Pais de estudante de medicina morto por PM criticam Tarcísio e Derrite
Pais do estudante morto pela PM em abordagem ocorrida em novembro de 2024, fizeram várias críticas ao governador e secretário da Segurança
atualizado
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São Paulo — Os pais do estudante de medicina Marco Aurélio Cárdenas Acosta, morto pelo policial militar Guilherme Augusto Macedo, em 20 de novembro, criticaram a demora no fornecimento das imagens do crime, o que consideram acobertamento da ação e pediram a condenação de todos os envolvidos, inclusive superiores como o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Um relatório da investigação mostra que o rapaz foi encurralado por policiais. O documento, que detalha as imagens captadas pelas câmeras corporais acopladas às fardas dos agentes, afirma que as últimas palavras de Marco Aurélio teriam sido: “Tira a mão de mim”. O PM foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por homicídio.
O pai de Marco Aurélio, o médico Julio César Acosta Navarro, disse que vai lutar pela condenação de todos os responsáveis pelo crime, apontando inclusive o relatório como prova.“A PM fez um B.O. falso. Aqui [no relatório] estão todas as artimanhas”, disse o pai, entre outras coisas.
“Vou lutar para que seja levado à Côrte de Haia, para que Tarcísio e Derrite sejam condenados”, afirmou Navarro.
O pai conta que foi atrás de autoridades como comandantes da PM e delegado-geral, Artur Dian, e delegados da Polícia Civil. “Todos abaixaram a cabeça”, declarou Julio César Acosta Navarro, pai de Marco Aurélio, realizada na casa da família, na noite desta quarta-feira (8/1).
Veja trecho da entrevista coletiva dos pais do estudante:
A mãe do estudante, Silvia Cárdenas, também fez duras críticas ao governador e também ao secretário da Segurança Pública paulista, em relação à demora na divulgação das imagens das câmeras corporais dos policiais militares envolvidos na ação. “É um encobrimento”.
“Eu voltei depois do meu luto, de haver perdido o meu filho, filho que pari, 14 dias depois. E esse vagabundo, esse Guilherme [Derrite, secretário da Segurança], está em sua casa, sem fazer nada”, desabafou a mulher (veja vídeo abaixo).
O estudante trocava mensagens frequentemente com a mãe. Em uma delas, disse: “Você é como o Neymar da medicina”, tamanha a admiração.
Quando mais novo, o rapaz chegou a fazer um trabalho escolar sobre violência policial.
O advogado dos pais aguarda a prisão preventiva ser aceita pela Justiça.
Associação criminosa
O ex-ouvidor das Polícias, Claudio Silva, esteve presente e também criticou a atuação das autoridades.
“A gente vê o efeito dessa associação criminosa que tomou conta da segurança pública de São Paulo, construída e liderada por Tarcísio e Derrite”, disse.
Silva também lembrou outros casos recentes de violência policial. “O governador não procurou nenhuma família. Não procurou ninguém para oferecer resposta e solidariedade. Embora diga que se arrependeu dos incentivos a essa política de segurança pública, não tem um ato que prove isso, que dê indício de que mudaram”, afirmou, dizendo também que o estado precisa indenizar as pessoas.
Silva também criticou os 17 arquivamentos promovidos pelo MPSP envolvendo mortes durante a Operação Escudo, na Baixada Santista.
Estudante morto
O estudante de medicina foi morto por um tiro à queima-roupa de um policial militar durante uma abordagem. Pelas imagens (veja acima), é possível ver o momento em que Marco Aurélio entra correndo no hotel. Ele está sem camisa. Um PM também entra, logo em seguida, e puxa o jovem pelo braço, com a arma em punho.
O estudante consegue se desvencilhar, quando outro policial aparece e lhe dá um chute. O jovem segura o pé do PM, que se desequilibra e cai para trás. Nesse momento, o agente armado dá um tiro em Marco Aurélio.
No B.O., os PMs alegaram que Marco Aurélio Cardenas Acosta estaria “bastante alterado e agressivo” e teria resistido à abordagem policial.
Além disso, o documento aponta que, “em determinado momento, [Marco Aurélio] tentou subtrair a arma de fogo que o soldado [Bruno Carvalho do] Prado portava, quando então o soldado [Guilherme] Augusto efetuou um único disparo, a fim de impedi-lo”.
