Em meio à troca de delegado, onda de arrastões em bares assusta em SP
Ao menos três bares sofreram assaltos em menos de 15 dias; reformulação na Polícia Civil gerou troca do delegado titular do DP da região
atualizado
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São Paulo – A recente onda de arrastões em bares na região da Santa Cecília, no centro de São Paulo, tem assustado clientes e moradores. Como agravante, os assaltos à mão armada, antes raros, ocorrem em um momento de troca no comando da delegacia que abrange o bairro, o 77º Distrito Policial (DP).
O delegado titular Severino Vasconcellos deixou o cargo no final da semana passada e, diante disso, não chegou a se debruçar sobre as investigações envolvendo os recentes arrastões. Com isso, o prosseguimento do trabalho ficará sob a coordenação de um novo delegado.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) nega que isso irá atrasar o andamento das investigações e afirma que as diligências seguem sendo feitas pelas equipes do 77º DP. “A Polícia Civil da região central da capital informa que todas as investigações seguem em andamento”, afirma a pasta.
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem promovido alterações em cargos de chefia de delegacias e departamentos da Polícia Civil. Recentemente, o titular da 1ª Seccional do Centro, responsável pelas ações na Cracolândia, também foi trocado.
Onda de arrastões
Em menos de 15 dias, ao menos três bares cujos responsáveis o Metrópoles conversou na última semana confirmam que foram alvo de assaltos cometidos por ladrões armados. Os estabelecimentos ficam a uma distância de menos de 500 metros uns dos outros.
Testemunhas e moradores, no entanto, relataram à reportagem a ocorrência de ao menos outras duas ações parecidas desde o final de dezembro: um outro bar e um estacionamento também teriam sido alvos de arrastões, mas a informação não foi confirmada pelos proprietários. Também há relatos em redes sociais.
O caso mais recente aconteceu na Rua Cesário Mota Júnior, na última terça-feira (24/1).
Criminosos armados e vestindo máscaras de proteção entraram em um bar por volta das 21h e renderam clientes e funcionários.
De acordo com testemunhas, os indivíduos obrigaram os presentes a irem para os fundos do estabelecimento. Eles recolheram os objetos pessoais, como celulares e bolsas, e fugiram em seguida.
O bar fica a poucos metros da Santa Casa e a menos de dois quarteirões de uma base comunitária da Polícia Militar, que funciona 24h por dia.
A polícia informou que busca imagens e outros elementos que auxiliem na identificação e prisão dos autores.
No dia 14 de janeiro, um sábado, três homens renderam funcionários e clientes em um bar na rua Jesuíno Pascoal. O local fica a 500 metros de distância de outro bar que havia sido assaltado quatro dias antes.
Os ladrões roubaram cerca de 20 celulares, de acordo com o dono do bar, que pediu para não ser identificado. Ele relata que dois homens armados entraram no espaço enquanto outro ficou do lado de fora. Toda ação durou menos de dois minutos.
“O bar estava cheio. Tinha algumas pessoas sentadas na área externa. Eles chegaram e falaram para todo mundo entrar. Primeiro falaram sem mostrar a arma, o pessoal não entendeu no começo, aí um deles já mostrou a arma. Falaram que não era brincadeira. Aí todo mundo entrou, eles anunciaram o assalto, renderam todo mundo. Um deles começou a apontar a arma para as pessoas e pediu que colocassem o celular em cima da mesa. Aí um dos assaltantes que estava com uma mochila veio recolhendo. Depois foram embora. Foi bem rápido”, relatou o dono do bar.
O proprietário conta que está no ponto há cinco anos e que assaltos dessa natureza não ocorriam por ali. “Roubo de celular sempre teve, de bike. Mas armado assim nunca tinha ouvido falar, foi a primeira vez”, diz.
Ele ainda manifesta preocupação com a segurança durante o carnaval, quando as ruas da Santa Cecília — e de várias outras regiões da cidade — ficam repletas de foliões. “Vai falar para não levar celular para o bloquinho? Daqui a pouco vão falar para não levar celular para o bar ou restaurante também?”.
Outro assalto ocorreu no dia 10 de janeiro, uma terça-feira, quando três homens invadiram um bar na região logo no início do expediente, por volta das 17h30.
O local ainda estava vazio, sem clientes. De acordo com o dono do estabelecimento, pelo menos um dos criminosos estava armado.
Ele conta que a ação foi bastante rápida. “Entraram, anunciaram o assalto e levaram os celulares que deixo na parte de trás do balcão. Também roubaram R$ 140 reais, que era dinheiro de troco”.
Os três suspeitos roubaram ao todo seis celulares, três de funcionários e outros três do próprio estabelecimento.
O sócio do bar diz que registrou boletim de ocorrência. Apesar do susto, ele minimizou o ocorrido. “Não vejo uma onda, qualquer bar aberto para rua está sujeito a isso”.
Sensação de insegurança
Moradores, clientes e comerciantes ouvidos pelo Metrópoles relatam uma piora na percepção de segurança nos arredores e afirmam que estão sendo obrigados a mudarem os hábitos para evitar a violência.
A dona de um comércio há mais de 30 anos no bairro diz que tem fechado mais cedo para evitar assaltos no período da noite. “São vários bandos que têm andado aqui pelo centro. Estamos até fechando mais cedo e não deixando ninguém sozinho no balcão, justamente por esse medo. Sempre em dois e de olhos abertos”, relata.
Ele reforça os relatos de que os recentes assaltos a mão armada são algo inédito no entorno. “Os comerciantes estão em pânico porque nunca houve arrastão desse jeito”.
Os casos de roubos explodiram na região da Santa Cecília. De acordo com os dados divulgados na quinta-feira (26/1) pela SSP, a área do 77º DP registrou 2.033 roubos em 2022, contra 1.315 no ano anterior: um salto de 55%.
