“Passe de mágica”: Prefeitura desprezou “tragédia anunciada” há 2 anos pelo MP
Tragédia que acometeu São Sebastião, no litoral paulista, já havia sido alertada em ação do Ministério Público contra a prefeitura em 2021
atualizado
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São Paulo – Alvo de mais de 30 ações judiciais para regularizar ocupações em áreas de risco, a Prefeitura de São Sebastião alegou que “a regularização fundiária não ocorre num passe de mágica” quando foi alertada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), em 2021, que a manutenção da Vila do Sahy era uma “verdadeira tragédia anunciada”.
Situada na encosta do morro na região da paradisíaca praia da Barra do Sahy, a vila foi a área mais devastada pelo temporal que castigou o litoral norte paulista durante o Carnaval e que já matou aos menos 50 pessoas e deixou outros 4 mil sem moradia até o momento, a maioria no bairro ocupado irregularmente desde a década de 1990.
Em março de 2021, o MPSP moveu uma ação específica contra a Prefeitura de São Sebastião, para obrigá-la a impedir novas ocupações na Vila do Sahy e oferecer moradias dignas e seguras para quem já morava na região de alto risco. No pedido, ela listou uma série de notícias sobre mortes na região provocadas por deslizamentos de terra em decorrência das fortes chuvas, como houve no último domingo (19/2).
“Ou seja, a manutenção do núcleo congelado (Vila do Sahy), na área e nos moldes em que se encontra, é uma verdadeira tragédia anunciada, a qual, salienta-se, já se concretizou na área de outros núcleos congelados, em diversas oportunidades ao longo dos últimos anos, no município de São Sebastião, conforme informações amplamente conhecidas do público e difundidas na imprensa nacional”, afirmaram os promotores do MPSP na ação.
Na contestação enviada à Justiça, a gestão do prefeito Felipe Augusto (PSDB) desprezou o alerta da “tragédia anunciada” na Vila do Sahy feito pela Promotoria e disse seria impossível regularizar mais de 100 núcleos urbanos “ao mesmo tempo” como pedia o MPSP em suas ações. Àquela altura, segundo a Prefeitura, já havia 33 sentenças ajuizadas, com 14 sentenças condenatórias.
“Ocorre, porém, que a regularização fundiária não ocorre num passe de mágica como quer levar a crer o autor, mas sim através de políticas públicas sérias formuladas pelo réu, ente com atribuição constitucional para tal e a quem cabe eleger as prioridades de regularização, levando em conta a impossibilidade de se regularizar 102 núcleos urbanos ao mesmo tempo em um município de pequeno porte como o réu”, disse a Prefeitura.
Omissão de 10 anos
Como o Metrópoles revelou na última segunda-feira (21/2), o MPSP denuncia uma “omissão” de ao menos 10 anos por parte da Prefeitura, em relação às áreas de risco em São Sebastião, que tem pouco mais de 90 mil habitantes e é um dos principais destinos turísticos do litoral paulista.
O MPSP apontou que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado em 2009 não foi cumprido e que as tratativas feitas em 2013 para a regularização das áreas não saíram do papel.
Segundo a Promotoria, a ocupação na Vila do Sahy, que tem mais de 3 mil moradores, de acordo com os registros, foi fomentada pela ausência de fiscalização da Prefeitura, que “permitiu o alastramento de verdadeiros bairros em áreas de risco e em locais sem a infraestrutura básica necessária para garantir às famílias que ali habitam seus direitos mínimos”.
“Escolhas trágicas”
Como mostrou o Metrópoles na quinta-feira (23/2), a Promotoria também destacou na ação judicial que a Secretaria de Regularização Fundiária de São Sebastião, criada em 2017, investiu menos de 5% do orçamento para regularização fundiária nas áreas de risco ocupadas irregularmente.
A verba executada, três vezes menor que o orçamento previsto para a pasta, foi gasta quase que por completo com despesas de pessoal, obrigações patronais e aluguel da sede. A Prefeitura de São Sebastião respondeu que os “recursos públicos são essencialmente escassos, enquanto as necessidades sociais são ilimitadas”.
“Trata-se da formulação da reserva do possível, segundo a qual do Estado não se pode exigir tudo, cabendo aos governantes eleger as prioridades (escolhas muitas vezes trágicas). O executivo elabora o orçamento e o legislativo que o aprova para futura execução”, declarou a Prefeitura.