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Defensor busca feito inédito para anular provas por abordagem racista

Defensor leva debate sobre “perfilamento racial” ao STF, que decide nesta 4ª sobre validade de prova obtida por abordagem racista da polícia

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Ministros do STF votam em plenário sob a presidência de Rosa Weber. Em televisão mostrada ao auditório, aparece a fala do ministro Edson Fachin - Metrópoles
1 de 1 Ministros do STF votam em plenário sob a presidência de Rosa Weber. Em televisão mostrada ao auditório, aparece a fala do ministro Edson Fachin - Metrópoles - Foto: Flickr/STF

São Paulo – O defensor público Pedro Henrique Pedretti Lima fará o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar nesta quarta-feira (1º/3), pela primeira vez em sua história, a validade de uma prova obtida pela polícia durante uma abordagem motivada pela cor da pele do suspeito, ação conhecida como “perfilamento racial”.

Os ministros vão julgar um habeas corpus impetrado por Lima em favor do barbeiro Francisco Cícero dos Santos Junior, de 37 anos. Ele foi preso no dia 30 de maio de 2020, em uma rua da cidade de Bauru, no interior de São Paulo, acusado de tráfico de drogas.

Santos Junior portava 1,53 grama de cocaína quando foi detido pela Polícia Militar. Os cabos da PM João Victor de Almeida e Fabio Luiz dos Santos disseram em depoimento que abordaram o suspeito porque viram um “indivíduo negro” e “indivíduo da cor negra”, respectivamente.

O “suspeito” estava em pé ao lado de um carro, o que para os policiais caracterizou ma cena típica de tráfico de drogas.

Nesse caso, o que chama a atenção no depoimento dos dois policiais é que o primeiro elemento mencionado, pelos dois, cada um a seu modo, é a cor da pele dele”, afirma o defensor Lima ao Metrópoles.

Segundo o defensor, dentro do contexto de que o racismo estrutural se manifesta de forma que o indivíduo comete atos racistas sem sequer perceber, a abordagem a Santos Junior foi motivada por racismo.

“Não acho que os policiais recebam de forma expressa para abordar pessoas de pele negra, mas é o que acaba acontecendo na prática”, afirma o defensor público.

Esse modo de agir, suspeitando de um grupo específico (no caso, a população negra) de forma pré-determinada é chamado, no Direito, de “perfilamento racial”.

O Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) descreve esse procedimento como aquele em que forças policiais fazem uso de generalizações fundadas na raça, cor, ou outros, ao invés de evidências objetivas, para sujeitar pessoas a batidas, revistas minuciosas, verificações de identidade e investigações.

Condenação por tráfico

Para além dos motivos que levaram à abordagem de Santos Junior, o caso do barbeiro de Bauru se destaca porque ele foi condenado na primeira instância a uma pena de 7 anos, 11 meses e 5 dias de reclusão, por uma quantidade de 1,53 grama de cocaína, volume de droga mais associado a um consumidor do que a um traficante. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) na segunda instância.

Ao recorrer da condenação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o defensor conseguiu abrandar a sentença para “tráfico privilegiado”, uma definição da Lei Antidrogas que prevê punições menores para traficantes presos pela primeira vez sem ligação com facções criminosas.

Apenas um dos sete ministros dos STJ que apreciaram o caso, porém, aceitou a tese do perfilamento racial, já apresentada pelo defensor público.

Novo julgamento

O julgamento desta quarta-feira no STF é de um habeas corpus, um pedido de liberdade, que se baseia no argumento de que a condenação de Silva Junior seria injusta porque ocorreu com base em uma prova obtida de forma ilícita, mediante o perfilamento racial.

O barbeiro não está preso por causa da decisão do STJ — ele cumpre pena em regime aberto. Está em uma situação que o Direito classifica como “restrição de direitos”.

Segundo o defensor, Silva Junior alega que a droga que ele possuía quando foi abordado pelos dois PMs era para consumo próprio. Mas que, diante da condenação por tráfico, é a vítima quem está tendo que provar que não cometeu um crime.

A regra básica do processo penal de todo País civilizado, em todas as democracias, é que cabe ao Estado que acusa o ônus de produzir prova. Eles não podem reverter esse ônus para cima do Francisco [Silva Junior], provar que é consumidor e que não estava vendendo”, afirma o defensor.

Anulação de provas

No habeas corpus que será julgado nesta quarta pelos ministros do STF, porém, o fato de Silva Junior estar com as drogas porque iria vender ou consumir não será analisado.

“O que queremos é a nulidade da prova obtida por perfilamento racial. Significa que a gente não vai nem analisar se ele estava traficando. Aquela prova foi obtida de forma ilícita. A conduta (dos policiais) viola tratados internacionais e viola a Constituição”, afirma Lima.

Caso a prova seja considerada ilícita, a condenação de Silva Junior será anulada, da mesma forma como ocorreu em processoes da Operação Lava Jato.

O defensor também argumenta que a condenação viola o princípio da insignificância (quando o crime é irrelevante demais para justificar uma ação do Estado diante dele), por causa da baixa quantidade de drogas envolvida no caso.

Repercussões

Questionado sobre o impacto de uma eventual vitória no STF nas futuras abordagens policiais, Lima é categórico em dizer que a decisão “não” deve mudar a conduta dos policiais nas ruas, mas acredita que ela indicará uma perspectiva mais otimista para o combate ao perfilamento racial.

O caso não tem uma repercussão geral, não é um caso com efeitos vinculantes. É um habeas corpus, o julgamento de um caso específico. Agora, por ser um caso paradigmático, é a primeira vez que a Suprema Corte vai enfrentar um caso desses, vai firmar um posicionamento. Vai virar um norte interpretativo, indica que todo caso semelhante deva ser tratado da mesma forma”, afirma.

“Em outros casos em que fique evidente que foi um perfilamento racial, já teremos uma posição firmada de que, em princípio, aquilo ali está errado. As forças de segurança não podem mais, nesta quadra histórica em que a gente vive, se pautarem em ações racistas. Isso é absurdo. Viola muitas normas do nosso ordenamento jurídico e precisa ter um fim”.

O relator do caso no STF é o ministro Edson Fachin, que admitiu as entidades Conectas Direitos Humanos; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC); Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas; Justa; Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos (IDDD); Coalizão Negra por Direitos; Instituto Referência Negra Peregum e a Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes (Educafro Brasil) como amicus curiae no processo.

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