O que se sabe sobre o caso do estudante de medicina morto por PM em SP
Estudante de 22 anos foi morto com tiro à queima-roupa disparado por um PM na zona sul de SP. Polícias Civil e Militar investigam o caso
atualizado
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São Paulo — O estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, morreu após levar um tiro à queima-roupa de um policial militar durante uma abordagem dentro de um hotel na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, na madrugada da última quarta-feira (20/11).
Uma câmera de segurança do estabelecimento registrou a ação. Pelas imagens (assista abaixo), é possível ver o momento em que Marco Aurélio entra correndo no hotel. Ele está sem camisa. O soldado da PM Guilherme Augusto também entra, logo em seguida, e puxa o jovem pelo braço, com a arma em punho.
O estudante consegue se desvencilhar, quando outro policial, o soldado Bruno Carvalho do Prado, aparece e lhe dá um chute. O jovem segura o pé do PM, que se desequilibra e cai para trás. Nesse momento, o PM Augusto dá um tiro em Marco Aurélio.
Vídeo desmente versão de PMs
No boletim de ocorrência (B.O.), os PMs alegaram que Marco Aurélio Cardenas estaria “bastante alterado e agressivo” e teria resistido à abordagem policial.
Além disso, o documento aponta que, “em determinado momento, [Marco Aurélio] tentou subtrair a arma de fogo que o soldado Prado portava, quando então o soldado Augusto efetuou um único disparo, a fim de impedi-lo”.
As imagens do circuito interno do hotel mostram, no entanto, que o PM Augusto atirou após o soldado Prado dar um chute no estudante, ter a perna segurada por ele e cair para trás, desequilibrado. No vídeo (assista acima), não é possível ver Marco Aurélio tentando pegar a arma do agente — ao contrário do que foi narrado na delegacia.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), antes do momento registrado no hotel, o estudante “golpeou a viatura policial e tentou fugir”. A pasta também informou que os PMs prestaram depoimento, foram indiciados em inquérito e permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações — as polícias Militar e Civil apuram o caso.
Além disso, a SSP afirmou que as imagens registradas pelas câmeras corporais serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), apesar de a informação não constar oficialmente no boletim de ocorrência.
Câmeras corporais
As câmeras corporais dos dois policiais militares envolvidos na abordagem que matou Marco Aurélio estavam ligadas e registraram o ocorrido.
Fontes que acompanham a investigação confirmaram ao Metrópoles a informação — que contraria o relatado na primeira versão do B.O., na qual as câmeras corporais constavam como desligadas.
O vídeo registrado no hotel mostra as luzes das câmeras corporais piscando, o que indica que a abordagem foi filmada.
Briga
Segundo o relato de uma testemunha à Polícia Civil, identificada como Gabriele Mantey Caetano Elias, o estudante teria pedido para encontrá-la momentos antes do ocorrido.
Ela conheceu a vítima há cerca de dois anos, quando trabalhava como garota de programa. Com o passar do tempo, eles desenvolveram uma relação de afinidade, mas ela continuou cobrando pelos encontros. Por conta disso, atualmente, o jovem lhe devia em torno de R$ 20 mil.
Na noite do ocorrido, Marco Aurélio enviou uma mensagem por volta das 1h30 da madrugada de quarta (20/11) querendo encontrar a mulher e ficar com ela novamente.
Gabriele contou em depoimento que topou encontrá-lo, mas que não pretendia ter relações sexuais. Ela iria cobrar a dívida e ir embora.
Os dois foram ao Hotel Flor Da Vila Mariana, local que já frequentavam. Lá, eles pagaram somente por 1h de permanência. No quarto, Marco Aurélio lhe entregou R$250, e Gabriele lhe disse que iria descontar esse valor da dívida que ele tinha com ela — já que ele a impedia de trabalhar por ciúmes, ao mesmo tempo em que não quitava o que devia.
Nesse momento, ambos começaram a brigar. Quando a jovem tentou fechar a porta, ela sofreu uma agressão na cabeça e foi empurrada para longe da porta.
A jovem acredita que o recepcionista tenha ouvido o que ela disse e acionado a Polícia Militar. Ela conseguiu sair correndo do quarto, desceu as escadas e se escondeu em um cômodo para chamar um carro de aplicativo.
