PM que liberou motorista de Porsche pode responder por corrupção
Promotora pediu compartilhamento de provas com a Justiça Militar, apontando possível corrupção passiva de PM que liberou dono de Porsche
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo — Na mesma denúncia em que pediu a prisão preventiva do empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, a promotora Monique Ratton, do Ministério Público de São Paulo (MPSP), defendeu que a policial militar que liberou o dono do Porsche da cena do acidente que matou o motorista de aplicativo, no fim de março, na zona leste da capital paulista, seja investigada por suspeita de corrupção passiva.
A promotora aponta “possível responsabilidade criminal” da PM Dayse Aparecida Cardoso Romão e pede o compartilhamento de provas, como cópias das gravações das câmeras corporais, das declarações dos policiais e do boletim de ocorrência, com a Promotoria de Justiça Militar, pelo fato de a policial “ter cedido ao pedido” da mãe de Fernando e “liberado o responsável em estado de flagrância para ir ao hospital sem escolta ou vigilância”.
Segundo Monique Ratton, a PM deixou de praticar “ato de ofício” ao liberar o motorista, “com infração de dever funcional, gerando prejuízo efetivo ao flagrante e outras provas destes autos”.
O empresário, com sinais evidentes de embriaguez, dirigia um Porsche, avaliado em R$ 1,2 milhão, quando bateu em alta velocidade na traseira de um Sandero, matando o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, 52, em 31 de março, na Avenida Salim Farah Maluf, zona leste de São Paulo.
A PM feminina, conforme registrado pela câmera corporal usada por ela (assista abaixo), liberou “indevidamente” Fernando, para que ele deixasse o local do acidente, acompanhando pela mãe, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, 45, impedindo o flagrante por embriaguez ao volante.
Como mostrado pelo Metrópoles, Fernando foi denunciado pelo MPSP pelo homicídio doloso (quando há intenção de matar), qualificado por recurso que impediu a defesa da vítima.
Segundo laudo pericial, ele trafegava a 156km/h na avenida, onde o limite de velocidade é de 50km/h, colidindo na traseira do carro da vítima, que estava a 40km/h. Até a publicação desta reportagem, a Justiça não havia se manifestado sobre o pedido da Promotoria.
Vídeo
“Sem vigilância”
Na denúncia, obtida pelo Metrópoles, a promotora Monique Ratton solicita autorização para compartilhar provas à Promotoria de Justiça Militar para analisar a configuração, “em tese”, do crime de corrupção passiva da PM Dayse.
Ela cita o parágrafo 2º do artigo 317 do Código Penal, que define como vantagem indevida “se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem”. A promotora não faz menção se a mãe de Fernando é investigada por corrupção ativa. Procurado, o MPSP não se manifestou. O espaço segue aberto.
Antes da abordagem, a policial precisou ir atrás de Fernando e da mãe dele, que aparentemente tentavam sair do local, sem prestar esclarecimentos. “Você não pode tirar ele daqui assim”, disse a PM, assim que alcançou mãe e filho.
Daniela argumentou que precisa levar Fernando para o hospital e foi questionada pela PM o motivo de ele não ter permitido que socorristas dos bombeiros e do Samu fizessem isso no local.
Por fim, a policial ouviu do empresário que ele havia saído de uma “festa” acompanhado do amigo Marcus Vinicius Rocha, 22, que era socorrido no momento da abordagem a Fernando. Ele chegou a ficar em estado grave por causa da batida e se recuperou.
À polícia, Marcus Vinícius disse que Fernando Filho havia ingerido bebida alcóolica antes de dirigir, contrariando o depoimento do dono do Porsche.
Apesar dos sinais de embriaguez, demonstrado nas imagens da câmara corporal, a PM liberou Fernando, após a mãe dizer que o levaria para o hospital, o que não aconteceu. Os dois foram para casa e o motorista do Porsche só se apresentou na delegacia mais de 36 horas depois.
“PMs erraram”
A conduta dos PMs que liberaram a saída de Fernando é investigada pela corporação. A Polícia Civil também investiga a situação, a pedido da Justiça.
A própria Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) afirmou que os PMs “erraram” ao não submeter o empresário ao exame de alcoolemia. A pasta já havia tido acesso às imagens das câmeras corporais, segundo nota enviada segunda-feira (23/4) ao Metrópoles, na qual afirmou que houve “falha de procedimento” dos policiais.
A reportagem não conseguiu contato direto com a policial militar e encaminhou e-mail à SSP solicitando um posicionamento da agente. Em nota, a pasta apenas reafirmou que a Polícia Civil relatou o inquérito policial à Justiça com o pedido de prisão preventiva do autor pelos crimes “a PM instaurou um procedimento para responsabilizar os agentes” envolvidos na ocorrência.
Acima da velocidade
Em depoimento, o empresário admitiu que dirigia “um pouco acima” da velocidade permitida na avenida da zona leste, que é de até 50 km/h, e negou ter ingerido bebida alcoólica – versão que é contestada por vídeos e relatos de testemunhas colhidos pelos investigadores.
A Justiça negou dois pedidos de prisão contra o empresário, mas impôs fiança de R$ 500 mil e suspendeu sua CNH. Ele e a mãe também tiveram que entregar seus celulares à polícia. A quebra do sigilo de dados foi autorizada. Um novo pedido de prisão, referendado nesta segunda-feira pelo MPSP, foi feito na semana passada, após a conclusão do inquérito policial.
Na ocasião do acidente, a defesa de Fernando Filho afirmou que entrou em contato com a família da vítima para prestar solidariedade e toda a “assistência necessária”. “Obviamente, a perda não será reparada, mas minimamente prestaremos amparo necessário neste momento de tal fatalidade”, diz nota dos advogados.