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Ratos e vidro na comida: amigos presos injustamente falam sobre prisão

Confundidos com ladrões, Rafael e Gabriela ficaram cinco dias presos e contam como foram os dias na cadeia, com superlotação e até ratos

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Duas fotos coloridas compõem mosaico. Do lado esquerdo rapaz com caliseta do Corinthians faz V de vitória e do direito moça com brazer creme sorri - Metrópoles
1 de 1 Duas fotos coloridas compõem mosaico. Do lado esquerdo rapaz com caliseta do Corinthians faz V de vitória e do direito moça com brazer creme sorri - Metrópoles - Foto: Arquivo Pessoal

São Paulo – “Eu saí de um sonho para um pesadelo”. É com essas palavras que Gabriel Pereira da Cruz resume o que viveu na última semana, depois de ser confundido com um ladrão de carro e terminar preso no mesmo dia em que fazia uma festa para celebrar seu novo emprego.

Detido juntamente com a amiga Rafaela da Silva Pereira Lima no dia 10 de setembro, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, ele ficou cinco dias no Centro de Detenção Provisória IV de Pinheiros.

Rafaela passou o mesmo período no CDP de Franco da Rocha. Na última sexta-feira (15/9), os dois foram soltos depois que uma série de provas colocou em xeque as suspeitas contra o casal de amigos.

Em entrevista ao Metrópoles, os jovens contaram como foi a espera até que tivessem a prisão revogada a pedido da Polícia Civil e da Promotoria do Ministério Público.

Bastante emocionado, Gabriel diz que foi uma semana que ele “nunca vai esquecer”. “Nem bicho merece um tratamento daqueles”, afirma o jovem.

Ele conta que sua cela chegou a receber 45 presos, apesar de ter apenas quatro beliches. Com isso, a maior parte dos detidos, incluindo ele mesmo, precisavam dividir espaço no chão frio durante a noite: “A gente estava dormindo em mantas no chão, no concreto”, diz ele.

O jovem afirma que foi instruído por outros presos a mexer a comida antes de levar a refeição à boca. Ele conta que um dos detentos chegou a encontrar cacos de vidro na marmita.

“Como que as pessoas falam de recolocar os presos na sociedade se tratam eles como lixo?”, diz Gabriel.

Enquanto familiares, amigos e vizinhos buscavam as provas de sua inocência, dentro do CDP, o jovem era chamado de “ladrão” e virou alvo de piadas por parte dos agentes penitenciários.

No dia em que foi solto, ele ouviu de um agente “vai embora, ladrão”. Outro carcereiro, no entanto, o consolou. Gabriel acredita que ele tenha lido alguma reportagem sobre seu caso. “Ele falou ‘fica tranquilo porque a justiça está sendo feita’”.

Ao deixar a cadeia, Gabriel não encontrou a família à sua espera. Ele diz que a mãe foi informada de que ele sairia mais tarde naquele mesmo dia. O jovem foi sozinho até a estação de trem e, sem dinheiro, precisou contar com a ajuda de um homem para pagar a passagem e voltar para casa.

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Jovem presa pela PM é conhecida por trabalhar e ajudar a mãe
Rafaela já trabalhou como auxiliar de enfermagem e atualmente curso enfermagem
Rafaela é conhecida no bairro por ajudar em trabalhos sociais
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Rafaela atualmente trabalha como vendedora de seguros

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Jovem presa pela PM é conhecida por trabalhar e ajudar a mãe

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Rafaela já trabalhou como auxiliar de enfermagem e atualmente curso enfermagem

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Rafaela é conhecida no bairro por ajudar em trabalhos sociais

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Abalado com toda a experiência, ele chora frequentemente e conta que tem se assustado até com as coisas mais simples. “Minha mãe ontem foi me acordar e eu pulei da cama”.

Gabriel diz que a família pretende se mudar. O emprego que ele tinha conseguido antes da prisão, que começaria no dia 11 de setembro, foi perdido. “E agora que o meu nome tá sujo? Que tenho uma matrícula no meu nome?”, diz ele.

A defesa do casal de amigos diz que vai processar o Estado pela prisão injusta: “Se a gente não for até o fim [contra isso] quantas vezes mais isso vai acontecer? Isso é recorrente”, afirma Gabriel.

Rafaela endossa as falas do amigo. No CDP de Franco da Rocha, ela conta que deixou de comer algumas refeições porque a comida tinha aspecto de “estragada”.

A jovem também diz que não tinha acesso a itens básicos de higiene. “Meu kit não tinha escova de dente”, afirma ela, que citou também a falta de papel higiênico e uma quantidade insuficiente de cobertores para todas as detentas.

Outro problema, segundo Rafaela, eram os ratos. “Tinham ratos lá dentro que passavam perto da gente”, diz a estudante de enfermagem.

Rafaela conta que se surpreendeu com a mobilização gerada com a sua prisão. Ela e o amigo foram recebidos com festa pelos vizinhos ao voltarem para casa.

Agora, Rafaela quer continuar as aulas de enfermagem e realizar seus sonhos. O próximo envolve seu aniversário: “Quero viajar para Machu Picchu”.

Outro lado

O Metrópoles questionou a Secretaria da Administração Penitenciária sobre as denúncias feitas pelo casal de amigos.

Em nota, a pasta disse que possui canais para recebimento de denúncias, como a Ouvidoria e a Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário e que o sigilo do denunciante é preservado.

A secretaria afirma que determina que seus funcionários trabalhem dentro da legalidade e em observância aos preceitos da Lei de Execução Penal e aos princípios dos Direitos Humanos.

“As unidades recebem correições (atividade mediante a qual a Corregedoria afere a regularidade, eficiência, eficácia e efetividade dos procedimentos realizados nas unidades do Tribunal) periódicas por parte da Justiça e do Ministério Público”, diz o texto.

Sobre as denúncias de refeições com problemas, a pasta afirma que as unidades servem pelo menos três refeições diariamente, seguindo cardápio determinado por nutricionistas.

“A qualidade é atestada diariamente por uma comissão de recebimento, composta por servidores que gerenciam e fiscalizam o contrato. Essa denúncia de caco de vidro é antiga, repetitiva e nunca se faz acompanhar de dados que individualize o fato”, diz o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Sobre a lotação do CDP de Pinheiros, a secretaria afirma que as 182 unidades prisionais estão operando “abaixo da média estipulada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que estabeleceu como aceitável a superpopulação de até 37,5%”.

A pasta afirma que, para diminuir o percentual, a SAP tem adotado medidas como inauguração de novos presídios e a adoção de penas alternativas pelo Poder Judiciário.

“Mês passado foi inaugurado o CDP de Aguai, com 823 vagas. Estão previstas as entregas de mais duas novas unidades nos municípios de Riversul e Santa Cruz da Conceição, gerando mais 1.646 vagas”, afirma a secretaria.

A pasta diz ainda que Rafaela recebeu os kits de higiene e inclusão ao entrar na unidade de Franco da Rocha e que o CDP “recebe desratizações e desinsetizações frequentemente”. A última, segundo a pasta, foi feita em 14 de julho.

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