Fim da era tucana: o balanço dos 28 anos de PSDB no comando de SP
Em quase três décadas de hegemonia, governos tucanos colecionaram alguns avanços, mas patinaram em série de indicadores
atualizado
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São Paulo – Mais do que um gesto simbólico das transições de governo em São Paulo, a entrega das chaves do Palácio dos Bandeirantes que será feita neste domingo (1/1) pelo governador Rodrigo Garcia (PSDB) ao seu sucessor Tarcísio de Freitas (Republicanos) terá um peso histórico. Pela primeira vez em 28 anos, os tucanos serão desalojados do poder no estado mais rico e populoso do país.
Desde a eleição de Mário Covas, em 1994, o PSDB colecionou sete vitórias seguidas nas urnas. Ao todo, foram seis os governadores filiados ao partido criado há 34 anos em São Paulo. Em quase três décadas de hegemonia, os tucanos só não comandaram o estado por um periodo de 18 meses, quando dois vice-governadores de outras siglas assumiram um mandato tampão após a renúncia do titular para disputar a Presidência da República.
Parte dessa supremacia política no estado se explica pela própria origem do partido, que surgiu como um braço paulista e dissidente do atual MDB. “O PSDB, em sua origem, nasceu muito como um partido com lideranças paulistas do que um partido nacional”, afirma o cientista político Marco Antonio Teixeira, pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Essa hegemonia, contudo, ocorreu em meio a uma série de disputas internas pelo controle do partido. São públicas as rusgas que os últimos três governadores tucanos — João Doria, Geraldo Alckmin e José Serra — tiveram entre si. Ao mesmo tempo, o PSDB paulista não conseguiu fincar uma marca associada às suas gestões. “Nesses anos todos, não há uma ‘marca’ das gestões tucanas que tenha sido ampliada para outros estados”, afirma Teixeira.
A derrota histórica sofrida por Rodrigo Garcia na eleição deste ano — ele teve o pior desempenho do PSDB no estado desde 1990 e sequer foi ao segundo turno — pôs fim à era tucana, que termina neste domingo com a simbólica entrega das chaves a Tarcísío de Freitas. O novo governador montou um secretariado sem tucanos e prometeu dar sequência às ações que estão dando certo e mudar o que avalia estar no caminho errado.
Durante os 28 anos de governos tucanos, São Paulo registrou avanços significativos em algumas áreas, como Saúde e Saneamento, mas também deixou a desejar em uma série de indicadores, como em Educação, e na entrega de obras de infraestrutura, em especial, de transporte de massa como metrô e trem. A seguir, o Metrópoles traz um balanço da era tucana nas principais áreas da gestão.
Educação
A Educação é, historicamente, o calcanhar de aquiles do governo estadual, responsável por atender mais de 4 milhões de alunos dos ensinos fundamental e médio. Quando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que mede a qualidade do ensino em todo o país, foi criado, em 2007, São Paulo tinha uma nota 0,9 acima da média nacional, entre os alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental. Na avaliação de 2020, a média paulista ficou em 5,3, enquanto a média nacional subiu 5,8.
Após anos de lentidão, o estado conseguiu avançar na atual gestão na ampliação das escolas de tempo integral, passando de 6% para 44% da rede, e também aprovou, em 2021, um plano de carreira para os professores, elevando o piso salarial da categoria de R$ 2,9 mil para R$ 5 mil. Ainda assim, os professores paulistas têm de lidar com salas mais lotadas do que a média do Brasil.
Saúde
Ao longo dos 28 anos de gestões tucanas, o governo construiu 43 hospitais estaduais, fazendo o total de unidades chegar a 112, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Além disso, criou 62 Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs), modelo que não existia no estado. Os equipamentos de saúde paulistas são referências no país, mas ainda estão aquèm da demanda.
A ampliação da capacidade de atendimento não acompanhou o crescimento populacional. Dados da Fundação Seade mostram que, em 2010, o Estado possuía 1,3 leito de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) para cada mil habitantes. Em 2021, dado mais recente, essa média havia caído para 1,18 leito para cada grupo de mil habitantes.
Segurança Pública
Dois aspectos distintos marcam a gestão da segurança pública durante os governos do PSDB: de um lado, a redução dos índices de homicídio no estado a um patamar recorde; de outro, o crescimento do crime organizado, em especial, da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), que nasceu nos presídios paulistas, controla o tráfico de drogas no estado e expandiu sua atuação para outras regiões do país e do continente.
Dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública mostram que o número de homicídios registrados por ano em todo o território paulista despencou de 12.818 casos, em 1999, para 2.713 registros em 2021, último dado anual consolidado. No mês passado, de acordo com a estatística oficial, o estado registrou o menor número de homicídios dolosos dos últimos 22 anos.
Na outra ponta, mesmo com o isolamento de suas principais liderenças em presídios federais, o PCC quantinou crescendo e já possui hoje cerca de 35 mil membros, segundo informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Atualmente, o grupo que nasceu após o Massacre do Carandiru, em 1992, e promoveu uma onda de ataques em 2006, movimenta mais de R$ 1 bilhão com a venda de drogas na América Latina e na Europa, segundo o Ministério Público. Em 2004, essa cifra girava em torno de R$ 6 milhões.
Transportes
Ao mesmo tempo em que ostenta há anos as dez melhores rodovias do país, fruto de um amplo programação de concessões iniciado pelo governo tucano no fim da década de 1990, São Paulo também tem as estradas com os pedágios mais caros e patina quando precisa executar e entregar suas próprias obras, sejam elas rodoviárias, ou de linhas de trem e metrô.
Em 2000, o plano de transporte de massa prometido pelo PSDB foi da criação de uma malha de 173,4 quilômetros de metrô na cidade, contando com um investimento, em números atualizados, de R$ 121 bilhões. Neste ano, a malha chegou a pouco mais da metade dessa promessa (104 quilômetros), em uma expansão que foi marcada por atrasos e também denúncias de fraude e corrupção. Em 2019, por exemplo, 11 empresas que confessaram ter feito um cartel para fraudar licitações do setor, fizeram acordo para devolver cerca de R$ 500 milhões aos cofres do estado.
A expansão da malha rodoviária não ficou atrás. O maior símobolo é o Rodoanel, anel viário lançado em 1998 com o objetivo de aliviar o trânsito de caminhões pesados da região metropolitana e da capital. Naquela época, o então governador Mario Covas prometeu concluir os cerca de 177 km do Rodoanel em oito anos, ao custo de R$ 10 bilhões, em valores atuais. Já foram gastos mais de R$ 25 bilhões e, até hoje, o anel viário não foi concluído.
O Trecho Norte, que ainda está inacabado, foi paralisado em 2016 em meio a denúncias de superfaturamento de R$ 625 milhões. Catorze pessoas chegaram a ser presas pela Polícia Federal por suspeita de corrupção em 2018, incluindo diretores da Dersa, estatal responsável pelas obras e que acabou sendo extinta. A execução de outros trechos também foram envolvidas em denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato, que apontou desvio de dinheiro das obras para campanhas eleitorais do PSDB.
Saneamento
Embora tenha transformado a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) de uma estatal deficitária na década de 1990 em uma das maiores empresas do setor no mundo, com lucro superior a R$ 2 bilhões, o governo paulista não conseguiu cumprir metas importantes, como a universalização da coleta de esgoto, nem de despoluilção do Rio Tietê, que corta vários municípios paulistas, incluindo a capital.
A meta da Sabesp era coletar todo o esgoto da sua área de cobertura no estado até o fim da última década, mas, segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis), do Ministério de Desenvolvimento Regional, 4.346.568 habitantes paulistas, ou 9,4% da população, ainda despejam esgoto in natura em rios e córregos paulistas.
A consequência disso é a demora ainda maior no projeto de despoluição do principal rio paulista. Desde o lançamento do Projeto Tietê, em 1992, já foram investidos cerca R$ 18 bilhões em ações de saneamento para melhorar a qualidade do rio. Em três décadas, a mancha de poluição foi reduzida em mais de 300 quilômetros de extensão, mas ainda assim, os índices têm apresentado oscilações. Neste ano, o governo tucano anunciou que o Rio Pinheiros, afluente do Tietê que também corta a capital, foi despoluído, após alto investimento na região.
Habitação
Desde que o PSDB chegou ao poder no estado, com Mario Covas em 1995, a Companhia Paulista de Desenvolvimento Habitacional (CDHU), estatal responsável pela construção de moradias populares no estado, entregou 205 mil unidades para população, uma média de menos de 8 mil unidades por ano na era tucana.
Números da Secretaria Estadual da Habitação mostram o quanto a área necessitava de mais investimentos. O Plano Estadual da Habitação, elaborado em 2011 com metas até 2023, identificou um déficit habitacional de mais de 1,1 milhão de moradias, além de 3,2 milhões de moradias consideradas inadequadas para habitação.