Abordagem
Enquanto estava nesse cômodo, Gabriele disse ter avistado Marco Aurélio no portão de acesso do hotel, cercado por dois policiais militares. Segundo ela, um dos agentes perguntou ao estudante por qual motivo ele teria batido na viatura. Então, o recepcionista colocou Gabriele em um local em que ela não conseguia ver mais nada.
Foi nesse momento que ela ouviu um disparo de arma de fogo e viu, depois, Marco Aurélio caído no chão.
Quando o resgate chegou, o estudante estava acordado e gritava. Gabriele o acompanhou até o hospital, dentro do veículo. Chegando lá, no Hospital Ipiranga, ele foi atendido e ela ficou do lado de fora.
A família do estudante chegou ao local e começou a ofender Gabriele, segundo ela. A jovem contou que o irmão dele, Pedro Cardenas Acosta, deu um soco em sua cara e a ameaçou de morte. Os policiais militares apartaram a briga e levaram Gabriele para a delegacia, onde a jovem depôs.
Quem era estudante
Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, estudava medicina na Faculdade Anhembi Morumbi e chegou a gravar músicas com o nome artístico “MC Boy da VM”. No time de futebol da universidade, o estudante era conhecido como “Bilau”.
Em seu perfil no Instagram, Marco Aurélio se descrevia como “mestre de cerimônia” e “compositor”. No Spotify, o estudante publicou duas músicas, nos anos de 2022 e 2023. O jovem fez a última publicação cerca de 30 minutos antes de morrer.
A Associação Atlética Acadêmica de Medicina Anhembi publicou nota de luto pelo estudante: “A Medicina Anhembi manifesta profundo pesar pelo falecimento do nosso querido aluno do internato, Marco Aurélio Cardenas Acosta, apelidado como ‘Bilau’”.
“Neste momento de imensa dor, nos solidarizamos com seus familiares, companheiros de time e colegas, que perderam não apenas um companheiro de jornada, mas também um amigo. Que sua memória seja sempre lembrada com carinho e que sua trajetória inspire a todos nós”, completa o texto.
O time de futebol do curso de medicina também prestou homenagens em seu perfil. “Com grande tristeza viemos comunicar através deste que nosso companheiro de time e amigo, Marco ‘Bilau’ Acosta, veio a nos deixar.”
“Nesse momento de tristeza, a Família Fut Med Anhembi expressa toda a sua solidariedade e carinho por nosso querido amigo e seus familiares. Bilau, sempre nos lembraremos de você com muito amor e carinho”, diz a publicação.
Pai
Quando soube que o filho havia sido baleado, Julio César Acosta Navarro disse que foi ao Hotel Flor da Vila Mariana, na Rua Cubatão, para ter mais informações. Ele alegou que todos os policiais lá presentes negaram ajuda. “Eles estavam mostrando uma atitude destemida, segurando armas, não prestando ajuda, não me deram informação da gravidade”, afirmou.
Julio Cesar é médico e, mesmo sem assistência policial, que lhe negou carona na viatura para o Hospital do Ipiranga, ele foi de táxi até lá para poder avaliar a situação de Marco Aurélio. No hospital, encontrou o filho em estado grave, agonizando. Quando viu o orifício da bala no centro do abdômen dele, foi se encontrar com as dezenas de oficiais que estavam em frente ao hospital para obter informações técnicas do que havia acontecido — com o intuito de, eventualmente, proporcionar mais dados para uma cirurgia bem-sucedida. Segundo Julio, ninguém prestou ajuda e o filho morreu no centro cirúrgico.
“Por que fez? Por que parecia pobre? Por que parecia estrangeiro? A maldade, a crueldade e a covardia desses caras. Não davam informação, como cúmplices. Os superiores dos superiores e chefes que até agora, sabendo de tudo isso, não fizeram nada, eu não sei o que estão esperando”, desabafou o pai.
Julio Cesar e a esposa, mãe de Marco, são de origem peruana e foram naturalizados brasileiros há mais de 30 anos. O estudante de medicina morto pelos PMs era o filho mais novo do casal e nasceu no Brasil.