“Estão faltando líderes dentro do governo Lula”, afirma Kassab
Em entrevista, Gilberto Kassab afirma que o governo Lula se ressente da ausência de articuladores como José Dirceu e Márcio Thomaz Bastos
atualizado
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São Paulo — Gilberto Kassab, de 62 anos, nunca foi tão longe na arte do equilibrismo como agora, ao acumular o cargo de secretário de Governo e Relações Institucionais do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, com o comando do PSD, partido do qual é presidente e que integra a base de apoio parlamentar de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao PSD, foram destinados também três ministérios (Pesca, Minas e Energia e Agricultura Pecuária e Abastecimento).
Nesta entrevista ao Metrópoles, dada no gabinete que ele ocupa no Palácio dos Bandeirantes, Gilberto Kassab analisa os cenários nacional, estadual e municipal. Ele acha que faltam líderes ao presidente da República, reafirma que, na sua opinião, Tarcísio deveria disputar a reeleição em 2026 e diz que a prioridade do seu campo político é fazer uma aliança com Ricardo Nunes (MDB) para a disputa da Prefeitura de São Paulo, na eleição do ano que vem.
Eis a entrevista:
Você já disse que se sente feliz por ter ficado em São Paulo em vez de ter assumido um ministério no governo Lula. Por quê?
Não diria virar ministro porque não fui convidado. Sempre deixei claro que a minha opção era São Paulo. O Tarcísio se elegeu governador porque chegou com a imagem da eficiência e da transparência. Não é fácil uma pessoa ter um cargo de relevância em três governos com perfis totalmente diferentes — Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro –, e os três falarem muito bem dele. Durante a campanha, ele se apresentou no estado inteiro, estudando cada região que visitava, e conquistou todo mundo. Agora, as pesquisas mostram uma aprovação que nenhum governador teve em três meses de mandato. Estou feliz porque acertei o caminho, porque estou ajudando um governo sério. Não quero dizer com isso que está tudo errado no plano federal e que graças a Deus não estou lá. Não faria isso agora, até porque é o começo do governo Lula.
Qual é a diferença do Lula do primeiro mandato para o Lula deste terceiro mandato?
No primeiro mandato, o Lula empoderou duas pessoas que tiveram papel fundamental no governo, especialmente no início: o José Dirceu e o Márcio Thomaz Bastos. Neste governo, olhando à distância, parece que ele empoderou o Alexandre Padilha e o Rui Costa, mas não com a intensidade que deveria — e, por isso, tudo volta para o colo do Lula. Acho que está fazendo falta ter duas pessoas empoderadas. Até porque ele está mais velho, mais cansado, por mais que esteja bem de saúde. Estão faltando líderes dentro do governo. Neste início que o Lula precisa mudar tudo, porque assumiu como oposição, assim como em 2003, ele não tem equipe para promover mudanças, ou não a empoderou o suficiente. É um problema.
O PSD está com um pé no governo federal, com ministérios, e com o outro no governo Tarcísio aqui em São Paulo, com você na secretaria. Isso poderá criar algum tipo de constrangimento ao PSD?
O PSD procura se equilibrar ideologicamente. Eu diria que é um centro programático, não fisiológico. Só para lembrar, em 2018, nós apoiamos o Geraldo Alckmin para presidente, perdemos a eleição e ficamos quatro anos em uma posição de independência. Aliás, foi o único partido que estava com o Geraldo a permanecer independente. Todos os outros que o apoiaram entraram no governo Bolsonaro com tudo. Não preciso citar os partidos, todos sabem. Era uma realidade diferente da de agora. Todos sabem que o PSD fez de tudo para lançar o (senador) Rodrigo Pacheco candidato a presidente da República. Acabou não conseguindo. O Pacheco entendeu que as eleições seriam muito turbulentas e que ele tinha um papel como presidente do Senado a cumprir. Acho até que acertou, porque as eleições foram realmente tumultuadas e ele teve um papel muito importante na defesa da democracia. Ficamos sem candidato, liberando nossos parlamentares para optar pelo caminho que quisessem. Naqueles que apoiaram o presidente Lula, o PSD teve uma posição vitoriosa. E, evidentemente, eles foram convidados a participar do governo. Promoveu-se uma discussão dentro do PSD, e a corrente majoritária preferiu apoiar o presidente Lula. Dessa maneira, o PSD escolheu fazer parte da base, pela governabilidade e em total conformidade com nosso papel na campanha. Em São Paulo, nada mais natural do que participar do governo Tarcísio. Nós indicamos o vice (Felício Ramuth), fizemos a coordenação da campanha, estivemos na linha de frente.
E nas eleições municipais do ano que vem?
