Talibã, em 2021. Adultos e crianças têm vivido até duas semanas em barracas improvisadas e colchões pelo chão, enquanto aguardam abrigo.
Cumbica é um local de contrastes que vão além das emoções envolvidas em chegadas e partidas. Na última sexta-feira (13/10), por exemplo, enquanto 175 reservistas israelenses embarcavam no Terminal 3 para participar da guerra no Oriente Médio, 141 refugiados afegãos seguiam no Terminal 2 à espera de auxílio, em uma jornada que, em alguns casos, começou há quase dois anos no coração da Ásia.
O cozinheiro Hussain Rezaie, 41 anos, veio com mulher e quatro filhos para o Brasil na esperança de encontrar trabalho e educação para as crianças. Antes de alcançar o sonho, porém, a família tem encarado os mesmos problemas que outros afegãos ao chegar a Guarulhos.
“É muito difícil para uma mãe e os filhos viverem em um lugar como aqui. Pedimos ao governo brasileiro e às entidades assistenciais, por favor, que consigam abrigo para nós o quanto antes”, diz Rezaie.
Grande parte dos refugiados é formada por muçulmanos xiitas, que são minoria no Afeganistão. É o caso de Hussain. “A vida é muito difícil para nós. O Talibã é contra a nossa religião e a nossa nação. Até mesmo conseguir trabalho é difícil para nós, por isso deixamos o país”, afirma.
O Talibã é um grupo terrorista que governou o Afeganistão entre 1996 e 2001, quando foi retirado do poder pelos Estados Unidos na esteira das ações após os atentados de 11 de setembro. Com a saída do país das tropas lideradas pelos americanos, em 2021, o Talibã não teve dificuldade para afastar o governo central e reassumir o controle.
Segundo Rezaie, o período em que o Afeganistão se viu livre do Talibã, durante cerca de 20 anos, foi de progresso em vários aspectos. “As pessoas iam para a escola, para a universidade, a maioria da nossa população conseguiu ter acesso à educação”, diz. Era um cenário um pouco mais promissor inclusive para as mulheres, principais vítimas da intolerância do grupo terrorista — Rezaie tem uma menina de 9 anos.
De acordo com o cozinheiro, o retorno do Talibã trouxe consigo a crueldade. “Muitas pessoas que vivem em áreas rurais foram assassinadas e o Talibã tomou suas casas e terras”, diz.
A conversa com o cozinheiro foi traduzida do dari, língua falada no Afeganistão (uma variação do persa), pelo professor de inglês Mahmood Alizada, 30 anos, que também está no aeroporto desde o início da semana passada em busca de refúgio no Brasil.
“A situação é ruim não apenas para mim, mas principalmente para as famílias com crianças pequenas. Esse lugar não é limpo, não tem chuveiro. Até mesmo durante a noite é barulhento demais e não conseguimos dormir”, diz Alizada.
O professor resume da seguinte maneira a situação e pede ajuda. “Não é um lugar para se viver. Mas, infelizmente, há pessoas que vivem aqui por 10, 15 dias. É difícil passar 15 dias sem um banho. Somos seres humanos”, diz.
Segundo Alizada, a embaixada do Brasil no Irã tem emitido vistos humanitários de forma muito lenta. O processo todo pode demorar até um ano e oito meses, o que causa angústia nos refugiados. “Vi pessoas dormindo no parque esperando pelo visto”, afirma.
O professor de inglês diz que muitas pessoas saem do Afeganistão com pouco dinheiro. O próprio Alizada deixou a família no país asiático por não ter condições de trazê-la com ele. Só em passagens, são cerca de US$ 1.000 (pouco mais de R$ 5.000).
O que dizem as autoridades
Já o governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social, diz que investiu, ao longo do ano, mais de R$ 6 milhões em 10 equipamentos para migrantes e refugiados, sendo duas casas de passagem e oito repúblicas.
Segundo a administração estadual, no momento, todas as cerca de 200 vagas estão ocupadas, majoritariamente por afegãos. “A pasta permanece dialogando com governo federal — o responsável pela emissão de vistos humanitários e politica de acolhimento e interiorização dessa população — para orientação e ampliação do número de vagas”, diz, em nota.
A Prefeitura de Guarulhos diz que não é o órgão responsável pela acolhida dos afegãos, mas que trabalha de forma emergencial para lidar com a demanda.
Segundo a prefeitura, já no desembarque, os refugiados são referenciados no Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante e entram no processo de busca por vagas junto ao governo estadual, responsável por gerenciar essas vagas de acolhimento. “No momento, não temos previsão para novos acolhimentos”, diz.
A prefeitura afirma ainda que, enquanto estão no aeroporto, garante a segurança alimentar dos refugiados com café da manhã, almoço e jantar, além de entregar água e cobertores. “As equipes do posto avançado estão à disposição dos afegãos para atender quaisquer necessidades emergenciais que surjam, inclusive para acionar as equipe de saúde do município”, diz.
Segundo a prefeitura, Guarulhos tem 257 vagas para acolhimento de migrantes e refugiados, sendo 207 geridas pela municipalidade e outras 50 pelo governo estadual.
A prefeitura também diz que protocolou, em 23 de março, o primeiro documento solicitando o reconhecimento de Guarulhos como Cidade Fronteira.
“Em 13 de junho, diante de quase duas centenas de afegãos aguardando acolhimento, mais um ofício foi protocolado, reforçando a solicitação feita anteriormente e solicitando ainda o governo federal assuma as ações de interiorização dos afegãos no país”, diz. “Até o momento não houve retorno positivo em nenhum dos pedidos”.
O gabinete do ministro de Portos e Aeroportos diz que recebeu o ofício do prefeito de Guarulhos, Gustavo Henric Costa, solicitando que o município seja reconhecido como fronteira aérea do Brasil, a fim de possibilitar o recebimento de recursos federais para execução de iniciativas voltadas a imigrantes. “O documento foi encaminhado ao Grupo de Trabalho Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia do Ministério da Justiça (MJ), órgão competente para dar encaminhamento à solicitação”, diz, em nota.
A concessionária GRU Airport, que administra o Aeroporto de Guarulhos, diz que tem contribuído no suporte aos procedimentos de higiene pessoal e manutenção de limpeza constante do espaço, “além da viabilização do vestiário”.