O que se sabe e o que falta esclarecer sobre o ataque a escola em SP
Estudante de 16 anos que matou aluna de 17 com tiro na nuca e feriu outras duas em escola estadual de SP disse à polícia que agiu sozinho
atualizado
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São Paulo — No segundo ataque a uma escola estadual registrado este ano em São Paulo, a estudante Giovanna Bezerra da Silva, de 17 anos, foi morta com um tiro na cabeça na manhã dessa segunda-feira (23/10). O atentado aconteceu dentro da Escola Estadual Sapopemba, na zona leste da capital.
O atirador, um estudante de 16 anos do 1º ano do Ensino Médio, foi contido pela coordenadora pedagógica da escola e apreendido pela polícia minutos após o crime. Segundo alunos e o advogado dele, o adolescente sofria bullying por ser homossexual.
Para a polícia, o atirador foi incentivado a cometer o crime por integrantes de um grupo na plataforma Discord que incita a violência. A ação do grupo será investigada em conjunto pela Polícia Civil e pelo Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab), do Ministério da Justiça.
Como foi o ataque
Câmeras de segurança da escola estadual registraram a chegada do adolescente armado com um revólver calibre 38, por volta das 7h30. Ele invade uma sala de aula e ameaça os estudantes, que gritam e saem correndo.
Com um tiro à queima-roupa, ele atinge a nuca de Giovanna no momento em que ela se preparava para descer uma escadaria. Outras duas alunas de 15 anos são baleadas — uma com um tiro na clavícula e outra na região do abdômen. Um quarto estudante fica ferido na mão após quebrar uma janela para fugir do ataque.
De acordo com o boletim de ocorrência, o atirador foi contido pela coordenadora pedagógica da escola. A mulher de 43 anos conseguiu desarmar e imobilizar o aluno até a chegada da Polícia Militar.
A Polícia Civil havia informado, inicialmente, que um segundo estudante estaria envolvido no crime e que ele teria fugido. No fim do dia, no entanto, essa versão perdeu força. Até o momento, segundo as investigações, as evidências são de que o adolescente agiu sozinho.
Quem era a vítima
A estudante Giovanna Bezerra da Silva, morta no ataque à Escola Estadual Sapopemba, havia conseguido seu primeiro emprego há um mês, gostava de jogar vôlei e sonhava em ser advogada.
Os pais da adolescente ficaram extremamente abalados com a tragédia e mal conseguiam falar sobre o caso, segundo Reinaldo Lopes, vizinho da família. Ao Metrópoles, ele disse que a aluna assassinada dentro da escola era “adorável”.
Giovanna era a caçula de um casal de irmãos e havia acabado de receber seu primeiro salário, como auxiliar de escritório, o que era motivo de orgulho para todos que acompanhavam seu crescimento.
Giovanna costumava esperar os amigos sentada em um banco na frente de sua casa para ir à escola. Aplicada, era considerada uma ótima aluna. “Foi uma fatalidade, a gente entende isso. Estava na frente do atirador e não era o alvo. Eram vários alvos. E acabou acontecendo”, afirmou o vizinho.
Giovanna será enterrada nesta terça-feira (24/10) em Santo André, na região metropolitana.
Como estão as outras vítimas
As outras duas jovens atingidas por tiros estão fora de perigo, segundo o governo do Estado. As duas têm 15 anos e foram levadas para o Hospital Geral de Sapopemba. Uma delas foi atingida no lado direito da clavícula e a outra, no lado esquerdo do abdômen.
A adolescente baleada na clavícula seguia internada até a noite dessa segunda-feira e os médicos avaliam se há necessidade de cirurgia. Já a aluna ferida no abdômen recebeu alta durante a tarde.
O jovem de 18 anos que machucou as mãos com estilhaços de vidro quando fugia foi atendido e também liberado.
Histórico do atirador
Alunos e pais de estudantes da escola alvo do ataque em Sapopemba contaram que o atirador sofria bullying por ser homossexual. Alguns deles contaram que, há duas semanas, ele havia ameaçado praticar o atentado. O governo do Estado nega que tenha recebido qualquer denúncia nesse sentido.
Seis meses antes do ataque, a mãe do adolescente registrou um boletim de ocorrência de ameaça e lesão corporal. Vídeo obtido pelo Metrópoles mostra agressão sofrida pelo jovem dentro da sala de aula. O episódio teria ocorrido em junho (veja abaixo).