Acho que na eleição municipal nós vamos ter o mesmo cuidado. Procurar caminhar pelo centro, pela moderação. Seja um candidato de esquerda ou um de direita, ele terá muita dificuldade na campanha, se não tiver o campo da centro-esquerda ou da centro-direita para apoiá-lo. Até agosto deste ano, a gente vai examinar a possibilidade de ter uma candidatura própria, mas tudo caminha para não termos.
O apoio está mais para o prefeito Ricardo Nunes (MDB) do que para o deputado Ricardo Salles (PL)?
A prioridade será tentar uma aliança com o Nunes, sempre no campo programático.
Como define o deputado Guilherme Boulos, pré-candidato a prefeito pelo PSol?
A esquerda sempre teve dificuldade de fazer uma boa gestão na cidade de São Paulo. Tanto é que a Luiza Erundina não conseguiu fazer o sucessor. A Marta Suplicy, foi o José Serra que sucedeu. O Fernando Haddad não foi para o segundo turno. A esquerda tem uma preocupação correta com assistência social, educação, que realmente merecem ter atenção prioritária, mas ela não conseguiu nesses três mandatos fazer mais do que fizeram os outros prefeitos. Quanto à infraestrutura e zeladoria, ao combate ao comércio ilegal, o PT tem dificuldade nas grandes cidades. O Boulos, caso se eleja, terá grandes problemas. Ele privilegiará ações voltadas para o social, o que é certo, mas numa dimensão exagerada, que é própria da esquerda — esquecendo que, se você tem uma cidade bem cuidada, as pessoas vão frequentá-la mais, haverá mais turistas, aumentará a receita, o que é fundamental para diminuir as desigualdades. Acho que o Boulos pode ganhar as eleições e tenho muita preocupação, se ele não mudar o discurso, que ele não seja um bom prefeito.
O prefeito Ricardo Nunes tem sido bastante criticado por falhas na zeladoria da cidade. Você, inclusive, cobrou isso dele, segundo interlocutores.
Eu não digo que cobrei. O que tenho alertado a ele, em conversas que tivemos, é que um prefeito não consegue se reeleger se tiver buraco na rua, canteiros, praças e escolas mal cuidados, albergues funcionando de forma inadequada. Essa questão de zeladoria tem importância enorme numa eleição municipal. Prefeito não ganha eleição municipal se não apresentar um bom serviço.
Até que ponto a CPI do MST pode ser uma virtine para o Ricardo Salles viabilizar-se como candidato a prefeito em São Paulo?
Acho que instrumento não será, mas pode atrapalhar muito o Boulos. Porque essa CPI dará visibilidade a essa onda de violência que o MST promove. Sou coerente. Veja que concordei com a decisão do governador de liberar a feira do MST no Parque da Água Branca. Afinal de contas, é o lado bom da reforma agrária. São produtos que eles mesmos produzem em áreas regularmente ocupadas. Agora, eu também estou entre aqueles que defendem punições exemplares para quem promove invasões. Essa questão das invasões, e a CPI dará visibilidade a ela, vai atrapalhar muito o Boulos. Mas acho que não ajuda em nada o Salles.
A polarização política não pode inviabilizar a reeleição do Ricardo Nunes, como ocorreu com o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB) nas eleições passadas, por exemplo?
Eleição municipal é diferente. Como você tem o prefeito que é candidato, ele certamente terá muito tempo de televisão e infraestrutura para montar a sua rede social. Ele vai ter oportunidade de mostrar bons serviços, se tiver bons serviços. Se não tiver, ninguém vai acreditar nele. Aí está o nó.
É um erro apostar na polarização entre o petismo e o bolsonarismo nas eleições municipais de 2024, então?
Acho que é um erro, em especial nas grandes cidades. Na capital, porém, se houver um candidato de esquerda enfrentando um candidato de direita, o centro tem a propensão de ficar com a esquerda. No interior do estado, a tendência é a de ficar com a direita.
No governo Tarcísio, alguns dizem que ele delegou toda a articulação política a você e que a preocupação do governador é com o papel de gestor, de executor. Falam isso para criticá-lo. Procede?
Essa análise não tem nenhuma vinculação com a realidade. O Tarcísio gosta de política, gosta de conversar sobre política. Entendo que seja um bom político. Aliás, ninguém se elege se não tiver capacidade política. Ele sabe dialogar, sabe articular. O meu papel é ser assessor dele nessa questão política, nas relações institucionais, seja com parlamentares, seja com prefeitos ou demais instituições. Meu papel é de cooperação e não de liderança. Ele realmente é protagonista também na parte política.
Os bolsonaristas têm cobrado mais espaço no governo Tarcísio por causa do apoio que deram ao governador na campanha. Como vocês lidam com esse assédio?
Não é cobrança, nem assédio. A base sempre aspira a dar mais contribuição, seja com ocupação de cargos ou por meio da criação de programas. Qualquer governo tem de lidar com isso, do primeiro ao último dia. São pessoas que tiveram papel importante na campanha… O principal apoiador dele foi o próprio presidente Bolsonaro, além de todos esses parlamentares, juntamente com diversos outros que estão no espectro ideológico mais ao centro. Vejo isso com naturalidade.
