Número de PMs condenados e presos cresce após câmeras corporais em SP
Nos dez primeiros meses deste ano, 41 PMs, condenados por diversos crimes, estavam encarcerados no presídio militar Romão Gomes, na capital
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo – O número de policiais militares condenados que estão atrás das grades cresceu neste ano e já supera a quantidade dos últimos três anos, incluindo o período que antecede a pandemia da Covid-19.
Os dados são do presídio militar Romão Gomes, localizado na zona norte da capital paulista.
Nos dez primeiros meses deste ano, 41 PMs, condenados por diversos crimes, estavam encarcerados. Em todo o ano passado, eram 26. Em 2020, o número registrado foi 18 e, em 2019, ano pré-pandemia, eram 36 presos.
Efeito das câmeras
Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, também coronel da reserva da PM paulista, os números refletem o programa de monitoramento da ação policial por meio de câmeras corporais, implantado em 2021, durante o govero de João Doria (ex-PSDB).
“O uso de câmeras corporais ajudou para a prisão de policiais, por oferecer oportunidades de constatação de desvios, do uso criminoso da força”, afirma José Vicente Filho.
Atualmente, o programa Olho Vivo conta com 10,1 mil câmeras instaladas nas fardas dos PMs. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), os equipamentos dão conta de monitorar as atividades de aproximadamente 40 mil agentes, cerca de metade da atual tropa paulista.
O uso dos equipamentos, que capta som e imagem e auxilia na produção de provas judiciais durante ocorrências criminais, contribuiu para diminuir em 65,6% a letalidade nos 60 batalhões onde são atualmente utilizados, de acordo com a pasta.
Durante a campanha eleitoral deste ano, o governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos) prometeu retirar as câmeras das fardas — medida defendida pelos bolsonaristas — mas depois da eleição ele recuou e disse que irá manter os equipamentos.
O tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza, que é doutor em psicologia pela USP, ressaltou que as filmagens feitas com as câmeras contribuem não somente para a redução da letalidade como também para “derrubar alegações e versões” de alguns policiais.
“Esse aumento de policiais presos por homicídio pode ilustrar a eficiência das câmeras em derrubar as versões deles em alegados confrontos e legítima defesa, que é um padrão que eles adotam [para justificar mortes em supostos tiroteios]”, exemplifica.
Imagens ajudam em prisão
Na última quarta-feira (14/12), a Justiça paulista decretou a prisão de quatro policiais militares por homicídio, após os registros das câmeras corporais desmentirem a versão relatada por eles sobre uma ocorrência de junho deste ano, no litoral de São Paulo.
Na ocasião, eles argumentaram ter trocado tiros com Kaíque de Souza Passos, de 24 anos, morto durante a ação dos PMs.
A versão deles foi questionada assim que as imagens das câmeras vieram à tona. Por ordem do juiz militar Ronaldo João Roth, de 17 de novembro, o Ministério Público de São Paulo analisou o assassinato de Passos com base nos registros das câmeras corporais dos policiais.
A investigação mostra que os agentes taparam os equipamentos com as mãos, durante o relatado tiroteio com o homem suspeito, com quem foi apreendida apenas uma arma de brinquedo.
Foram presos os policiais Paulo Ricardo da Silva, Israel Morais Pereira de Souza, Diego Nascimento de Sousa e Eduardo Pereira Maciel. A defesa deles não havia sido localizada até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Além do homicídio, foi aberta na Justiça comum uma investigação para apurar também dos crimes de fraude processual, omissão de socorro e falsidade ideológica.
Homicídios lideram
Considerando os anos completos, entre 2019 e 2021, a população carcerária de policiais militares em São Paulo cresceu, de forma geral, 9,3%, somando os agentes condenados e os presos provisoriamente.
Em 2019, estavam encarcerados 224 policiais, sendo 36 condenados e 188 provisórios; no ano seguinte, eram respectivamente, 18 e 227, totalizando 245. Já no ano passado, eram 26 e 234, resultando em 260.
Os homicídios foram os crimes que mais levaram PMs para atrás das grades durante o período analisado pela reportagem. A corporação não especifica, porém, quantos agentes estavam condenados ou presos provisoriamente por este tipo de crime.
Eram 35 policiais detidos em 2019. No ano seguinte, 37 e, em 2021, este número salta para 53, uma alta de 51% em dois anos.
Em 2022, entre janeiro e outubro, 29 policiais estavam presos por conta de assassinatos atribuídos a eles, representando quase 20% dos 149 militares encarcerados na ocasião por crimes em geral.
Estímulo à letalidade
Para o coronel da reserva José Vicente Filho, declarações como o deputado federal e futuro secretário da Segurança Pública paulista, Guilherme Derrite (PL), que é ex-PM, afirmando que bons policiais têm ao menos três homicídios no currículo, estimulam a letalidade policial e contribuem para o aumento das prisões de agentes.
“Ele disse que ‘um bom policial precisa ter pelo menos três mortes no currículo’, alguma coisa assim. Sempre que ocorreu este tipo de estímulo, de caçar bandidos, indicar ser um sinal de heroísmo matar, acaba induzindo policiais a comportamentos que os levam para a cadeia”, diz José Vicente Filho.
Derrite também afirmou, em entrevistas, ser contra as câmeras corporais usadas pelos PMs. Para ele, os equipamentos “inibem” a ação dos agentes, como também havia sido dito por Tarcísio durante a campanha.
Dados da própria corporação indicam que, além da letalidade da tropa, também caíram as mortes de policiais em serviço, desde o início do programa de monitoramento por câmeras corporais.