“Papais Noéis da vida real” organizam doações no Natal em São Paulo
Metrópoles conversou com moradores que organizam ações para ajudar população em situação de vulnerabilidade no Natal
atualizado
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São Paulo — Há 12 anos, quando boa parte das famílias paulistanas se preparava para celebrar o Natal, uma cena no bairro do Pari, no centro de São Paulo, mudou para sempre a tradição do feriado religioso na casa de Célia Machado.
No dia 24 de dezembro de 2011, ela andava de carro com o marido quando viu uma família em situação de rua abrigada sob a marquise de um banco. A imagem foi como um empurrão.
“Eu falei: ‘vamos para casa que eu vou fazer macarrão, vou fazer uma comida e trazer para eles’”, conta.
Quando voltou com a refeição, Célia não encontrou a família de antes, mas acabou distribuindo os pratos de comida para outras pessoas que também estavam na rua naquela noite.
No ano seguinte quis repetir a dose e, desde então, todas as vésperas de Natal ela cozinha e entrega refeições para pessoas em situação de rua na cidade. “Não existe Natal de outra forma na minha família”, afirma a moradora do Pari.
O Metrópoles conversou com Célia e com outras duas pessoas que preparam ações especiais nesta época do ano. Empenhados em oferecer ajuda a quem não consegue ter a tradicional ceia ou a troca de presentes, eles se articulam para organizar doações e promovem uma onda de solidariedade por onde passam.
Célia diz que a população desabrigada merece ter acesso a uma alimentação de qualidade, assim como quem tem residência fixa.
“Pelo menos no Natal eles vão ter uma comida decente. Eu faço uma ceia para eles”, conta ela, que neste ano preparou um menu com arroz à grega, linguiça defumada, batata e molho para servir às pessoas.
Ela diz que a ação solidária reforçou a união de sua família, que agora passa os dias antes do Natal envolvida preparativos para as entregas. Neste ano, uma de suas filhas, que mora em Salvador, na Bahia, veio para São Paulo especialmente para ajudar na iniciativa.
“Ela veio para ficar quatro dias, para poder me ajudar. A minha casa parece uma sucursal de loja de Papai Noel. A sala tem brinquedo, tem suco, é uma loucura”, diz Celia.
A iniciativa também recebe doações e o apoio de conhecidos. Só no ano passado foram 261 marmitas entregues, além dos brinquedos doados para as crianças que vivem em um centro de acolhimento da cidade.
Ceia na rua
A possibilidade de dar um Natal digno para as pessoas em situação de rua também motivou André Soler a criar em 2015, ao lado de Vinícius Lima, o Natal Invisível: evento que promove uma grande ceia nas ruas da cidade.
A população desabrigada é convidada a sentar em uma mesa decorada e desfrutar a refeição ao som de música ao vivo. “Natal é mais do que um prato de comida, é um momento. A gente serve eles olhando nos olhos”, diz André.
Para ele, a ideia de promover um grande jantar está relacionada ao ato de cuidar.
“A gente cuida. O cuidar é isso. As pessoas estão em situação de rua porque não foram cuidadas”, afirma o fundador da ONG SP Invisível, responsável pela criação do evento e que tem como objetivo dar visibilidade para a população que está nas ruas da cidade.
Neste ano, o Natal Invisível atendeu mais de 5 mil pessoas, durante 14 ceias realizadas entre os meses de novembro e dezembro.
Brinquedos
No extremo leste da cidade, Maria das Graças de Souza, 59, vai por outro caminho e organiza nesta época do ano uma campanha de entrega de brinquedos para as crianças de seu bairro.
Líder comunitária do Jardim Pantanal, ela articula há mais de duas décadas uma rede de voluntários para arrecadar as chamadas “sacolinhas de Natal”.
A ideia é presentear as crianças em situação de vulnerabilidade que vivem na região com brinquedos, roupas e sapatos. “Tem muita criança que não tem nem o que vestir no Natal”, diz ela.
Graça, como ela é conhecida no bairro, afirma que não costumava receber presentes quando era criança.
“A gente colocava meia esperando que o Papai Noel deixasse um presente e ele não deixava”.
“Eu acho que Deus me deu a possibilidade de ajudar as famílias dessa forma porque eu também não tive”, diz a líder comunitária.
No primeiro ano em que organizou as doações, ela conseguiu 50 presentes para as crianças. Duas décadas mais tarde, Graça diz que 310 crianças foram beneficiadas pela última arrecadação, que terminou no dia 10 de dezembro deste ano e contou com uma festa para celebrar a data.