Como pedido de oração levou a polícia a descobrir pombo-correio do PCC
Suspeito, que segue em liberdade, teria trocado mensagens com a esposa de um chefão do PCC que estaria jurado de morte por Marcola
atualizado
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São Paulo — A Polícia Civil descobriu um perfil, em um primeiro momento identificado somente como “Delho”, com o qual a esposa de um chefão do Primeiro Comando da Capital (PCC) jurado de morte trocava mensagens e também enviava cartas.
A discrição do “pombo-correio” da maior facção do Brasil era tamanha que, para não ser localizado pela polícia, ele usava um cartão de memória habilitado no exterior, como mostra investigação da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Todo o cuidado foi por água abaixo após ele pedir para que a interlocutora incluísse o nome dele e de seus familiares em orações.
“Muito obrigado pelo vídeo. Palavras sábias. Até me deu um arrepio só de ouvir, cunhada, como se fosse pra mim. Aproveito para pedir a senhora, por favor, apresenta [sic] meu nome e de minha família nas orações da igreja. Meu nome é: Everton Nemésio”.
A Polícia Civil então descobriu que o intermediário das cartas, remetidas da cadeia para os “sintonias” do PCC, era Everton de Brito Nemésio. O Metrópoles apurou que, atualmente, ele está em liberdade, sem nenhum mandado de prisão expedido até o momento. Ele já foi indiciado no passado por crimes como formação de quadrilha, homicídio, roubo e furto.
A reportagem não localizou o suspeito ou sua defesa. O espaço segue aberto para manifestações.
“Cunhada” e “sintonias”
O termo cunhada, no mundo do crime, é usado para identificar mulheres casadas, ou em relacionamentos sérios com integrantes do PCC.
A mulher com a qual Everton trocava mensagens é Fabiana Lopes Manzini, casada com Anderson Manzini, o Gordo, apontado como braço direito de Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho — ex-membro da mais alta esfera hierárquica do PCC e que, atualmente, se opõe a Marco Herbas William Camacho, Marcola, junto a Roberto Soriano, o Tiriça, e Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka.
Fabiana foi presa por tráfico de drogas em setembro do ano passado, momento em que seu celular também foi apreendido. No aparelho foram descobertas conversas no WhatsApp que revelaram grandes planos da facção, além dos receios pela própria vida do marido dela, preso desde 2002 por roubo a banco, homicídio e extorsão mediante sequestro.
Nas mensagens trocadas entre Fabiana e outros criminosos, a reprodução de cartas, fotografadas, chamaram a atenção da polícia. Os documentos haviam sido escritos por Gordo, tendo como destinatários “sintonias” — criminosos com poder decisório na facção — em liberdade. As mensagens chegavam até eles por meio do trabalho de “pombo-correio” feito por Delho.
Jurado e morte
Como revelado pelo Metrópoles, Gordo comenta sobre uma movimentação inesperada dentro do sistema prisional, reforçando a ciência de um decreto de morte contra ele. Em uma das cartas, tenta dar satisfações, mencionando alguns “sintonias” para os quais elas deveriam ser endereçadas.
Um dos chefões mencionados é Francisco Antônio Cesário da Silva, o Piauí, um dos líderes do PCC na favela da Paraisópolis, na zona sul paulistana.
Além das solicitações para garantir a própria vida, Gordo propõe negócios para Piauí e outro “sintonia”, identificado como Xuxu, que seriam “sintonias finais”, compondo um núcleo central com poder decisório na organização criminosa, como sugere investigação da Dise da região metropolitana.
“Fala para o Xuxu e o Piauí que eu quero apresentar um primo meu, primo meu de sangue, e ele tem uma situação que acredito ser boa para a família.”
“Banco digital do crime”
O tal primo é João Gabriel Yamawaki, preso no último dia 6 durante uma operação deflagrada pela Polícia Civil. Ele, conforme afirmado ao Metrópoles pelo delegado Fabrício Intelizano, titular da Dise, é um dos donos de um “banco digital do crime”.
A instituição financeira, com outras 19 empresas, teria movimentando R$ 8 bilhões. Parte do montante bilionário também foi movimentado por membros da facção criminosa com o intuito de bancar políticos e suas campanhas para as eleições municipais deste ano.
Foi a delegacia especializada da Grande São Paulo que apreendeu o celular de Fabiana, por meio do qual as cartas e o banco do crime foram descortinados.
Casamento ajudou polícia
Fabiana Lopes Manzini foi presa em junho 2023, após a polícia apreender 28 quilos de maconha e oito de cocaína em uma casa na qual ela estava hospedada em Itaquaquecetuba.
Quando descobriram o elo da presa com Gordo, a Dise solicitou a quebra do sigilo telemático da mulher e teve acesso às mensagens de WhatsApp dela. O teor revelou os planos do PCC para se infiltrar na política em cidades do litoral paulista, região metropolitana e interior do estado.
Em meio à investigação, um banco digital, cujo responsável é João Gabriel, também entrou no radar da polícia.
“Esse valor de R$ 8 bilhões é o valor dos bloqueios que pedimos na Justiça referentes à movimentação de todos os suspeitos investigados, dentre os presos e os que ainda estão soltos”, explicou o delegado.
O titular da Dise acrescentou que o PCC usou algumas contas do “banco” para “remeter valores para a compra de drogas no Paraguai”, principal via de escoamento de cargas de entorpecentes para o Brasil, por via terrestre, e cuja fronteira é controlada pela facção paulista.
Indicações de políticos
As investigações mostram que Fabiana mantinha contato com João Gabriel Yamawaki, para que ele indicasse os candidatos que seriam financiados pelo PCC.
A mulher assumiu os negócios do marido desde que ele foi preso e é apontada pela polícia como membro da maior facção criminosa do Brasil. Nas trocas de mensagens, João Gabriel fala para Fabiana ver com o Gordo “sobre as campanhas de vereadores”.
Ele menciona nomes de parceiros da facção, disponíveis para disputar uma vaga no Legislativo, nas cidades de Ubatuba, no litoral, além de Mogi das Cruzes e Santo André, ambas na Região Metropolitana de São Paulo.
“Fala ainda que tem interesse em lançar candidatos em cidades da Baixada Santista, Campinas e Ribeirão Preto”, diz trecho de relatório policial, obtido pelo Metrópoles. Os três nomes indicados por João Gabriel já foram identificados pela polícia.
Além de ser primo de Gordo, o primo banqueiro foi batizado na facção e seria indicado, como mostram as investigações, para compor a Sintonia Geral dos Caixas, setor responsável pela movimentação financeira e operações de câmbio da facção.
Ao todo, seis membros do PCC são alvo da investigação na qual outras 26 pessoas também estariam envolvidas com os negócios do crime organizado.
As defesas dos suspeitos mencionados nesta reportagem não foram localizadas. O espaço segue aberto para manifestações.