Rastilho de ódio: atentado em SP desencadeia novas ameaças em escolas
Metrópoles teve acesso a ocorrências de ameaças envolvendo alunos de escolas estaduais após ataque que culminou na morte de professora em SP
atualizado
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São Paulo – Ameaças de morte, facas e simulacro de arma de fogo espalharam temor em colégios paulistas na esteira do ataque feito por um aluno de 13 anos em uma escola estadual da zona oeste de São Paulo no início da semana, no qual a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, foi assassinada a facadas.
Em menos de 48 horas após o atentado, ocorrido na manhã da última segunda-feira (27/3), a Polícia Civil descobriu sete planos de ataques a escolas da Grande São Paulo e do interior paulista, segundo boletins de ocorrência registrados por pais de alunos e funcionários de escolas.
No dia seguinte ao ataque feito na Escola Estadual Thomázia Montoro, na Vila Sônia, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, afirmou que os registros dos sete boletins de ocorrências estariam relacionados à “reprodução exaustiva” de imagens do atentado da zona oeste.
O Metrópoles teve acesso a seis dos registros policiais mencionados pelo secretário. Todos os casos ocorreram em escolas estaduais e são investigados pela polícia.
“Vou assassinar ele na escola”
Por volta das 15h do dia 27, horás após o atentado na zona oeste da capital, um adolescente de 14 anos enviou mensagens com ameaças de morte a um colega da classe, após a vítima fazer uma brincadeira de mal gosto sobre o sumiço do cachorro do garoto. O caso ocorreu em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.
Mesmo com a vítima se retratando, afirmando ter sido uma brincadeira, o outro menino afirmou que iria levar uma faca para a escola. As ameaças foram encaminhadas em um grupo de alunos, no WhatsApp.
“Quero que sua mãe morra em um acidente de caminhão, seu merda do caralho, seu bosta, amanhã eu vou trazer uma faca. Não vai ser coisa boa pra fazer com você. Eu tô com raiva desse merda. Vou assassinar ele na escola, estou pouco me fodendo pro que vai acontecer”, escreveu o estudante de 14 anos na mensagem.
O jovem disse ainda que poderia ser preso, mas pretendia “deixar a parede vermelha com o sangue” do outro menino.
Diante das ameaças, a mãe da vítima foi até a delegacia de Itapecerica e registrou um boletim de ocorrência de ameaça e injúria.
“Professores deveriam ser esfaqueados”
No mesmo dia 27, quando o atentado na capital já ocupava o noticiário em todo o país, um estudante de 14 anos do 9º ano de uma escola estadual de Santo André, no ABC paulista, ameaçou matar sua professora de História e outros educadores da unidade de ensino.
“O estudante fez ameaças na sala de aula durante a aula. A professora [de História] relatou que o aluno disse que os professores deveriam ser esfaqueados como o caso da professora da Vila Sônia e que ele faria o mesmo, no próximo dia”, diz trecho do boletim de ocorrência registrado no 6º DP de Santo André.
O padrasto do garoto foi chamado à unidade de ensino depois das ameaças.
Mensagem de massacre no banheiro
Em outro caso, em uma escola de Campinas, interior paulista, um aluno alertou seus professores que havia uma mensagem de ameaça escrita dentro do banheiro masculino do colégio.
Com erro de português, estava escrito em uma das portas do banheiro: “Maçacre dia 31/03/23.” A denúncia foi repassada aos educadores um dia após o ataque a faca que matou a professora da zona oeste paulistana. O autor da pichação não foi identificado.
Arma de brinquedo
Em Rio Grande da Serra, na Grande São Paulo, dois estudantes, de 14 e 16 anos, foram flagrados com uma arma de brinquedo, dentro da escola, na manhã de 28/3, dia seguinte ao atentado.
Eles alegaram ter levado o item ao local para mostrá-lo aos colegas. O caso foi registrado como apreensão de objeto pela Polícia Civil.
Antes do flagrante, testemunhas desconfiaram que a arma poderia ser verdadeira e, por isso, acionaram a Polícia Militar
Punhal no bolso
No mesmo dia, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, um estudante de 18 anos foi flagrado com um punhal no bolso.
O rapaz alegou em depoimento no 1º DP da cidade que portava a arma branca para “se sentir mais seguro”, afirmando ser vítima de ofensas homofóbicas.
Um dia antes, um amigo dele teria sido agressivo com professoras e foi removido da escola, por intervenção de sua mãe. Ele seria alvo de bullying. Colegas do rapaz, porém, acreditavam que ele havia sido expulso por influência das professoras.
Por isso, as educadoras desconfiaram que o estudante do punhal teria levado a adaga ao colégio para vingar a remoção do amigo e retaliar as professoras. Os dois jovens negaram a suspeita.
Mãe tranca filho violento
O Metrópoles revelou que uma mãe trancou o filho em casa, no dia 28, para que ele não fosse à escola em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Ele estava indo à unidade de ensino com uma faca de serra, após se envolver em uma briga, segundo registro feito à policia. A arma branca foi entregue pela mãe à unidade de ensino.
“Ao ser atendida na escola, a mãe confirmou a história e entregou a faca que o filho portava dizendo que o mesmo vai matar os demais estudantes da escola e que se não o fez [ainda] é por não ter [tido] oportunidade”, diz trecho do relato da mãe do aluno.
Além da faca e de um par de luvas, ela também entregou à polícia um caderno no qual havia frases agressivas escritas pelo filho.
Para evitar que o adolescente praticasse qualquer ato de violência contra os colegas, a mãe o deixou trancado em casa, quando foi entregar a faca na escola, porque o filho poderia “oferecer risco para todos.”
Criminalização do Bullying
Embora já exista no Brasil o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, que estabelece medidas de prevenção e combate ao bullying, não há ainda uma legislação que estabeleça penalidades aos autores.
O cenário dificulta o monitoramento dos casos e suas eventuais consequências, como agressões e até homicídios.
Para a advogada Ana Paula Siqueira, que estuda bullying e cyberbullying, o tema poderia ser tratado em lei, para se tornar um crime, como ocorreu com os feminicídios.
“Antes da lei, o feminicídio era registrado como um homicídio tendo uma mulher como vítima. Após a lei, os boletins de ocorrência passaram a especificar o crime pela condição de mulher da vítima. Com esses dados, a sociedade entendeu o tamanho do problema da violência doméstica e do feminicídio, passando a agir com muito mais vigor e eficiência para coibir os crimes”, afirmou a especialista, acrescentando que “é preciso fazer o mesmo com o bullying.”
Ela disse ainda que, “quase diariamente”, são registrados casos policiais tendo o bullying como origem. Como exemplo, ela usou o caso ocorrido na zona oeste, que culminou com a morte da professora de biologia.
“Nada justifica o crime, mas se esse jovem já era vítima de bullying, o caso poderia ter sido tratado muito antes de chegar ao homicídio”, pontuou.