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No tabuleiro do PCC: como funciona o “tribunal do crime”

Facção paulista, PCC organiza julgamentos paralelos para punir desvios e também avaliar denúncias encaminhadas por comunidades carentes

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São Paulo — Com sentenças sumárias e condenações que vão do espancamento à pena de morte, o Primeiro Comando da Capital (PCC) instituiu um modelo paralelo de Justiça para punir o que considera “desvio de conduta” ou violação ao seu estatuto por membros da facção criminosa paulista. São os chamados “tribunais do crime”, também conhecidos internamente como “tabuleiros”.

Nos últimos anos, a “Justiça” paralela implantada pelo PCC passou também a “solucionar” demandas criminais e morais nas periferias das cidades, preenchendo lacunas deixadas pelo estado. Essa atuação é investigada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).

Especialista em “tribunal do crime”, o delegado Cristiano Luiz Sacrini Ferreira, do Setor de Homicídios e de Proteção à Pessoa de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, diz que há uma similaridade simbólica entre a Justiça paralela criada pela facção que comanda o tráfico internacional de drogas no país e os julgamentos legítimos feitos pelo Poder Judiciário brasileiro.

A facção criminosa paulista realiza seus julgamentos intimando os acusados a prestarem satisfação e ouvindo testemunhas. Após avaliar os depoimentos e as provas coletadas, o tribunal do PCC chega a um veredicto. Na maioria das vezes, é aplicada a pena de morte.

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Jovem apanha após receber sentença de espancamento em tribunal do crime
Jovem apanha após receber sentença de espancamento em tribunal do crime
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Evandro foi torturado por três dias e assassinado, após sentença do tribunal do crime do PCC

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Jovem apanha após receber sentença de espancamento em tribunal do crime

O delegado iniciou seu trabalho na região em 2020, quando começou a identificar, a partir da análise de estatísticas, um modo de ação em alguns homicídios.

Cristiano Ferreira notou que os assassinatos ligados aos justiçamentos eram silenciados por causa das ameaças e do medo impostos pelo crime organizado nas comunidades carentes onde eles ocorriam.

“Eles [criminosos] usam as comunidades para que elas sejam o escudo dos atos ilegais cometidos por eles, visando ao lucro. O crime organizado está ali por uma razão: para arregimentar jovens ou servir a outros [jovens] que buscam ascensão social, mesmo que efêmera”, afirma o delegado.

O titular do setor da Polícia Civil diz ainda que os criminosos resolvem problemas, por meio dos tribunais, para manter o controle da comunidade, terem liberdade de ação e, com isso, afastarem ainda mais a presença do estado,  a fim de garantir maiores lucros de suas atividades ilegais — majoritariamente, o tráfico de drogas.

De 2020 até o momento, o SHPP identificou a forma de agir de várias lideranças dos tribunais, das quais 11 já foram presas.

Os “tribunais do crime”

O que é chamado de “tribunal do crime” foi instituído no início dos anos 2000 por Marcos Herbas William Camacho, o Marcola, apontado como líder máximo do PCC, quando ele criou o setor de “disciplinas” dentro da facção.

Os indivíduos nessa posição são responsáveis por garantir o cumprimento das regras da organização, podendo aplicar punições caso elas sejam descumpridas. Para isso, porém, é necessário um julgamento cuja sentença é dada por criminosos do alto escalão da facção.

Investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, mostram que Marcola descentralizou as ações financeiras do PCC, dividindo-as em células, ligadas a outras maiores, que chegam a um núcleo central.

A figura do disciplina nasceu para servir como uma espécie de “corregedor” das ações financeiras do PCC. Com o tempo, ele passou a julgar qualquer demanda apresentada, em um sistema de justiça marginal, pautado nos preceitos do PCC. Foi assim que nasceram os tribunais do crime.

Cada comunidade, atualmente, segundo as investigações, conta com a figura do disciplina. Eles recebem as queixas dos moradores, ouvem testemunhas, coletam provas e marcam uma data para o julgamento.

Os “réus” são intimados verbalmente ou por mensagens de celular, com dia e horário do julgamento. Eles podem apresentar suas defesas e também levar testemunhas.

