Proposta de Nunes para enterrar fios sem taxa pode esbarrar na lei
Prefeitura diz que fonte de recursos citada por Nunes pode ter impacto da reforma tributária; taxa foi criada só para iluminação pública
atualizado
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São Paulo — Mesmo sem a criação de uma nova taxa, a proposta do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de usar os recursos da Contribuição de Serviço de Iluminação Pública (Cosip) para bancar o enterramento de fios da rede de energia da capital paulista não é consenso dentro da Prefeitura e pode esbarrar na lei.
A proposta do prefeito, feita em meio ao caos provocado pelo apagão que afetou 2,1 milhões de imóveis na Grande São Paulo desde a última sexta-feira (3/11), é que, em locais onde os moradores queiram enterrar a fiação aérea, eles mesmos executariam o serviço, por meio do que ele chamou de “taxa de contribuição” ou de “melhoria”, que seria voluntária.
À Prefeitura, caberia a assinatura de uma parceria para que o município ajudasse financeiramente esses moradores, bancando uma parte do investimento com o fundo abastecido pela Cosip, uma taxa que já é paga pelos consumidores junto com a conta de luz.
Para além da discussão pautada pelo prefeito, que passou a semana tendo de explicar que não queria propor uma nova cobrança, apesar de ter usado o termo “taxa” equivocadamente, a proposta, na prática, é tratada apenas como uma hipótese pela Prefeitura.
Em nota ao Metrópoles, a Secretaria Municipal da Fazenda afirmou que “ainda não existe definição sobre o tema” e que “não existe nenhuma intenção de criação ou majoração” de tributos para enterramento dos fios.
Um dos motivos para isso é que os técnicos da pasta têm dúvidas sobre como ficará a cobrança, uma vez que o Congresso está prestes a concluir a votação da reforma tributária.
“As regras de utilização da Cosip pelos municípios brasileiros estão, neste momento, em discussão pelo Congresso Nacional, no âmbito da reforma tributária, não sendo possível afirmar que elas permanecerão as mesmas”, informa a nota da secretaria.
O que é a Cosip
A Cosip é uma taxa criada em 2002, na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, para financiar melhorias na iluminação pública da cidade. Ela é cobrada pela empresa de energia — a Enel no caso da capital paulista —, junto com a conta de luz, e o valor é repassado à Prefeitura.
Na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), entre 2013 e 2016, ela passou por mudanças para viabilizar uma Parceria Público-Privada (PPP) que trocaria as lâmpadas de gás da cidade por luzes de LED. Já na gestão Nunes, em 2021, ela mudou mais uma vez, alterando os valores cobrados do cidadão — a tarifa, que era única, passou a variar de acordo com o consumo de energia de cada imóvel.
Neste ano, até a última terça-feira (7/11), a Prefeitura já havia arrecadado R$ 664,6 milhões com a Cosip. A previsão é que, até 31 de dezembro, o montante chegue a R$ 787,4 milhões, segundo dados da Secretaria Municipal da Fazenda.
Nunes disse que como 99% das lâmpadas da cidade já foram trocadas por LED, o dinheiro da Cosip poderia ser usado para bancar o enterramento da fiação elétrica da cidade, que hoje é, majoritariamente, distribuída por redes aéreas — menos de 1% da rede é subterrânea. Além disso, as luzes de LED são mais econômicas. Portanto, haveria uma sobra de caixa que poderia ajudar a bancar o investimento, visto como a melhor solução para evitar apagões provocados por temporais e quedas de árvores.
Quais são as dúvidas
Caso as dúvidas da Prefeitura sobre a permanência da existência da Cosip sejam superadas, Nunes deverá enfrentar questionamentos da oposição se resolver tirar a proposta do papel.
O deputado estadual Simão Pedro (PT), que era secretário de Serviços da gestão Haddad e elaborou a proposta de usar a taxa para instalar as luzes de LED, disse que a lei que criou a Cosip prevê que o uso dos recursos da taxa só podem ser usados na iluminação pública, não na distribuição de energia para endereços particulares.
“Quando fui secretário de Serviços, fizemos o enterramento dos fios da iluminação pública na Avenida 23 de Maio, na Ruben Berta, na Marginal Pinheiros, no viário em torno do estádio do Corinthians. Fizemos com os recursos da Cosip. Mas era iluminação pública. A lei que criou a Cosip não permite enterramento da fiação da energia elétrica”, afirma o deputado.
O professor de Direito Econômico da Fundação Getúlio Vargas Mario Schapiro, pós-doutor pela New York University, aponta, porém, que há espaço para uma interpretação diferente da lei.
O texto da lei diz que a Cosip serve para custear o serviço de iluminação pública, e que esse serviço “compreende a iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão
da rede de iluminação pública, além de outras atividades a estas correlatas”.
Para Schapiro, a citação a “atividades correlatas” abre espaço para interpretações que vão ao encontro da proposta do prefeito Ricardo Nunes.
“Não adianta a gente usar a Cosip para trocar lâmpadas e postes se a energia não chegar a lâmpadas e postes”, disse. “A gente tem que pensar o que significa a manutenção da iluminação pública em um contexto que exige uma adaptação climática”, completa.
Ele ressalta que essa forma de interpretar a legislação “não é o uso convencional”, “mas é defensável se pensar assim”.