Biografia minimiza erros de Doria e o coloca como injustiçado
Biografia de João Doria, que será lançada nesta segunda (27/3) em São Paulo, destaca detalhes da vida pessoal e minimiza erros políticos
atualizado
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São Paulo – Lápis apontados, preferência por orquídeas e horror a cigarro são algumas particularidades abordadas na biografia do ex-governador João Doria, que será lançada nesta segunda-feira (27/3) pela editora Matrix. Repleto de detalhes da vida pessoal do ex-tucano, o livro assinado pelo jornalista Thales Guaracy minimiza os erros que abreviaram a carreira política de Doria e martela a imagem de um outsider que foi injustiçado.
O prefácio, escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, resgata passagens pouco conhecidas de um Doria que atuou na campanha de Franco Montoro ao governo paulista na década de 1980 e na do próprio FHC à Prefeitura de São Paulo em 1985. No livro, o autor descreve Fernando Henrique como um cacique esquecido e abandonado pelo PSDB, partido que ajudou a fundar, e compara essa trajetória à saga de Doria, cuja candidatura presidencial em 2022 foi minada pelo partido após disputas internas.
“Queria resgatar na campanha a figura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, esquecido nas sucessivas campanhas do PSDB ao longo dos anos, todas derrotadas – com Alckmin, Serra e Neves, sucessivamente. Para ele, o ex-presidente, inexplicavelmente tinha sido “esquecido e abandonado” pelo PSDB.”, diz trecho da biografia de Doria sobre a pré-campanha presidencial de 2022.
A contradição sobre FHC é explicitada em mais de um trecho no qual há menções de que o presidente de honra do PSDB foi consultado sobre as mais diversas disputas internas – e externas – envolvendo o partido.
Da política à política
O livro dedica muitas passagens à contextualização de eventos políticos que cercaram a vida do ex-governador. A biografia relata a trajetória política e pessoal do pai de Doria e mostra a relação de toda uma vida de João, como Doria prefere ser chamado, com o meio e os seus protagonistas.
No currículo de Doria constam os cargos de secretário municipal de Turismo e de presidente da Paulistur e da Embratur, além do engajamento em movimentos como o “Diretas Já” e o “Cansei”, criado em 2007 como uma resposta ao Mensalão do PT. No entanto, a eleição dele para a Prefeitura de São Paulo, em 2016, é colocada como triunfo de um outsider, pelo fato de Doria ter construído sua carreira na iniciativa privada.
“João passou a conhecer melhor São Paulo, especialmente a periferia, que antes nunca tinha frequentado. Descobriu o tamanho da cidade. Certa vez, quando a van da campanha partiu para Cidade Tiradentes, foi informado de que o trajeto levaria uma hora e meia. “Uma hora e meia?”, espantou-se”, diz trecho que fala da pré-campanha de Doria à Prefeitura, em 2016
Episódios como a pintura de um muro grafitado na avenida 23 de Maio e a ideia de distribuir farinata, apelidada de “ração humana” pela oposição, foram citados por alto. O livro não menciona ações de marketing do prefeito, que se vestiu de gari, pedreiro e pilotou uma cadeira de rodas para promover ações da gestão municipal.
Também há pouco destaque para o fato de que o próprio Doria se colocou na condição de presidenciável enquanto ainda era prefeito de São Paulo, em 2017, atropelando o padrinho político Geraldo Alckmin (ex-PSDB e hoje no PSB), atual vice-presidente da República. O fato marcou a primeira crise de Doria no ninho tucano.
Nas eleições de 2018, relata o autor, Doria foi preterido na disputa com o antigo vice de Alckmin, Márcio França (PSB), na preferência do então governador paulista para sucedê-lo no Palácio dos Bandeirantes. O livro, no entanto, deixa de lado o mal estar que Doria provocou no partido ao evitar dividir o palanque com Alckmin durante o primeiro turno da corrida eleitoral.
BolsoDoria
A relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é retratada superficialmente na obra, embora Doria tenha se empenhado pessoalmente para conseguir apoio de Bolsonaro contra Márcio França em 2018. No livro, é dito que o movimento chamado de “BolsoDoria” foi abraçado por Doria após uma pesquisa que mostrava o uso espontâneo do termo pelos eleitores do interior de São Paulo.
