Professora que sobreviveu a ataque há 1 ano não consegue mais dar aula
Professoras da Escola Estadual Thomazia Montoro relatam trauma após um ano do atentado e defendem mais psicólogos nas escolas
atualizado
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São Paulo – Um ano após o atentado que deixou uma professora morta e 4 pessoas feridas na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste da cidade, a sobrevivente Rita de Cássia Reis, 69 anos, ainda tem dificuldade para lidar com situações simples do dia-a-dia, como andar na rua.
“Se vier um jovem, um adolescente, no sentido contrário [da rua], eu já olho imediatamente para a mão dele, para ver se ele está armado, se vai me atacar”, diz a professora de história, uma das vítimas do atentado.
Rita e a também sobrevivente Ana Célia da Rosa, 59 anos, conversaram com o Metrópoles nesta terça-feira (26/3). À reportagem, as duas professoras relataram os traumas deixados pelo episódio e defenderam a presença de psicólogos na rede estadual de ensino.
“Sala de aula não quero mais”
No dia 27 de março de 2023, Rita fazia a chamada com seus alunos quando ouviu a correria de um grupo de estudantes do lado de fora da sala de aula. Ao abrir a porta, a professora foi surpreendida por um adolescente do 8º ano, que lhe desferiu diversas facadas.
Antes disso, o assassino já tinha ferido a também educadora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos. Ela não sobreviveu ao atentado.
Impactada pelo episódio, Rita precisou ser afastada das atividades escolares e, desde junho de 2023, mora em Itajubá, no interior de Minas Gerais. Há 12 anos na rede estadual de ensino, ela não consegue mais se imaginar segurando um giz na mão.
“Posso trabalhar no administrativo, na secretaria da escola, qualquer coisa. Sala de aula não quero mais”, afirma Rita.
Antes de decidir pela mudança de cidade, a professora conta que tentou voltar a lecionar, mas teve um ataque de pânico ao ver um estudante do 6º ano andando em direção a ela.
“Ele estava com moletom, com as mãos no bolso e o capuz na cabeça. Na hora eu surtei, comecei a gritar”, afirma a professora. “Eu percebi que em sala de aula vou ficar com esse medo o tempo todo”.
A professora fez acompanhamento psicológico por quase um ano com especialistas do Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI), programa da Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania voltado a vítimas de crimes contra a vida, como tentativas de homicídio.
Rita também pagou uma psiquiatra particular até o início deste ano para enfrentar o trauma. Mesmo assim, ela diz que a tensão e o medo continuam presentes.
“Se eu for sentar para almoçar, eu nunca fico de costas para a porta. Tenho medo que venha alguém e me ataque por trás”, diz ela. “Tá difícil de superar”.
Por causa do trauma, ela decidiu processar o Estado. A professora pede na Justiça uma indenização pelo ataque vivido e um salário vitalício, já que não consegue mais trabalhar.
“Eu estava trabalhando, estava fazendo chamada, dentro da sala de aula, quando o aluno entrou e me esfaqueou. Será que o estado não me deve nada?”.
A educadora defende que o governo mantenha psicólogos nas escolas estaduais para atender a comunidade e evitar novos casos, e pede também a atenção das famílias com os estudantes: “Nossas crianças precisam ser mais assistidas”.
Após o atentado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou a contratação de 550 psicólogos e mil seguranças privados para os colégios da rede.
“Tira o capuz”
Entre abril e dezembro, sempre que Ana Célia da Rosa, 59 anos, pisava na sala de aula, os alunos da E. E. Thomazia Montoro já sabiam o que fazer.
“Todo mundo já falava: ‘tira o capuz que a professora tá entrando’”, afirma a educadora.
A atitude era um gesto de carinho: assim como Rita, Ana Célia desenvolveu trauma da peça de vestuário após o atentado do ano passado. “Os alunos me acolheram muito bem. Eu fiquei na Escola Thomazia Montoro por eles”.
A professora carrega até hoje as cicatrizes do atentado. Golpeada 17 vezes pelo assassino enquanto tentava ajudar Elisabete Tenreiro, Ana Célia perdeu parte da mobilidade do dedo indicador direito e faz sessões de fisioterapia até hoje.
Os ferimentos provocados pela faca também formaram um coágulo no ouvido da educadora, afetando sua audição. Agora ela usa aparelho auditivo. “Vou levar [o trauma] para o resto da vida”, afirma Ana Célia.
Ela voltou a lecionar no colégio 15 dias depois do atentado. No primeiro dia de trabalho, a educadora teve que entrar na mesma sala onde tinha lutado contra seu agressor.
“Agora eu não sei como está, mas até o ano passado a porta tinha sangue. Por mais que eles tivessem lavado, ainda ficou uma mancha. E aquele sangue ali eu sei que é o meu porque foi ali que eu caí”, diz Ana Célia. A escola chegou a passar por uma reforma após o ataque.
A educadora, que tem contrato temporário com a rede estadual, atuou na Thomazia Montoro até dezembro do ano passado. Agora, ela espera a atribuição de aulas para saber em qual colégio ficará.
Entrevistada pelo Metrópoles na véspera da marca de um ano do atentado, a professora diz que os últimos dias têm sido difíceis. “Essa semana está sendo mais complicada”, afirma ela, dizendo que está tomando remédios para dormir. “Fico pensando no que aconteceu”.
Para Ana Célia, o governo precisa ampliar o número de psicólogos nas escolas. “Como pode um psicólogo atender 10 escolas?”, afirma a educadora, que defende que os profissionais atendam não apenas os alunos, mas também os professores da rede.
Desde que o atentado aconteceu, Ana Célia fez acompanhamento psicológico na Unidade Básica de Saúde Vila Sônia, próxima à escola. Recentemente, no entanto, ela foi orientada pelos profissionais da unidade a buscar o atendimento na UBS da região onde mora.
Outro lado
Em nota, a Secretaria da Educação afirma que “relembra com pesar o ataque à escola estadual Thomazia Montoro, há um ano”. A pasta diz que disponibilizou atendimento psicológico individual e coletivo em 2023 e mantém o serviço ativo em 2024.
A secretaria diz que tem trabalhado na promoção de atividades que visam “coibir quaisquer atitudes de violência e ampliar a segurança da comunidade escolar”.
“Além disso, a escola passou por uma revitalização de seus ambientes, com um investimento de R$ 200 mil, incluindo intervenções artísticas da ação #EscolaÉParaBrilhar, em colaboração com o produtor e artista plástico Kleber Pagu”, diz o texto enviado pela pasta.
A secretaria afirma ainda que contratou mil vigilantes para atuar nas escolas, além de 550 psicólogos e cerca de 1.300 docentes para a função de Professor Orientador de Convivência (POC).
“Para 2024 está prevista a realização de novo processo seletivo com o objetivo de ampliar a oferta de professores com a função de mediar conflitos, adotar práticas restaurativas no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de ações voltadas para a restauração de relações”, afirma a nota.
Questionada sobre o processo aberto pela professora Rita de Cássia, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que o Estado requereu, nas quatro ações relacionadas ao atentado na E.E. Thomazia, a intimação dos autores para que se manifestem sobre a existência de interesse na suspensão do processo por 90 dias visando tratativas para eventual acordo.
“O Estado não pode propor acordo administrativo com ações judiciais em andamento”, diz a pasta.