Quadrilha “contrata” PMs e usa disfarce de mendigo para roubar banco
Polícia Civil paulista investigou por 8 meses quadrilha que roubou quase R$ 900 mil de agência bancária em Suzano, na Grande São Paulo
atualizado
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São Paulo — Investigação da Polícia Civil paulista revela que suspeitos de integrar uma quadrilha especializada em assalto a bancos “contratou” policiais militares (PMs) e usou disfarces de mendigo e de técnicos de eletricidade para roubar uma agência bancária em Suzano, na Grande São Paulo, em novembro do ano passado.
Uma denúncia feita por um PM à Corregedoria da corporação, afirmando ter sido procurado pela quadrilha para ajudar em um roubo a banco, em março deste ano, ajudou a polícia a desbaratar a quadrilha e a conseguir na Justiça as ordens de prisão contra cinco suspeitos, no fim de julho.
Alexandre de Oliveira Morais, o Careca, Alan Santos Justino, os irmãos David e Denilson Ferreira Targico, e o cabo da PM Izaias de Sousa, foram denunciados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) como participantes do roubo que levou quase R$ 900 mil de uma agência do Bradesco em Suzano, em 26 de novembro de 2023.
Duas semanas antes, em São José do Rio Preto, parte do bando teria participado de um furto, no qual foi levado o equivalente e R$ 1,2 milhão em barras de ouro, em uma fábrica de joias. A Polícia Civil investiga a eventual ação da quadrilha em outros roubos e furtos de bancos e empresas que lidam com produtos preciosos.
PMs no esquema
Relatório da Corregedoria da PM, obtido pelo Metrópoles, mostra que policiais prestaram depoimento, de forma protegida, revelando terem sido alvos de tentativa de cooptação para participarem de um roubo a banco, em março deste ano. “Os criminosos buscavam policiais militares para escutar a frequência da PM”, aponta o documento.
Segundo a investigação, os policiais corruptos prestam um serviço chamado de “radinho” pelos criminosos, que consiste em abastecer a quadrilha com informações da PM, por meio da escuta da radiofrequência da corporação.
O recurso era usado pela quadrilha para “antever” a eventual chegada de viaturas durante um roubo ou furto. Para isso dar certo, policiais que circulam pela região alvo da quadrilha precisavam ser “contratados” por valores que variavam entre R$ 20 mil e R$ 200 mil.
Microfone escondido
Com autorização judicial, um dos PMs abordados pela quadrilha gravou uma conversa na qual estariam presentes o PM Izaias, Alan e Alexandre Morais, o Careca.
“Os diálogos são claros e revelam o vínculo e a estabilidade do grupo, bem como revela indícios de prática recente de outro roubo a agência ‘prime’, ocorrido em Suzano”.
O vigilante que foi mantido como refém durante o assalto na Grande São Paulo afirmou, em depoimento à Polícia Civil, que o bando escutava a frequência da PM durante o assalto, “fato semelhante ao buscado pelos criminosos, ao cooptarem policiais”, para o roubo previsto para março deste ano.
Com base na conversa captada, a Justiça Militar decretou a prisão preventiva do cabo Izaias e o provável novo roubo a banco foi frustrado.
Por meio de nota, o advogado João Victor Maciel Gonçalves, que defende Izaias, afirma já ter apresentado “provas concretas”, com base em testemunhos e registros, de que seu cliente participava de um concurso público na ocasião, “comprovando a inocência” do PM, que segue detido. As defesas dos outros suspeitos não foram localizadas. O espaço segue aberto para manifestações.
Roubo de Suzano
Com base em imagens de câmeras de monitoramento, a Polícia Civil identificou que o roubo da agência bancária do Bradesco em Suzano se dividiu em duas fases.
A primeira foi interromper o fornecimento de energia, para impossibilitar o funcionamento de câmeras, no interior do banco, da mesma forma que o acionamento do alarme.
Um criminoso disfarçado de mendigo, ainda não identificado, permaneceu por dias nas redondezas, chegando a receber comida de comerciantes.
A polícia percebeu que ele seria um olheiro da quadrilha porque, entre os dias 25 e 26 de novembro de 2023, um homem careca, de jaqueta, circulou insistentemente em frente à agência e pareceu dar alguma ordem ao suspeito para ele atravessar a rua e ir ao estacionamento da agência.
Foi justamente nesse ponto que outros dois integrantes da quadrilha, vestidos com uniformes da Enel, concessionária de energia elétrica, desceram de um carro para ir à agência. Antes disso, um deles cumprimentou o falso mendigo.
No estacionamento, a dupla de falsos técnicos foi até a caixa de energia e cortou os cabos, deixando a agência sem eletricidade e pronta para a empreitada criminosa. O falso mendigo permaneceu o tempo todo em frente ao Bradesco.
Por volta das 21h40 do dia 26 de novembro, um domingo, a mesma dupla de falsos técnicos retornou ao local, conseguiu acessar o prédio passando-se por profissionais da concessionária de energia e rendeu o vigilante. Eles levaram maçarico e até comida, demonstrando que a quadrilha pretendia ficar bastante tempo por ali.
Participaram de todo do roubo ao menos 12 criminosos.
Na agência, a quadrilha agiu calmamente, sabendo que não seria identificada pelas câmeras — inoperantes da mesma forma que o alarme. A ação durou cerca de oito horas. Por volta das 5h10 da segunda-feira, os criminosos fugiram do local levando exatos R$ 882.967,79.
A partir daquele dia, o falso mendigo deixou a frente da agência e nunca mais apareceu. As imagens das câmeras de rua, porém, ajudaram a polícia a identificar David Ferreira Targico. Ele é o homem careca que interage com o falso mendigo, no dia que antecedeu o roubo.
As investigações constataram que ele se apresenta como empresário, no ramo de transporte executivo, e seria o responsável pela logística da quadrilha. Sua empresa, de acordo com a Polícia Civil, seria usada para lavar dinheiro.
Suborno de R$ 200 mil
Em decisão do último dia 16 de julho, o juiz Orlando Gonçalves de Castro Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), afirma que Alan Santos Justino planejava um roubo à agência do Bradesco de Ermelino Matarazzo, na zona leste paulistana, em março deste ano. Para isso, ele teria oferecido R$ 200 mil a dois PMs.
A investigação da Polícia Civil mostra que Alan iria oferecer o mapa da agência aos policiais. Ele tentou tranquilizar os PMs dizendo que não iria usar explosivos e que não integrava o Primeiro Comando da Capital (PCC), alegando preferir “agir em família”.
No crime de Suzano, cada PM supostamente envolvido no esquema teria recebido R$ 20 mil, apontam registros policiais.