Há registros de que réus são torturados para assumir crimes, mesmo que testemunhas digam que eles são inocentes. Foi o que aconteceu com um rapaz identificado somente como Evandro, de 32 anos.

Cristiane Klem de Oliveira, a “Galega”, apontada como liderança do PCC no ABC paulista

“Aqui sou eu quem manda”

Evandro se envolveu em uma briga de bairro com uma conhecida, no ano passado, em uma favela de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Segundo a polícia, a moça estaria embriagada e acompanhada de um homem identificado como “Japa.”

Durante o bate-boca, a mulher afirmou, sem apresentar prova, que Evandro a teria estuprado quando eram crianças. Depois disso, membros do PCC foram chamados para assumir a contenda.

O caso foi encaminhado para Cristiane Klem de Oliveira, a “Galega”, apontada como liderança da facção na favela.

Mesmo sem provas e com testemunhas afirmando que Evandro era inocente, “Galega” o condenou à morte. A criminosa teria batido no peito e afirmado que “aqui sou eu quem manda”, segundo relatado à polícia.

Antes de ser morto, Evandro foi torturado por três dias. “Galega” foi presa em julho do ano passado. A defesa dela não havia sido encontrada até a publicação desta reportagem.

Sintonia dos disciplinas

As deliberações finais sobre as sentenças de morte nos tribunais do crime são feitas por membros da chamada “sintonia dos 14”. São membros do PCC responsáveis por coordenar o cumprimento das regras da facção em 14 regiões específicas da capital, Grande São Paulo e interior. Por telefone, videoconferência e, em alguns casos, pessoalmente, são os sintonias que “batem o martelo” nos tribunais paralelos.

Um deles foi morto em confronto com o Grupo de Operações Especiais, em outubro de 2021, em um prédio de classe média alta. Danilo de Carvalho Reis, o “Rabicó”, compunha o quadro da sintonia dos 14, sendo o responsável pelo cumprimento do código do crime nas sete cidades do ABC paulista.

A polícia chegou até ele, após familiares de dois homens apontados como agiotas denunciarem a execução da dupla. Os homens teriam feito um empréstimo para uma mulher, parente de um membro do PCC, e passaram a cobrá-la.

Danilo de Carvalho Reis, o “Rabicó”, compunha o quadro da “sintonia dos 14” do PCC

Ela teria passado a situação para a facção, que, além de considerar os agiotas culpados, sentenciando-os à morte, também se interessou pelo dinheiro que as vítimas deixariam após as execuções.

A decisão foi decretada por Rabicó, numa conferência com os outros membros da cúpula disciplinar do PCC. A ordem foi repassada por telefone aos participantes do julgamento, realizado em abril de 2021 na favela do Montanhão, em São Bernardo. As vítimas foram assassinadas e enterradas ali mesmo, em um cemitério clandestino.

Registros da Polícia Civil mostram que, em alguns casos, as vítimas são obrigadas a cavarem suas próprias covas, nas quais entram e são executadas em seguida.

Após a morte de Rabicó, a sintonia disciplinar final do ABC foi assumida por um criminoso identificado somente como Puma, que foi preso em março deste ano. Na ocasião, o criminoso teria afirmado ter participação na condenação à morte de ao menos 40 pessoas.

Prisão de chefão dos tribunais

Na última quarta-feira (10/5), Marcel Horácio Pereira, de 42 anos, que atua para a facção paulista em âmbito nacional, foi preso no Paraná durante uma megaoperação contra o crime organizado, deflagrada em 13 estados brasileiros.

Apontado como o responsável pelos julgamentos paralelos do PCC, ele foi uma das 14 lideranças da facção presas durante a ação conjunta, coordenada pelo MPSP.

Marcel também é suspeito de envolvimento na explosão de um muro da Penitenciária Estadual de Piraquara 1 (PEP 1), na região metropolitana de Curitiba (PR), em janeiro de 2017. Na ocasião, 23 presos fugiram pelo buraco aberto na estrutura.

O Metrópoles apurou que ele estava em liberdade havia pouco mais de um ano, graças a um livramento condicional. Com ele, foram apreendidos R$ 32 mil, sem origem comprovada.

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