A investigação aponta que o adolescente de 16 anos contou à mãe, em abril deste ano, que vinha recebendo ameaças on-line de pessoas que pareciam ser de “grupos rivais”. As ameaças eram feitas nas redes sociais.
Em alguns vídeos postados no TikTok e no Instagram, o adolescente aparece chorando após sofrer violência física. As redes sociais eram usadas por ele, seus seguidores e um grupo rival para alimentar desavenças entre os jovens.
Arma do crime
Para cometer o atentado, segundo as investigações, o adolescente pegou a arma e as munições usadas no crime na casa do pai, na região do ABC, no final de semana. O material estava guardado em locais distintos da casa e o jovem precisou “vasculhar” os cômodos para encontrar.
O revólver calibre 38, que estaria no colchão, estava registrado desde 1994 em nome do pai do adolescente, que ainda não foi ouvido pela polícia.
Ainda de acordo com as investigações, o jovem falou sobre o crime em um grupo da rede social Discord que incentiva violência. Ele teria sido incentivado por outras pessoas que estavam no grupo a seguir com o plano de atacar a escola.
Em depoimento à polícia, ele afirmou que agiu sozinho. Ele foi transferido no início da noite para uma unidade da Fundação Casa. A audiência de custódia deve ocorrer nesta terça-feira (24/10).
O que diz a defesa
O advogado do jovem atirador, Antonio Edio, reforçou a versão apresentada pelo adolescente à polícia e disse que ele não teve ajuda de ninguém para praticar o crime.
“Ele não comentou [que faria o ataque] com ninguém, foi uma decisão dele, na mente dele, na visão dele, para tentar sair dessa forte pressão que ele sofria devido a esse bullying.”
O advogado afirmou, ainda, que o adolescente e sua família haviam pedido ajuda diversas vezes ao poder público para lidar com a questão do bullying, mas que não teriam conseguido atendimento adequado.
Por isso, na opinião do advogado, o Estado foi “omisso” com o caso e “poderá e deverá” também ser responsabilizado pelo atentado.
Repercussão
Autoridades de todo o país se manifestaram sobre o ataque ocorrido na escola de Sapopemba. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lamentou o caso nas redes sociais.
“Recebi com muita tristeza a notícia do ataque na Escola Estadual Sapopemba, zona leste de São Paulo. Meus sentimentos aos familiares da jovem assassinada e dos estudantes feridos. Não podemos normalizar armas acessíveis para jovens na nossa sociedade e tragédias como essas”, escreveu Lula.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse ter ficado “consternado” com a tragédia e admitiu que pode ter havido alguma falha em sua gestão ao não conseguir evitar um novo ataque, sete meses após um atentado à faca que matou uma professora em uma escola estadual na zona oeste paulistana.
“Se você me perguntar se eu tenho todas as respostas para lidar com esse tipo de situação, eu sinceramente não tenho. Ninguém quer ver alunos morrendo. Ninguém quer isso. A sensação que fica é de frustração. O governo falhou? Provavelmente, falhamos em alguma coisa. A gente não queria ter falhado”, disse Tarcísio, em entrevista coletiva em frente à escola horas após o crime.
O governo determinou suspensão das aulas na Escola Estadual Sapopemba por 10 dias, para que pais, alunos e professores possam receber a devida assistência. Ele também prometeu concluir a contratação de vigilância privada para as escolas estaduais e aumentar o número de psicólogos da rede estadual — atualmente, são 550 para atender mais de 5 mil escolas.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também falou sobre o crime nas redes sociais. “Meus sentimentos aos amigos e familiares neste momento de dor. Torço pela pronta recuperação dos feridos socorridos ao hospital do bairro. A polícia já prendeu o atirador. Estou em contato com o Estado para oferecer o suporte necessário”, postou.
O que falta esclarecer
A polícia ainda busca esclarecer se o autor do ataque à Escola Estadual Sapopemba realmente agiu sozinho, como ele alega, e se ele foi incentivado por integrantes de grupos que incitam a violência no Discord, uma plataforma de interação bastante utilizada por jovens.
Também falta esclarecer a motivação dos crimes contra as três alunas baleadas. A defesa do estudante afirma que o alvo eram dois jovens que praticavam bullying pelo fato de ele ser homossexual e que as garotas foram atingidas acidentalmente.
Vídeos mostram, contudo, que ele matou Giovanna com um tiro à queima-roupa na nuca, em uma situação em que não havia mais ninguém na frente dele. Na briga filmada dentro da sala de aula, que teria ocorrido em junho deste ano, o autor do atentado é agredido por alunas e revida.