Os interesses políticos por trás da tarifa zero dos ônibus em SP
Proposta de tarifa zero do prefeito de SP, Ricardo Nunes, atiça lideranças políticas da cidade e antecipa movimentos para a eleição de 2024
atualizado
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São Paulo – Nascida como uma proposta de movimentos e partidos de esquerda, a política de tarifa zero nos ônibus da cidade de São Paulo está ganhando corpo como possível vitrine de um governo de centro-direita, do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A retomada do debate sobre a gratuidade no transporte municipal para todos passageiros a partir da defesa pública do projeto feito pelo emedebista movimentou uma série de interesses políticos na capital paulista. Todos de olho no impacto eleitoral que a medida deve causar na disputa pela prefeitura em 2024.
O atual prefeito, que tentará a reeleição daqui dois anos, pretende apresentar cálculos financeiros para justificar a implementação da proposta, antes vinculada à esquerda.
No começo da década, o subsídio que a Prefeitura pagava às empresas de ônibus para manter a frota em circulação correspondia a menos de um terço da receita das empresas — a maior parte vinha da venda de passagens.
Com o passar dos anos este valor foi subindo, especialmente após a pandemia da Covid-19, quando o número de passageiros transportados caiu sensivelmente. Hoje, metade do custo anual de R$ 10 bilhões para manter 13 mil ônibus circulando já vem dos cofres municipais, e a tendência é que essa parcela continue crescendo.
Embora a tarifa zero ainda tenha uma série de entraves a serem superados para sair do papel, os diferentes grupos políticos da cidade, nos bastidores, enxergam a proposta como uma “bala de prata” eleitoral, suficiente para eleger o próximo prefeito da maior metrópole do país.
Por isso, cada partido ou liderança política tem se movimentado nas últimas semanas para tentar assumir um protagonismo no debate da tarifa zero e poder colher dividendos com sua implementação. A seguir, o Metrópoles detalhe os interesses políticos por trás da proposta.
Ricardo Nunes
Com quase dois anos à frente da Prefeitura paulistana, Ricardo Nunes ainda não tem uma “marca” de gestão que possa ser explorada como vitrine na campanha pela reeleição em 2024. Aliados do prefeito apontam a proposta da tarifa zero como a melhor das soluções.
Tirar o projeto do papel o quanto antes fortaleceria a candidatura do prefeito, que conseguiria aglutinar novas forças políticas para sua campanha, evitando o surgimento de outros nomes competitivos no campo da centro-direita e até da direita bolsonarista.
Nunes já vem tentando obter apoio à proposta do governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem apoiou no segundo turno das eleições deste ano contra o PT, assim como fez com o presidente derrotado Jair Bolsonaro (PL). Tarcísio já havia prometido na campanha congelar as tarifas de trem e metrô, operados pelo governo do estado, em 2023. Sobre a tarifa zero, ele disse que precisa estudar a proposta de forma mais profunda.
PT
Surpreendido com o empenho demonstrado por Nunes, o Partido dos Trabalhadores já tenta reivindicar a paternidade do projeto de tarifa zero. Em 2020, a proposta constava das promessas do candidato derrotado da sigla e hoje deputado federal eleito Jilmar Tatto.
Tatto tomou a iniciativa de procurar Nunes no início do mês para discutir o assunto. A reunião ocorreu na casa do prefeito, em Interlagos, zona sul, no último dia 3 de dezembro, quando o petista entregou uma cópia da sua proposta. Depois disso, o presidente do MDB, Baleia Rossi, procurou Tatto a pedido de Nunes para discutir o tema no cenário nacional.
Mas o gesto foi mal recebido por lideranças locais do PT. Ex-presidente da Câmara Municipal, o vereador petista e deputado estadual eleito Antonio Donato afirmou em uma rede social que Tatto foi propor um “acordo eleitoral para 2024” a Nunes. Hoje, o PT faz oposição ao prefeito da capital.
Tatto, que foi secretário de Transportes na gestão Fernando Haddad (2013-2016), nega veementemente que tenha discutido sobre eleição na conversa, embora reconheça o poder de fogo que a proposta da tarifa zero dará ao adversário. Ele diz que procurou Nunes apenas para defender a ideia e o modelo que propõe “Vou privar a cidade de uma política pública como esta, que defendo, por que é um projeto de um adversário? Claro que não”, disse Tatto ao Metrópoles.
Psol
Partido de esquerda que cresceu na capital ao chegar no segundo turno da última eleição municipal, em 2020, com candidatura do deputado federal eleito Guilherme Boulos, o Psol também acompanha os movimentos políticos em torno da tarifa zero de olho na disputa de 2024.
Como a pauta da tarifa zero é uma bandeira do Psol, os vereadores do partido têm dificuldade de criticar a proposta de Ricardo Nunes, mas já fazem ressalvas à falta de transparência sobre as contas do sistema de transporte de ônibus municipal.
“Somos favoráveis à tarifa zero, mas ela tem de ser feita com transparência, com os custos das empresas apresentados de forma clara, com um conselho municipal de transportes forte. Não da forma como o sistema de ônibus é operado hoje”, diz a vereadora Luana Alves, que foi líder da bancada na Câmara.
Para o Psol, a articulação aberta por Jilmar Tatto com Ricardo Nunes envolvendo a tarifa zero traz um componente adicional para o xadrez eleitoral. Isso porque neste ano, PT e Psol fecharam um acordo no qual Boulos abriu mão da candidatura a governador para apoiar Haddad, em troca do apoio do PT a sua campanha à Prefeitura em 2024. A aproximação de petistas com o emedebista poderia minar o acerto, feito com a benção do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
União Brasil e aliados
O União Brasil é outro partido que se envolve no tema mirando a eleição por causa do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, que também comanda o partido na cidade e é um dos principais aliados políticos do prefeito Ricardo Nunes.
Leite tem forte influência no setor de transportes, sendo responsável pela indicação de dirigentes de postos-chave da área na prefeitura, e tem em empresas da zona sul uma de suas principais bases eleitorais. Desta forma, fortalecer as empresas de ônibus vai ao encontro dos interesses do grupo que ele representa.
A aliados, Leite tem expressado que é preciso conter a queda de passageiros no transporte público para não tornar o sistema insustentável. Em novembro deste ano, os ônibus da cidade registraram a entrada de 177 milhões de passageiros. Há cinco anos, em 2017, este número era 33% maior, 237 milhões de passageiros.
Para as empresas de ônibus, mudar um sistema que depende de uma demanda de passageiros que está em queda, o que implica em negociações para o pagamento de subsídios cada vez maiores, para um sistema em que a receita é fixa, determinada pelo Orçamento da prefeitura, praticamente elimina os riscos do negócio e pode garantir uma margem de lucro segura aos empresários.