Plano de tornozeleira em presos da Cracolândia tem resistência no TJSP
Secretário de Tarcísio anunciou parceria para rastrear preso da Cracolândia com tornozeleira eletrônica, mas Justiça tem dúvida sobre o tema
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo — O plano do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, de instalar tornozeleiras eletrônicas em pessoas presas na Cracolândia, no centro de São Paulo, enfrenta resistência entre membros do poder Judiciário que lidam com as audiências de custódia de suspeitos detidos na região. Há dúvidas se lei permite a aplicação do plano.
Em duas entrevistas recentes, Derrite disse que firmou uma parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para fornecer tornozeleiras eletrônicas para que juízes de audiências de custódia possam determinar a instalação dos aparelhos nos presos da Cracolândia que, por ventura, sejam colocados em liberdade.
Derrite tem dito que a polícia realiza uma série de prisões na região de pessoas que são reincidentes. Elas são flagradas cometendo crimes e, quando são identificadas pelos policiais, descobre-se que já haviam praticado outros delitos e estão respondendo a processo em liberdade ou cumprindo pena em regime aberto.
Por isso, o secretário disse que buscou uma parceria com o TJSP para deixar tornozeleiras que pertencem ao governo paulista à disposição de juízes que fazem as audiências de custódia loogo após as prisões, de forma a monitorar essas pessoas reincidentes que voltam para as ruas.
Sem critério legal
A instalação das tornozeleiras, porém, obedece a uma série de critérios legais que os juízes têm de observar ao determinar a aplicação da medida. O local onde a pessoa que presa (no caso, a Cracolândia) não é um destes critérios – poderia haver, no entendimento de juízes, um desequilíbrio de tratamento em relação a pessoas presas em outros lugares.
Por isso, há dúvidas entre integrantes da Judiciário paulista sobre a aplicação da medida anunciada pelo secretário Guilherme Derrite, segundo o Metrópoles apurou. Falta base legal.
Também há dúvidas sobre o que a tornozeleira monitoraria, uma vez que a pessoa presa pode ser moradora da região ou mesmo ser um sem-teto, o que comprometeria o objetivo da tornozeleira — restringir a circulação da pessoa a determinado local, por meio de monitoramento eletrônico.
Para juízes, o entendimento atual é que, se o crime pelo qual a pessoa está sendo acusada tem uma pena inferior a quatro anos de reclusão, como receptação de celular roubado, por exemplo, a lei determina que ela pode responder em liberdade e não deve ficar presa até que tenha condenação transitada em julgado (sentença final da Justiça, após passar por todas as instâncias).
Desta forma, mesmo em casos de reincidência de crimes de menor potencial agressivo, como a receptação, a pessoa deve ser colocada em liberdade, conforme determina a lei. Este é mais um motivo apontado por juízes para mostrar receio em firmar compromissos com o monitoramento específico de criminosos da Cracolândia, como anunciou o secretário do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
As tornozeleiras, por outro lado, seriam úteis, na avaliação de juízes, para casos como os de violência doméstica, em que há previsão de restrição de aproximação entre o autor e a vítima da agressão. A disponibilização dos equipamentos, sem compromisso com uso restrito à Cracolândia, é bem-vinda.
Questionado sobre o tema, o TJSP informou ao Metrópoles, por meio de nota, que “a disponibilização de tornozeleiras eletrônicas para audiência de custódia não estaria restrita aos flagrantes de determinada região da cidade de São Paulo”, como a Cracolândia.
O tribunal disse ainda que “quanto aos equipamentos que, por ventura, sejam colocados à disposição do Poder Judiciário, eles seriam objeto de determinação jurisdicional, ou seja, de acordo com a análise de cada processo, em conformidade com a lei e com o livre convencimento do magistrado”.
O TJSP destacou ainda que nenhuma parceria com o governo Tarcísio foi formalizada até o momento. Nas entrevistas, o secretário Guilherme Derrite disse que a parceria teria início nas próximas semanas.
Em nota enviada ao Metrópoles, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que tem realizado reuniões com o TJSP “buscando construir soluções conjuntas para enfrentamento do problema da reincidência criminal que, diariamente, produz milhares de vítimas de crimes entre a população do Estado”.
“Além da proposta de parceria para permitir aos policiais comunicarem de modo direto e informatizado aos juízes os casos em que se deparem com condenados ou acusados descumprindo condições legais e judiciais de penas ou medidas cautelares nas ruas, foram realizadas reuniões para disponibilização de tornozeleiras eletrônicas, inicialmente para os magistrados responsáveis pelas audiências de custódia na Capital, com o fim de permitir que os juízes possam, de acordo com os critérios legais e com vistas a evitar a reincidência criminal e proteger a sociedade, decidir, quando entenderem cabível, pela aplicação da medida de monitoração eletrônica (tornozeleiras) de presos em flagrante que forem soltos durante as audiências de custódia”, completa o comunicado da SSP.