As imagens do circuito interno do hotel mostram, no entanto, que o PM Augusto atirou após o soldado Prado dar um chute no estudante, ter a perna segurada por ele e cair para trás, desequilibrado. No vídeo (assista acima), não é possível ver Marco Aurélio tentando pegar a arma do agente — ao contrário do que foi narrado na delegacia.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), antes do momento registrado no hotel, o estudante “golpeou a viatura policial e tentou fugir”. A pasta também informou que os PMs prestaram depoimento, foram indiciados em inquérito e permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações — as polícias Militar e Civil apuram o caso.
Além disso, a SSP afirmou que as imagens registradas pelas câmeras corporais serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), apesar de a informação não constar oficialmente no boletim de ocorrência.
Briga
Segundo o relato de uma testemunha à Polícia Civil, identificada como Gabriele Mantey Caetano Elias, o estudante teria pedido para encontrá-la momentos antes do ocorrido.
Ela conheceu a vítima há cerca de dois anos, quando trabalhava como garota de programa. Com o passar do tempo, eles desenvolveram uma relação de afinidade, mas ela continuou cobrando pelos encontros. Por conta disso, atualmente, Marco lhe devia em torno de R$ 20 mil.
Na noite do ocorrido, Marco enviou uma mensagem por volta das 1h30 da madrugada de quarta (20/11) querendo encontrar a mulher, ficar com ela novamente.
Gabriele contou em depoimento que topou encontrá-lo, mas que não pretendia ter relações sexuais. Ela iria cobrar a dívida e ir embora.
Os dois foram ao Hotel Flor Da Vila Mariana, local que já frequentavam. Lá, eles pagaram somente uma hora de permanência. No quarto, Marco Aurélio lhe entregou R$250, e Gabriele lhe disse que iria descontar esse valor da dívida que ele tinha com ela — já que ele a impedia de trabalhar por ciúmes, ao mesmo tempo em que não quitava o que devia.
Nesse momento, ambos começaram a brigar. Quando a jovem tentou fechar a porta, ela sofreu uma agressão na cabeça por parte dele e foi empurrada para longe da porta.
A jovem acredita que o recepcionista tenha ouvido o que ela disse e acionado a Polícia Militar. Ela conseguiu sair correndo do quarto, desceu as escadas e se escondeu em um cômodo para chamar um carro de aplicativo.
Abordagem
Enquanto estava nesse cômodo, Gabriele disse ter avistado Marco Aurélio no portão de acesso do hotel, cercado por dois policiais militares. Segundo ela, um dos agentes perguntou ao estudante por que ele teria batido na viatura. Então, o recepcionista colocou Gabriele em um local em que ela não conseguia ver mais nada.
Foi nesse momento que ela ouviu um disparo de arma de fogo e viu, depois, Marco Aurélio caído no chão.
Quando o resgate chegou, o estudante estava acordado e gritava. Gabriele o acompanhou até o hospital, dentro do veículo. Chegando lá, no Hospital Ipiranga, ele foi atendido e ela ficou do lado de fora.
A família do estudante chegou ao local e começou a ofender Gabriele, segundo ela. A jovem contou que o irmão dele, Pedro Cardenas Acosta, deu um soco em sua cara e a ameaçou de morte. Os policiais militares afastaram a briga e levaram Gabriele para a delegacia, onde a jovem depôs.
Quem era o estudante
Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, estudava medicina na Faculdade Anhembi Morumbi e chegou a gravar músicas com o nome artístico “MC Boy da VM”. No time de futebol da universidade, o estudante era conhecido como “Bilau”.
Em seu perfil no Instagram, Marco Aurélio se descrevia como “mestre de cerimônia” e “compositor”. No Spotify, o estudante publicou duas músicas, nos anos de 2022 e 2023. O jovem fez a última publicação cerca de 30 minutos antes de morrer.
Luto
A Associação Atlética Acadêmica de Medicina Anhembi publicou nota de luto pelo estudante: “A Medicina Anhembi manifesta profundo pesar pelo falecimento do nosso querido aluno do internato, Marco Aurélio Cardenas Acosta, apelidado como ‘Bilau’”.
“Neste momento de imensa dor, nos solidarizamos com seus familiares, companheiros de time e colegas, que perderam não apenas um companheiro de jornada, mas também um amigo. Que sua memória seja sempre lembrada com carinho e que sua trajetória inspire a todos nós”, completa o texto.
O time de futebol do curso de medicina também prestou homenagens em seu perfil. “Com grande tristeza viemos comunicar através deste que nosso companheiro de time e amigo, Marco ‘Bilau’ Acosta, veio a nos deixar.”
“Nesse momento de tristeza, a Família Fut Med Anhembi expressa toda a sua solidariedade e carinho por nosso querido amigo e seus familiares. Bilau, sempre nos lembraremos de você com muito amor e carinho”, diz a publicação.