Oliveira, novo jurado do Masterchef: “Sou o lado passional do reality”
O chef Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, em São Paulo, é o novo jurado do Masterchef Brasil, que estreia em 2 de maio
atualizado
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Às 22h30 desta terça-feira, 2 de maio, estreia na Band TV a décima temporada do reality show Masterchef Brasil. A grande novidade do programa é a presença do chef Rodrigo Oliveira, que substitui Henrique Fogaça na bancada de jurados, composta também por Helena Rizzo, que entrou no lugar de Paola Carosella na oitava temporada, e pelo francês Erick Jacquin, o único participante desde a primeira edição. A jornalista Ana Paula Padrão segue como apresentadora.
Não é a primeira vez que Rodrigo Oliveira aparece diante de concorrentes em reality show de gastronomia. O chef dos restaurantes Mocotó – que possui quatro unidades; a mais recente foi aberta em abril na Vila Leopoldina – e Balaio IMS, em São Paulo, além do Caboco, em Los Angeles (EUA), todos eles excelentes representantes da culinária nordestina, já fez participações especiais no próprio Masterchef e esteve na bancada do Iron Chef Brasil, veiculado pela Netflix em 2022.
Detentor de diversos prêmios de gastronomia e indicado pelas principais publicações de gastronomia no Brasil e no exterior, Rodrigo Oliveira recebeu em 2012, por exemplo, o finado chef e apresentador americano Anthony Bourdain no Mocotó, instalado no bairro de Vila Medeiros, Zona Norte de São Paulo. Mais que um defensor, Rodrigo é um entusiasta “da quebrada”, como gosta de definir a região onde fica o restaurante, fundado em 1973 por seu pai, na época como um empório de produtos nordestinos. “Não preciso abrir um Mocotó em Pinheiros; quero que os bares e restaurantes de Pinheiros venham para a Quebrada”, diz o chef, que, durante a pandemia, começou a preparar e doar marmitas e cestas de alimentos orgânicos a milhares de pessoas carentes que vivem no entorno do estabelecimento. O Mocotó chegou a doar 3.000 refeições num dia – “mesmo sem saber se iria conseguir reabri-lo um dia”, lembra Rodrigo – e atualmente atende a 400 famílias, com a doação de refeições e cestas básicas.
Nesta entrevista exclusiva ao Metrópoles, realizada numa mesa do Mocotó, Rodrigo Oliveira fala da gastronomia atual, da Quebrada e das expectativas com a nova temporada do Masterchef Brasil. “Acho que sou o lado mais passional, talvez romântico do reality show”, conta.
No Masterchef Brasil temos a impressão de que cada jurado interpreta um personagem, uns são mais duros, outros parecem ter o coração mais mole. Qual vai ser o seu papel no programa?
Olha, acho que eu represento um recorte importante, dessa galera periférica que foi chegando, encontrando um espaço, que são os nordestinos, um grupo muito numeroso na gastronomia paulistana ou mesmo na brasileira, mas que não têm muito lugar de fala. É a turma dos balcões de sushi, do fogão – seja o de cozinha italiana, seja espanhola ou qualquer outra –, essa gente que não aparece na revista ou na TV. De alguma forma, eu espero dar luz para esse grupo que é subestimado em termos de oportunidades.
Nesta temporada, tem algum concorrente com esse perfil?
Sim. Vou dar um semi-spoiler: na gravação de hoje, tivemos uma prova supertécnica, superdifícil, que poderia estar, por exemplo, na edição dos profissionais. E quem ganhou foi uma mulher periférica, casca-grossa, que já passou por um monte de coisa na vida e que está lá se representando o filho e a comunidade dela. E ela brilhou, fez uma apresentação de gala. Foi lindo.
Até que ponto um reality show como esse reproduz a tensão de uma cozinha profissional?
O tempo de prova é muito curto e a cozinha é 100% real, não tem truques. O que a gente vê na TV é o que a pessoa produziu e todo mundo cozinha em igualdade de condições, com os melhores ingredientes, os melhores utensílios, os melhores equipamentos. A gente começou com noventa candidatos para chegar em dezoito que recebem os aventais. E esses dezoito já começam a ser treinados.
Treinados? Como assim?
Aulas de técnicas básicas de cozinha, de confeitaria, para que realmente evoluam ao longo do programa. E essa coisa de cozinhar na frente das câmeras, no mesmo ambiente, repetidamente, vai aumentando traquejo deles. Então, a gente vê uma evolução muito grande e completamente verdadeira. Não tem nenhum tipo de favorecimento, é real e claro. Nos momentos de estresse, a TV evidencia os dramas, as tensões, os momentos de emoção. Mas é simplesmente um reforço, uma luz sobre algo que está acontecendo ali.
Um programa como o MasterChef ajuda as pessoas a comerem melhor?
Não necessariamente, porque às vezes você está assistindo um programa de culinária enquanto come um pedaço de pizza congelada que passou três minutos do micro-ondas. Mas a TV acaba substituindo um papel centralizador que a cozinha tinha, de todo mundo se reunir em torno do fogo. O fogo foi o grande elemento agregador das civilizações. E aí, conforme a gente foi perdendo essas relações com a cozinha, a TV acabou ocupando esse espaço. Talvez o programa ajude a abrir um monte de janelas na cabeça das pessoas. Por exemplo, só fui conhecer certos produtos, certos preparos dentro desse universo gastronômico, quando entrei na faculdade, com 23 anos. A TV acaba aproximando isso de muita gente que talvez possa se permitir, talvez, uma vez no ano, ir num restaurante do Erick Jacquin, da Helena Rizzo, do Henrique Fogaça ou da Paola Carosella.
