PMs em serviço morreram mais por tiros de colegas do que de bandidos em SP
Em 40 dias, três policiais militares foram mortos por colegas de farda em SP; o caso mais recente ocorreu em Salto, no interior paulista
atualizado
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São Paulo — Nos últimos 40 dias, três policiais militares em serviço foram mortos com tiros disparados por colegas de farda no estado de São Paulo, número que já é maior do que as duas mortes de PMs em confrontos com criminosos registradas no primeiro trimestre deste ano pela Secretaria da Segurança Pública (SSP).
No caso mais recente, ocorrido na manhã dessa segunda-feira (15/5), o capitão Josias Justi da Conceição Júnior, comandante da 3ª Companhia da Polícia Militar de Salto, no interior paulista, e o 2º sargento Roberto Aparecido da Silva foram fuzilados por outro sargento, identificado até o momento somente como Gouveia.
Em abril, no dia 5, o sargento Rulian Ricardo foi morto com dois tiros, disparados por seu superior hierárquico, o capitão Francisco Laroca e o cabo Fabiano Rizzo, que atua como motorista dele. O assassinato ocorreu dentro de um batalhão da PM na zona sul da capital paulista.
Ambos os crimes ocorreram nos quartéis onde vítimas e autores trabalhavam e foram motivados, segundo apurado pelo Metrópoles, por discussões relacionadas à escala de trabalho. No caso ocorrido na capital, o sargento assassinado enviou áudios a um colega reclamando sobre isso (ouça abaixo).
O capitão e o sargento do interior foram fuzilados enquanto trabalhavam com documentos, em uma sala da 3ª Cia. do 50º Batalhão da PM. Já o sargento Rulian foi morto com tiros de pistola, um no pescoço e outro no tórax, nas dependências da 4ª Companhia do 46º Batalhão Metropolitano da PM, no Jardim Santa Emília, na zona sul paulistana.
“Saúde mental da PM está prejudicada”
Para especialistas ouvidos pelo Metrópoles, os assassinatos de PMs cometidos pelos próprios colegas de farda seriam decorrentes do estresse e da saúde mental frágil dos envolvidos.
“De forma nenhuma e de jeito algum a gente pode justificar que uma escala de trabalho gera uma coisa como essa, seria inconcebível a gente falar isso. Agora, por outro lado, a gente precisa ficar muito atento à saúde mental desse PM. O que os dados mostram é que, infelizmente, a saúde mental do PM está bastante prejudicada. Pelo que a gente percebe, esses casos mostram isso. São casos extremos”, afirmou Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Ele acrescentou ser necessário um maior cuidado com a saúde mental da PM. “É muito importante e fundamental que se olhe para isso”, disse.
José Vicente da Silva, coronel da reserva da PM de São Paulo, afirmou que “por mais trágicos que sejam” os homicídios de policiais dentro dos batalhões, eles não podem demonstrar “um problema de caráter institucional.”
“São simplesmente duas tragédias que coincidiram em um curto espaço de tempo, de policiais extremamente estressados e com acesso à arma de fogo. A arma, naturalmente, cria a oportunidade para esse tipo de desenlace”, avaliou.
O coronel da reserva, também membro do FBSP e ex-secretário Nacional de Segurança Pública, acrescentou ser importante a Corregedoria da PM apurar o que de fato ocorreu nos casos de policiais matando policiais.
“Até que ponto foi um problema predominantemente individual, dessas pessoas que atiraram, criaram situações para o tiro, e até que ponto pode ter ocorrido falha por parte da PM? Lembrando que a corporação tem mais de 80 mil membros e esses fenômenos não são exclusivos da PM, ou da polícia do Brasil.”
O ouvidor das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, afirmou que o adoecimento mental da tropa está se demonstrando em “diversas tentativas de suicídio e suicídios consumados” que chegaram ao conhecimento do órgão neste ano.
Ele afirmou ter encaminhado um ofício para o comando geral da PM, sugerindo a criação de um grupo de trabalho para diagnosticar “o tamanho do problema” que, segundo o ouvidor, “não é pequeno.”
“Precisamos cuidar da tropa e de seus familiares, debater o problema, dar atenção, diagnosticar as questões relacionadas a isso e, de fato, cuidar da saúde mental do policial.”