Musos e musas da PM postam selfies fardados na rede com caras e bocas
Perfil do Instagram compartilha fotos e vídeos de policiais de São Paulo na internet; tenente-coronel da reserva avalia como infração
atualizado
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São Paulo – O que aconteceria se alguém se aproximasse de uma policial militar feminina, fardada nas ruas, e a abordasse assim: “Você é linda demais, pode me prender em seu coração”. Ou ainda se a palavra fosse dirigida a um PM masculino dessa forma: “Você é um deus grego fardado, o terror das capivaras de Pirituba [zona norte paulistana]”?
Os eventuais riscos de que isso fosse interpretado como desacato, ou desrespeito, resultando em possível ida à delegacia, praticamente impedem este tipo de abordagem informal, ao menos no mundo real.
Já na virtualidade, em um perfil administrado por um suposto policial militar de São Paulo, identificado como Bruno S. Santos, fotos e vídeos de PMs masculinos e femininos, usando fardas, provocam suspiros e cantadas virtuais. O Metrópoles entrou em contato com o administrador da página, perguntando o que motivou a criação do espaço e os critérios de publicação das fotos e dos vídeos. Ele não havia dado retorno até a publicação desta reportagem.
O pedido para ser “preso no coração”, acima mencionado, foi feito a uma soldado feminina, também chamada de “linda”, “gatinha”, por seguidores da página, da mesma forma que outras tantas policiais cujas imagens são compartilhadas no perfil. Na página do Instagram também são postadas fotos com crianças, vídeos de viaturas em deslocamentos e imagens acompanhadas de frases motivacionais.
Entre o último dia 18 e a sexta-feira (27/1), o perfil não oficial, mas que usa fotos e vídeos de policiais da PM na ativa, postou 50 imagens, fazendo com que seu acervo contabilizasse 2.017 delas. O número de seguidores aumentou em cerca de 400 no período, totalizando 12.200.
Os policiais, em sua maioria jovens e em forma, ostentam tatuagens e em alguns casos empunham armas como fuzis, metralhadores e pistolas, com os quais posam para fotos, incluindo dentro de vestiários dos quartéis e em serviço. Os registros rendem comentários como estes: “Essa eu quero ser preso toda hora no coração dela, meu Deus, que gatinha”; “Linda demais essa policial, você pode me prender no seu coração”; “Muito gato, boa tarde.”
Alguns agentes fardados, como no vídeo abaixo, fazem edições, com fundos musicais, enquanto fazem caras de bocas.
Redes proibidas
Desde 29 de dezembro de 2021, os policiais militares de São Paulo estão proibidos de compartilhar em redes sociais e aplicativos de mensagens imagens de armas, fardas, viaturas ou equipamentos policiais, por determinação do então comandante-geral Fernando Alencar Medeiros.
Só estão permitidas postagens que passem antes por análise do setor de comunicação social da corporação. Até a publicação desta reportagem, a PM não havia se manifestado sobre o perfil de Instagram aqui mencionado.
Em janeiro do ano passado, o então deputado e agora atual secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou em entrevista que a proibição de policiais usarem as redes, fardados, fere o direito constitucional da liberdade de expressão. A diretriz do comando da corporação, afirmou na ocasião, “é abusiva, absurda e inconstitucional.”
Oficial da reserva critica
O tenente-coronel da reserva da PM paulista, Adilson Paes, avalia como uma “demonstração de superioridade”, mesmo que inconsciente, a superexposição dos policiais mostrada nesta reportagem.
“Além dos atributos físicos pessoais que pensam que possuem, ou que possuem, há [nas postagens] a afirmação da profissão perante à sociedade e ao, associá-la com essa produção toda, mulheres de batom vermelho, homens em sua maioria com atitudes que expõem o corpo, virilidade, ambos fazendo questão do manejo com armas, fuzis, pistola, aparecendo em evidencia, até no coldre, isso pode adquirir contornos perigosos”, destacou o policial, que também é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, ele acrescentou ver a erotização, “no sentido técnico”, do uso do uniforme e isso “não é bom, não é correto”, em sua avaliação.
“Até mesmo porque, considerando as peculiaridades da pessoa feminina e masculina, a farda é atributo de um agente público, cuja atuação deve primar pelo critério da impessoalidade, o que não vemos nessas fotos [compartilhadas no perfil de Instagram]”, afirmou o oficial da reserva.
Como resultado, ele destacou o “efeito adverso” aos policiais, concretizado em comentários, que podem soar como desrespeitosos “principalmente às policiais femininas.”
Ele acrescentou ainda que o policial fardado representa o estado, a instituição. “Em trajes civis, de folga, o policial faz a postagem que quiser, sem problema nenhum. Mas, quando está fardado, usando equipamentos da polícia, ele é a encarnação do estado, não é o policial x ou y. Não respeitando isso, ele pode enfraquecer a representação do estado, que ele encarna.”
O tenente-coronel Adilson Paes ainda afirmou que as postagens são uma transgressão disciplinar. “Quem faz este tipo de exposição deve ser coibido.”