Para efeito de comparação, a cidade de forma geral teve um aumento de 12%. Os números excluem os roubos de veículos, cargas e bancos.
A cineasta Camila Lima conta que morou por cinco anos no bairro da República, próximo ao edifício Copan, e que se mudou há cinco meses para Santa Cecília por considerar o bairro mais seguro. Agora, ela afirma que também está com receio.
Ela ainda lamenta o fato de que os assaltos acabam diminuindo a quantidade de gente nas calçadas em frente aos bares, uma marca da região, conhecida pela vida noturna agitada.
“Já tem vários bares que colocam segurança na porta para afastar morador de rua. Mas agora já é outra situação. Vai ficando mais fechado ainda. Em vez de a gente viver a cidade, se abrir para ela, se fecha. É triste”, afirma.
Medidas de segurança
Diante dos recentes casos de arrastão, os proprietários de bares e restaurantes da Santa Cecília têm se movido para tentar aumentar a segurança.
O dono de um dos bares assaltados afirmou que, mesmo com essa “onda”, não tem notado um aumento significativo no policiamento. “Aqui até que sempre passa polícia, viatura, mas não tem sido suficiente. Se aumentou, também não adiantou”, afirma.
Depois do ocorrido, o local está contratando um sistema de câmeras de vigilância e também estuda pagar por seguranças privados. “É muito triste a gente ter que recorrer a isso. O estado deveria fazer esse serviço e não deixar a gente à mercê de empresas de segurança”, diz.
A gerente de um bar na mesma rua afirma que existe uma conversa entre os estabelecimentos da região de fazer uma contratação conjunta de segurança privada. “A gente já tem segurança à paisana que fica em frente nos dias de maior movimento. Agora estamos vendo em conjunto como podemos melhorar a segurança privada no bairro”.
Outra consequência é a queda no movimento causado pelos assaltos em si e também pela exposição negativa dos bares. “Aqui nunca aconteceu nada. A gente sempre investiu em segurança. Mas estamos sentindo o movimento caindo, tanto com os arrastões quanto com essa repercussão”, afirma a responsável.
O sócio de um dos locais alvo dos assaltos nas últimas semanas também reclama da “má publicidade”.
“Parece que estou sendo punido por ser assaltado. Meu bar é tranquilo, nunca havia acontecido nada do tipo. Agora as pessoas vêem a foto dele em notícias e acham que é perigoso”, relata.
O presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) da Santa Cecília, Marco Antônio de Marco, ainda não vê urgência no atual cenário e considera que os casos de arrastões foram “pontuais”.
“Eu vejo que a nossa região está controlada. Às vezes você via (assaltos) na Amaral Gurgel, embaixo do Minhocão, mas são pessoas que quebram o vidro, pegam celular e saem correndo, é outro tipo de arrastão. Esses que ocorreram com arma de fogo são mais complicados. O que a gente precisa fazer é pegar essas pessoas que estão fazendo isso na nossa região e prender. Mas bem sinceramente eu ainda acho que a nossa região não está tão grave assim”
Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carol Ricardo, as polícias de São Paulo têm expertise para atuar contra quadrilhas que praticam assaltos a mão armada, embora reconheça que o atual modelo traz uma diferença: o foco em celulares.
“Alguns anos atrás a gente viveu um boom desse tipo de arrastão. Não era no centro, mas era nos Jardins, Vila Madalena, Moema, entre 2011 e 2013. De alguma forma a polícia conseguiu lidar com esses casos lá atrás. Agora tem esse foco nos celulares, que têm sido o grande elemento comum de vários crimes patrimoniais”, afirma.
Ela diz que é preciso investir não só em aumento de policiamento, mas na própria investigação, por meio da integração entre Polícia Civil e Militar.
“A polícia precisa ser capaz de evoluir e analisar esses fenômenos. Olhar o que foi feito lá atrás e o que pode ser aplicado para hoje. Se há um modus operandi muito comum, é muito possível que seja uma ou duas quadrilhas que estejam fazendo isso. Então é mais do que necessário um bom trabalho investigativo”, explica.
O que diz o governo
Questionada, a SSP não informou se há algum avanço nas investigações ou se há indícios de que os arrastões tenham sido feitos por uma mesma quadrilha.
Em nota, a pasta afirmou que “as ações estão voltadas para combater a criminalidade na região da Santa Cecília com um trabalho integrado entre as polícias”. Ainda de acordo com a secretaria, equipes do 7ª Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) prenderam 72 pessoas em flagrante no começo deste ano na região.
Segundo a SSP, desde 11 de janeiro, a PM tem realizado a “Operação Impacto”, com objetivo de “ampliar a ação ostensiva, potencializar a percepção de segurança e reduzir os indicadores criminais”.
Em entrevista coletiva na última sexta-feira (27/1), o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, ao ser questionado sobre as medidas tomadas para combater os assaltos, creditou o problema ao déficit de efetivo policial.
“Herdamos a pior a defasagem de efetivo policial da história do estado de São Paulo. Estamos trabalhando com efetivo com defasagem de cerca de 15% da Polícia Militar, são mais de 10 mil homens, 25% da polícia técnico-científica, defasagem de quase 33% da Polícia Civil”, afirmou.
Derrite disse ainda que a PM tem deslocado agentes que atuam em outros bairros para a região da Santa Cecília para coibir os arrastões.
“Sobre esses casos, o planejamento operacional da Polícia Militar está deslocando efetivo de Degen, que é uma atividade na qual o policial militar na folga dele vai cumprir oito horas de serviço para esses locais que estão apresentando uma vulnerabilidade um pouco maior”, afirmou Derrite.