O restaurante Mocotó completa 50 anos em 2023. O que te dá mais orgulho nessa história?
Um dos grandes motivos de orgulho é ele estar aqui ainda. Porque o Mocotó é um restaurante improvável, um restaurante de comida sertaneja na periferia de São Paulo e que é reconhecido internacionalmente como um grande restaurante, um destino gastronômico. Quando a gente começou, éramos eu, meu pai e mais três pessoas. Fazíamos tudo: abríamos a casa, cozinhávamos, servíamos, bagunçávamos, limpávamos de novo e fazíamos compras, no fim do expediente, com o apurado do dia. Se eu traçasse uma estratégia que nos trouxesse até aqui, isso iria soar utópico demais. Então, a minha intuição era, e continua sendo, a de que a gente deve fazer o restaurante um pouquinho melhor a cada dia. Tudo que a gente faz hoje, tenho a sensação que é capaz de fazer melhor, principalmente agora que temos uma baita equipe, com quase cem pessoas trabalhando só na Vila Medeiros, e uma estrutura – e eu falo sem modéstia porque é algo que foi construído com muita luta – impecável, digna, talvez, dos melhores restaurantes e hotéis do Brasil.
Que avaliação você faz da gastronomia de São Paulo atualmente?
Não vou falar de uma coisa que falta mas de uma coisa que sobra: São Paulo não precisa de mais hamburguerias. Eu acho muito legal empreender com comida mas por que não fazer empanadas? Por que não fazer uma infinidade de comidas de rua? Se quiser fazer sanduíche mesmo, dentro desse nicho tem milhares de coisas legais. E quem está falando é um cara que adora hambúrguer. Mas o que talvez esteja faltando é aproximar as cozinhas brasileiras que estão distantes do nosso radar. Por exemplo, a cozinha pantaneira, a cozinha do Norte do país. Tem uma coisa na gastronomia de hoje que é um contrassenso: quanto mais exclusivo, quanto mais raro, quanto mais caro, quanto menos gente, melhor. Aqui no Mocotó a gente subverte um pouco essa lógica: quanto mais gente puder entrar, melhor.
Mas você chegou a ter durante cinco anos, ao lado do Mocotó, o Esquina Mocotó, com uma proposta de gastronomia e serviço mais exclusivos, e que conquistou uma estrela no Guia Michelin. Por que ele fechou?
O Esquina Mocotó foi o período de maior crescimento, de maior criatividade, mais desenvolvimento que a gente já teve e deixou duas grandes lições, importantíssimas: a primeira é que a Vila Medeiros pode ter um restaurante estrelado. E a segunda é que a Vila Medeiros não precisa de um restaurante estrelado. Mas de alguma forma a linguagem dele não se relacionava com o nosso entorno. As pessoas não se sentiam à vontade mesmo ele tendo sido nosso restaurante mais premiado de todos. O Ricardo Garrido, da Companhia Tradicional de Comércio, me perguntou há muitos anos, se eu queria abrir o Mocotó em Pinheiros. Ele disse que seria um sucesso, iria bombar. Fico superfeliz de ouvir isso mas acho que Pinheiros não precisa do Mocotó, a Vila Medeiros precisa. Vou seguir trabalhando para que a Vila Medeiros um dia tenha casas como um Pirajá, uma pizzaria Bráz.
Por que você abriu um Mocotó na Vila Leopoldina e não no Tatuapé (em 2022, Rodrigo Oliveira recebeu uma mensagem por rede social, de uma cliente que esteve no Mocotó, moradora do Tatuapé, de nome Sandra que, com alta dose de preconceito, se disse decepcionada pela “localização tão perigosa e precária” do restaurante)?
Eu adoro o Tatuapé. Quando aconteceu toda aquela história com a Sandra, muita gente do Tatuapé veio falar em defesa do Mocotó. Não tive oportunidade de falar com aquela cliente, mas adoraria andar com ela pelo bairro, apresentar as pessoas e mostrar o quão seguro ela estará, que ela deveria voltar aqui para comer uma feijoada no Salsa, uma galinhada no Dema e um pastel na Sueli.
O que a Quebrada representa para você?
Bom, a gente sabe de tudo que não tem aqui, né? As mazelas todas, a falta de aparelho social, a falta de lazer, a falta de área verde, a falta de alimento in natura. Quando a gente fala de alimentos orgânicos, a periferia é um deserto alimentar. Mas o que tem aqui? Tem gente, e gente de verdade, gente muito interessante, trabalhadora, gente que rala, que é a vida da grande maioria da população. Em áreas ricas da cidade, não se fala, por exemplo, na comunidade dos Jardins, na comunidade da Vila Nova Conceição, porque são pessoas que têm tanto, em termos materiais, que elas de certa forma se bastam assim, né? Agora, quando se está na periferia, você está sempre precisando de alguém. Tem sempre alguém precisando de você, da rede de apoio de um vizinho, de um amigo. Então, o sentido de comunidade realmente acontece aqui.