Diante da possibilidade de Bolsonaro ficar inelegível para as eleições de 2026, aliados têm defendido o nome de Tarcísio como candidato mais à direita para a Presidência da República. Mesmo nesse cenário, você acha que o melhor caminho para o governador é disputar a reeleição, como disse recentemente?
Eu acho.
Por quê?
O prefeito Rafael Greca, de Curitiba, me disse outro dia numa conversa por telefone: “Alerte o Tarcísio para ele não cair no canto das sereias que habitam os palácios. O Serra caiu, o Doria caiu, o Jaime Lerner caiu'”. Acho que o Tarcísio é jovem, tem todas as condições de fazer um bom governo, tentar a reeleição, reeleger-se e, então, apresentar-se para o Brasil da mesma maneira que se apresentou aqui em São Paulo, com a imagem da eficiência, da transparência, do bom governo, e sair candidato a presidente em 2030. Mas a decisão é dele, lógico.
Você considera o quadro definido para Lula, se ele for candidato em 2026?
Acho que o Lula pode ganhar ou pode perder… Tendo a crer que ele será candidato. Mas, independentemente de como o Lula chegará em 2026, hoje a minha posição é por Tarcísio ser candidato à reeleição. Essa é uma opinião pessoal minha. A que vale é a dele. Acredito que ele pode ficar oito anos e deixar um legado grande aqui em São Paulo.
Qual seria, então, o nome da centro-direita que você vê com mais possibilidade de enfrentar Lula ou outro candidato da esquerda?
Os políticos que vejo com condições de se apresentar nesse campo ideológico são o Romeu Zema, o Ratinho do Paraná e o próprio Rodrigo Pacheco. São pessoas que poderiam tranquilamente fazer uma belíssima campanha. O Pacheco cresceu muito no último ano. O Zema e o Ratinho se reelegeram para o governo dos seus estados.
Se Lula não for candidato em 2026, por alguma razão, quem você acha que pode sair a presidente pelo PT?
Acho que será o Lula.
Afinal de contas, na sua visão, a chance de Lula ganhar é grande?
Ele já ganhou cinco eleições. Três vezes ele mesmo, duas vezes a Dilma. Lula sabe ganhar eleição.
Você pensa em se candidatar novamente a um cargo no Executivo?
Penso. Eu gosto de eleições, me dei muito bem em eleições. Quem é que não sonha em ser governador do seu estado, ser presidente da República, com os cargos de relevância que já ocupei? Mas não é nenhuma obstinação. Muito provavelmente não serei candidato a um cargo no Executivo por questão das circunstâncias. Até por lealdade ao governador, estou em um cargo político. A minha prioridade tem de ser o projeto dele, senão seria deslealdade minha. Estou fazendo aqui a política do governador e do governo, não estou fazendo a minha.
Além de secretário de Governo, você é presidente nacional do PSD. Tem pretensão de herdar o espólio do PSDB em São Paulo, que perdeu o governo depois de 28 anos no poder?
Não. Tenho tido muito cuidado no atendimento aos prefeitos de não perguntar qual é o partido, qual é a religião, para que a gente não repita o erro dos tucanos. No último ano da última gestão, eles obrigaram 150 ou 200 prefeitos a mudarem para o PSDB. O que eu percebo é que esses quase 400 prefeitos do PSDB vão acabar saindo, porque a presença deles lá era artificial. Estão voltando para o seu leito natural. Com uma tendência de o PSD, o PL e o Republicanos, e um pouquinho de MDB e PP, serem o destino desses prefeitos.
O PSDB vai acabar, na sua opinião?
Tem líderes importantes no PSDB, governadores. Falar que vai acabar seria uma afirmação muito arriscada do ponto de vista político. Com tantos anos de janela, não vou cometer esse grande equívoco.
Você se licenciou da Casa Civil do governo João Doria antes mesmo de assumir e não voltou para a gestão dele. O que mais o frustrou em relação ao governo Doria?
Posso te responder com uma pergunta? Aponte algo que ele fez em São Paulo, em quatro anos de governo.
A aquisição das vacinas na pandemia.
Ele quis aparecer com as vacinas. O que era para ser positivo foi negativo. Ele se apresentava como dono do (Instituto) Butantan. Ele vendia a vacina como se fosse pasta de dente, com aquele sorriso, maquiagem… A impressão que dava, e as pesquisas mostravam isso, é que ele tirava proveito da tragédia. Setecentas mil pessoas morreram de Covid. Ele organizava aquelas coletivas como se fosse um cenário de filme. Veja a diferença do Tarcísio em São Sebastião, no caso dos desmoronamentos. Foi lá, colocou o pé na areia, trabalhou e não tinha essa necessidade de ficar aparecendo.