O então tucano justificou que o discurso “liberal na economia” e a presença de nomes como Paulo Guedes e o ex-juiz Sergio Moro no ministério de Bolsonaro o levaram a fazer “vista grossa” às falas exaltando a ditadura militar – a mesma ditadura que depôs o pai de Doria, deputado federal à época do golpe, e obrigou a família a viver no exílio.
O crescimento de Doria nas pesquisas eleitorais depois de passar a apoiar a candidatura de Bolsonaro é apontado como o motivo pelo qual um vídeo íntimo passou a circular nas redes sociais entre o primeiro e o segundo turno da eleição.
“Com a mudança, João começou a reverter a queda nas pesquisas. Como costuma acontecer nesse tipo de cenário, quem vê a vitória fugindo das mãos apela – inclusive para a ação criminosa. E foi o que aconteceu”, diz trecho.
O livro traz uma declaração da jornalista Letícia Bragaglia, que foi assessora de Doria na Prefeitura e no governo estadual, lembrando com indignação a repercussão causada pelo vídeo no qual um homem aparece em uma orgia com várias mulheres na cama.
“Na manhã do debate em segundo turno com Márcio França, no SBT, em 23 de outubro de 2018, começou a circular pelo WhatsApp um vídeo com um homem nu, deitado na cama com seis mulheres, que seria João. Era um absurdo, dava para ver que era montagem. Eu nunca tinha ouvido a expressão deep fake, foi a primeira vez”, diz Letícia.
Na sequência, o autor explica que deep fake é um conteúdo manipulado no qual se aplica o rosto de alguém em um vídeo com contexto comprometedor, “muito utilizado mais tarde pela milícia digital bolsonarista”.
A biografia não menciona que um laudo da Polícia Federal concluiu que não há sinais de adulteração no vídeo, embora os investigadores não tenham conseguido descobrir quem são os autores do vídeo e de sua disseminação. Doria acusou Márcio França, seu adversário na ocasião, de participar da divulgação do conteúdo para prejudicá-lo.
Pandemia, Presidência e retirada da vida pública
O livro também elenca uma série de conquistas de Doria como governador paulista, focando especialmente no papel de antagonista de Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19 e principal balizador da CoronaVac, vacina do Instituto Butantan. Também descreve o ex-governador como um gestor rigoroso, que obrigava o secretariado a despachar em até 10 minutos – com direito a cronômetro digital para monitorar o tempo.
“Via a situação como uma emergência de guerra, e se encontrava na posição de Winston Churchill na Segunda Guerra Mundial, dirigindo-se à população quase diariamente. A superexposição se dava, também, pelo fato de que João gostava dela”, diz o trecho que relata a visão de Doria sobre a pandemia de Covid
“Em seu escritório, em casa, João guardou de lembrança uma ampola de CoronaVac dentro de uma caixa de vidro, como a rosa mágica de A Bela e a Fera, acomodada entre seus troféus, como uma joia”, escreve o autor.
O biógrafo ressalta no livro que Doria apanhou de todos os lados da política: de bolsonaristas, de petistas e dos próprios tucanos. No PSDB, acumulou embates com nomes fortes do partido como Aécio Neves, Eduardo Leite e Tasso Jereissati. Foi isso que, segundo o livro, levou o ex-tucano a desistir da candidatura em 2022, a se desfiliar da legenda e a deixar a vida pública.
Em sua despedida do governo, Doria propôs que os tradicionais quadros de ex-governadores paulistas no Palácio dos Bandeirantes não fossem mais telas pintadas e sim fotografias. A sua, por preferência pessoal, foi a única a ser feita em preto e branco.
“João posou de gravata, com um paletó em padrão Príncipe de Gales. ‘Estou vendo muito The Crown’, disse ele, sorrindo, referindo-se à série da Netflix sobre a realeza britânica, que, assim como a padronagem, simboliza a elegância clássica, nunca sai de moda e também jamais deixa o poder”, finaliza o livro.