Ossos e prisão: os mistérios por trás da morte de secretária da Apae
Polícia trabalha com indícios de rombo no caixa da Apae e conflito de interesse entre presidente e secretária, mas a motivação é misteriosa
atualizado
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São Paulo — A Polícia Civil esclareceu e divulgou, na última segunda-feira (26/8), que Claudia Regina da Rocha Lobo, secretária-executiva da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Bauru, no interior de São Paulo, foi assassinada. A polícia trabalha com “fortes indicativos de rombo no caixa da entidade assistencial, má gestão e conflitos de interesse entre presidente e secretária-executiva”.
Mas a motivação do crime ainda não foi completamente esclarecida, além de vários pontos da investigação.
Cláudia Regina da Rocha Lobo, de 55 anos, foi morta em 6 de agosto, mesmo dia em que se encontrou com o então presidente da entidade Roberto Franceschetti Filho, como mostram registros de uma câmera de monitoramento. Ele está preso, em cumprimento a um mandado de prisão temporária, e é considerado o principal suspeito pelo crime.
Entenda, em ordem cronológica, o que ainda é mistério no caso.
Envelope e celular
Em 6 de agosto, imagens de câmera de segurança flagraram a funcionária deixando o prédio onde fica o escritório administrativo da entidade, com um envelope na mão, em direção ao mesmo carro, uma Spin branca (veja abaixo). Esse foi o dia em que Claudia foi vista pela última vez.
A polícia não sabe dizer qual era o conteúdo do envelope. Interrogado, Roberto Franceschetti Filho afirmou que “tinha semelhança, mas não podia afirmar” que um familiar de Claudia (supostamente alguém que recebia o dinheiro que ela retirava da Apae) era a pessoa que buscava o envelope.
Segundo as investigações, Roberto informou em seu primeiro depoimento que Claudia estava solicitando “adiantamentos“ de ordem financeira, alegando que era para ajudar esse parente, que havia sido preso e estava devendo.
No dia de seu desaparecimento, ela saiu sozinha, sem os documentos e o aparelho celular, e teria dito a outra funcionária da Apae que resolveria questões relacionadas ao trabalho.
De acordo com o delegado Cledson Nascimento, da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Bauru, provavelmente o telefone ficou lá para que Claudia não pudesse ser rastreada. A razão para esse comportamento ou qualquer outro motivo para ela ter deixado o celular na entidade não foi esclarecido.
Emboscada
Ainda não há esclarecimentos sobre como Claudia foi atraída para a emboscada que culminou em sua morte.
Os policiais localizaram imagens dela ao volante da GM Spin estacionando ao lado de um terreno na Rua Maestro Oscar Mendes, no Jardim Pagani, um bairro afastado de Bauru.
Nas imagens analisadas pela polícia, Roberto Franceschetti Filho sai do banco do passageiro e passa para o do motorista, e logo depois Claudia entra no banco de trás. Foi exatamente no banco traseiro onde a polícia encontrou vestígios de sangue, de acordo com laudo pericial.
Além disso, foi encontrado no veículo o estojo de uma pistola calibre 380, arma que posteriormente foi apreendida na residência de Franceschetti. A pistola estava em um cofre sem munição, com três carregadores, uma cartela nova de munições e três projéteis.
Ocultação de cadáver
Claudia Regina da Rocha Lobo teve o corpo queimado em uma chácara, de acordo com investigações da Polícia Civil.
Para fazer isso, Roberto teve a ajuda do funcionário do almoxarifado da Apae, Dilomar Batista. Ele foi ouvido pela polícia na última sexta-feira (23/8) e confessou que ajudou a queimar o corpo de Claudia sob ameaça de Roberto Franceschetti.
Dilomar não está preso. Segundo informou o delegado Cledson Nascimento ao Metrópoles, o Judiciário não concedeu a prisão dele porque o funcionário não participou do homicídio, somente da ocultação de cadáver. Como não há previsão legal nesse caso para fins de prisão temporária, ele é investigado em liberdade.
A Apae de Bauru informou, em nota divulgada na quarta-feira (28/8), que Dilomar Batista foi imediatamente demitido após a polícia esclarecer o crime, dois dias antes.
Fragmentos de ossos
Em um primeiro depoimento, logo após sua prisão, Roberto chegou a indicar o local onde teria jogado e queimado o corpo de Claudia, em uma área rural no bairro Pousada da Esperança.
Ao fazer buscas na região, a polícia encontrou fragmentos de ossos humanos em um buraco na terra de uma chácara onde eram descartados e queimados materiais inservíveis da Apae, como papéis e documentos velhos.
Ainda não foi confirmado de quem são esses fragmentos. Os materiais apreendidos foram enviados ao Núcleo de Biologia em São Paulo, para confronto com as amostras de DNA já recolhidas do veículo, de pertences pessoais da vítima e de amostras da filha dela, Letícia da Rocha Lobo.
A geolocalização e movimentação do celular de Roberto, ainda conforme a investigação da Deic, condizem com a localização da chácara.
Rombo na entidade
A polícia não conseguiu ainda estimar o valor do rombo de caixa da Apae de Bauru.
Em planilhas encontradas no notebook da secretária, apreendido durante as investigações, a Deic encontrou fortes indícios de que Claudia recebia os valores desviados por Roberto.
“A Claudia estava envolvida. Objetivamente, em seu depoimento, o presidente afirmou que fazia a antecipação do pagamento de fornecedores, tirava o dinheiro a pedido dela, repassando [os valores] para a Claudia, sob a alegação de que precisava cuidar de assuntos pessoais”, afirmou ao Metrópoles o delegado Cledson Nascimento, da Deic de Bauru.
O principal suspeito de matar a funcionária da Apae afirmou, em depoimento, que Claudia pedia “adiantamentos de ordem financeira”, sob a alegação de que precisava ajudar um familiar preso e com dívidas. Ela já havia pedido “altos valores” emprestados, ainda de acordo com Roberto, ao menos quatro vezes.
Em diligências, com o intuito de coletar material genético, quando Claudia ainda era considerada desaparecida, policiais apreenderam R$ 10 mil em dinheiro, deixados na casa da filha da secretária.
Além do valor, a polícia apreendeu o notebook no qual as planilhas foram localizadas, com a anotação do recebimento de valores “não condizentes com o salário dela”, disse, ainda, ao Metrópoles o delegado Cledson Nascimento. Isso, acrescentou, corrobora a versão dada por Roberto.
Próximos passos
Um novo inquérito policial foi instaurado para investigar exclusivamente a dinâmica do desvio de recursos e como isso poderia ter resultado na morte de Claudia.
Para isso, a polícia aguarda os resultados da quebra dos sigilos bancários e do conteúdo dos celulares de Claudia e Roberto.