“Não quero policial que não usa câmera”, diz ex-chefe de Los Angeles
Ex-chefe de polícia de Los Angeles afirma que quem pensa que câmeras corporais atrapalham o bom trabalho deve ser expulso da corporação
atualizado
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Recife — Os chefes de polícia norte-americanos que participaram do Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), no Recife (PE), nesta semana, foram questionados por um policial brasileiro, durante uma conferência a respeito do uso de câmeras e, ao menos durante a exposição, ficou evidente um “choque de cultura” sobre como o uso do equipamento ainda é um tabu a ser desmistificado no Brasil.
O policial brasileiro questionou os chefes americanos dizendo que, aqui, um agente precisa justificar até mesmo o uso de algemas, a abordagem e o que fez com que sacasse a arma. Também afirmou que, no Brasil, um policial encara tiroteios mais frequentemente do que nos Estados Unidos, onde isso seria algo mais raro. Isso tudo contribuiria, na sua visão, para uma resistência maior ao uso da câmera. “O que aflige é a gama de normatizações que envolvem a atuação”, disse.
O policial brasileiro afirmou também que há pessoas que defendem o uso de câmeras com “interesses escusos” para colocar os agentes “contra a parede, intimidá-los na sua ação” e “inibir a ação policial”.
O argumento é semelhante ao usado pelo secretário da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, Guilherme Derrite, durante audiência da comissão da Assembleia Legislativa, em março deste ano, quando alegou que o uso de câmeras foi responsável por uma suposta queda na produtividade policial. “A utilização das câmeras reduziu todos os números: prisões, apreensões de armas, abordagens. (… ) Reduziu uma série de coisas que nos leva a crer que inibiu a atividade policial”, afirmou o secretário, na ocasião.
Michel Moore, ex-chefe de Polícia de Los Angeles e membro da Associação Internacional dos Chefes de Polícia (IACP), respondeu ao policial brasileiro no Recife que, na polícia americana, a justificativa sobre como se aborda e conduz um indivíduo é uma exigência constitucional. “Também há exigência para que o policial justifique o uso de algemas. Na polícia americana, a partir da última década, toda vez que um policial pega e aponta a sua arma, isso deve ser justificado”, disse.
“Ele vai ser questionado, sim. Tem que ter uma fundamentação para algemar alguém, parar um carro”, afirmou o ex-chefe de polícia.
Segundo Moore, a câmera demonstra que se está seguindo a lei e identifica as oportunidades de treinamento e desenvolvimento. Também serve para deixar claro o que se espera da polícia.
Moore afirmou que quem pensa que as câmeras atrapalham o bom trabalho deve ser extirpado da polícia.
“Isso é uma visão desatualizada. São esses indivíduos que devem ser postos para fora, não deveriam existir [na corporação]. Aqueles que falam ‘vou desligar essa câmera’, ‘não vou fazer o serviço, porque tenho que gravar’. Esses policiais, nós não queremos na nossa polícia, não”, afirmou.
Já o ex-subcomandante da polícia de Baltimore, Martin Bartness, disse que a profissão é desafiadora e “nada mais desafiador do que as comunidades aqui do Brasil”. “A seleção [dos policiais] é criticamente importante para que tenham o temperamento, os valores para se fazer o trabalho bem feito. Há muitos fardos, não se enganem”, disse.
Bartness afirmou que, assim como havia dito Moore, existe uma “obrigação fundamental de seguir a constituição e as leis do estado”. “Isso requer dar explicações quando agimos e usamos a força. Precisamos ser capazes de explicar em toda ocasião porque determinadas decisões foram tomadas. Se seguirmos a lei e a Constituição, então não vamos ter problemas com isso”, disse.
Ele afirmou que, em Baltimore, houve um escândalo envolvendo um grupo de dez policiais que resistiam à implementação das câmeras e eram conhecidos por tirar das ruas gangues violentas, mas faziam isso “contribuindo para o problema da mesma forma que o resolviam”. “Tá, por que eles eram tão resistentes ao uso de câmeras? O que eles estavam escondendo? Nós descobrimos o que eles estavam escondendo e, agora, eles estão numa prisão federal”, afirmou.