Polícia diz que empresa de seguros opera 3 entidades da farra do INSS
Investigação identifica empresa por trás de associações que faturam mais de R$ 50 milhões por mês com descontos sobre aposentadorias do INSS
atualizado
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São Paulo — Mensagens de celulares, e-mails e arquivos em computadores apreendidos pela Polícia Civil mostram que três entidades da farra dos descontos indevidos sobre aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são operadas por um mesmo “grupo empresarial”, controlado pelo empresário Maurício Camisotti, do ramo de seguros e planos de saúde.
Juntas, essas três associações faturam mais de R$ 50 milhões por mês efetuando descontos diretamente da folha de pagamento dos aposentados do INSS. Todas tiveram autorização do órgão federal para cobrar mensalidade associativa dos beneficiários e são investigadas por prática de estelionato, diante de uma série de denúncias de filiações feitas sem o consentimento dos aposentados.
Como revelou o Metrópoles, empresários do ramo de seguros, como Maurício Camisotti, estão por trás de associações suspeitas de efetuar descontos indevidos de centenas de milhares de aposentados. As associações investigadas e o empresário foram alvo de buscas e apreensões autorizadas pela Justiça de São Paulo a pedido da polícia e do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público paulista (MPSP), sob suspeita de estelionato contra aposentados.
As investigações começaram com denúncias de aposentados sobre os descontos indevidos contra as associações. São elas: a Associação de Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), a União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unsbras ou Unabrasil) e o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap). Essas três entidades fizeram repasses de R$ 10,8 milhões à Benfix Corretora de Seguros, que pertence a Camisotti. Ele é apontado como o “beneficiário final das fraudes”.
A relação entre a Benfix e as entidades ficou mais clara para os investigadores após a apreensão do celular e de computadores do gerente administrativo da Ambec, Eubulo Leite Fernandes. Segundo a polícia, foram localizadas “na caixa de e-mail pastas para cada uma das associações” investigadas, “deixando claro que as associações operam de forma conjunta”.
No material extraído do computador dele, foram encontradas pastas para a Ambec, a Cebap, a Unsbras e, ainda, outras duas associações que não têm acordo com o INSS, mas são ligadas ao grupo de Camisotti. Há uma série de trocas de e-mails com destinatários da Benfix sobre faturamento, ata e pagamentos de todas as associações na caixa de entrada de Eubulo.
Também foram identificadas mensagens de celular entre ele e o gerente da Benfix, Ramon Rodrigues Novais, e a supervisora da empresa, Sylvia Regina Novellino. Em uma dessas conversas, datada de 11 de julho de 2024, Eubulo envia a Ramon uma queixa da atual presidente da Ambec, Marilisia Moran, sobre a falta de pagamentos.
“Eubulo, meu pró-labore foi depositado. Eu acho profundamente desagradável todo mês eu ter que ficar pedindo para que seja depositado o valor que foi acordado desde o dia que assumi como presidente da Ambec”, disse ela. Ramon, da Benfix, então, responde: “Eu só paguei porque ela tá enchendo. Porque ninguém ainda foi pago”.
Essas mensagens reforçam o que foi revelado em depoimentos em outro inquérito, no qual um ex-segurança de Mauricio Camisotti disse ter indicado aposentados para apenas preencherem os quadros da Ambec a pedido do empresário. Segundo eles, esses aposentados ganhavam algo em torno de um salário mínimo para emprestarem seus nomes ao grupo.
A Polícia Civil afirma ainda que “na lista de contatos do aplicativo Microsoft Teams” de Eubulo “restou evidente a atuação direta da empresa Benfix na gestão administrativa e financeira das associações”. “Ou seja, há fortes indícios de que Sylvia Regina Novellino e Ramon Rodrigues Novais sejam os funcionários destacados pela Benfix para exercerem de forma direta a gestão das associações”, diz a polícia.
Sócio da Benfix ao lado de sua mulher, Camisotti é o dono do Grupo Total Health (THG), de empresas de seguros e planos de saúde e odontológico que se apresentam como prestadoras de serviços das associações. As entidades, no entanto, estão em nome de funcionários humildes e parentes de executivos desse grupo de empresas. Até mesmo uma auxiliar de dentista e uma empregada doméstica de Camisotti estão nos quadros delas.
Camisotti e seu entorno são bem relacionados com senadores, governadores, deputados e prefeitos, além de lobistas conhecidos em Brasília que já foram alvo da Polícia Federal (PF). Somente o empresário comprou em um mesmo ano duas mansões de R$ 22 milhões cada. Ele também acumula uma frota de carros de luxo em nome de suas empresas, como uma Lamborghini avaliada em R$ 3,1 milhões.
Como mostrou o Metrópoles, em maio, no auge de seus faturamentos, as três associações investigadas receberam, juntas, R$ 56 milhões com as mensalidades descontadas dos aposentados. Elas fazem parte de uma lista de 36 entidades que mantêm acordos com o INSS. Em meio a uma avalanche de denúncias de descontos indevidos, o faturamento mensal dessas entidades saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões — em um ano, elas receberam mais de R$ 2 bilhões.
A farra do INSS levou a investigações no Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF). Responsável pelos contratos do INSS com as entidades, o diretor de benefícios do órgão, André Fidelis, foi exonerado do cargo após a série de reportagens. Em pedidos de busca e apreensão, a polícia e o MPSP citaram matérias do Metrópoles que revelaram o envolvimento de Camisotti com a farra do INSS.
O que dizem os envolvidos
Por meio de nota, Maurício Camisotti afirmou que “é acionista da Benfix”, uma “empresa especializada em serviços de apoio administrativo em geral” que “tem em seu portifólio de clientes as associações Ambec, Cebap e Unsbras”. Ele diz que “não exerce qualquer função executiva nas entidades e tem uma relação de prestadora de serviços com as associações, sempre atuando em total conformidade com a legislação e regulamentação vigentes”.
Camisotti afirma que já prestou esclarecimentos à polícia e nega que a Benfix tenha recebido R$ 10,8 milhões das três entidades. “Não houve tal recebimento pela Benfix, foram apenas movimentações financeiras interpretadas como pagamentos. A Benfix não recebeu a quantia informada”, diz. Ele afirma que “não há fraude e não há beneficiário” e que as movimentações financeiras são “totalmente regulares e devidamente compatíveis com os respectivos objetos”.
As três entidades investigadas pela Polícia Civil e pelo MPSP também negaram qualquer irregularidade nos descontos feitos sobre as aposentadorias e na relação com a Benfix.
“Antes de mais nada, é preciso deixar claro que todas as situações foram devidamente esclarecidas, sendo apresentadas as devidas evidências de consentimento da filiação, inexistindo assim o alegado crime de estelionato”, afirmam as entidades, por meio de nota.
As três entidades afirmam que mantêm “contratos de serviços com a Benfix”, mas negam os repasses no montante informado pelo Coaf aos investigadores. Segundo as entidades, os boletins de ocorrência feitos por aposentados “podem ser esclarecidos com as respectivas evidências de consentimento” e que “o volume é de baixa incidência em relação à carteira de beneficiários”.
“Como esclarecido anteriormente, Ambec e Cebap comprovaram o consentimento das filiações pelos aposentados com a apresentação das evidências às autoridades, afastando qualquer relação dos casos apresentados na investigação com estelionato”, afirmam.