Mulheres relatam abuso de médico acusado de estupro há mais de 10 anos
Metrópoles já identificou oito casos em que o médico proctologista Paulo Augusto Berchielli, de 63 anos, é acusado de abusar de pacientes
atualizado
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São Paulo — Um inquérito policial e um depoimento colhido pelo Metrópoles indicam que o médico proctologista Paulo Augusto Berchelli, de 63 anos, acusado de estuprar ao menos seis mulheres dentro de sua clínica em São Paulo, abusava sexualmente de suas pacientes há mais de duas décadas. Ele teve a prisão decretada pela Justiça e estava foragido até a noite de sexta-feira (27/10).
O crime mais antigo atribuído ao médico levantado pela reportagem até o momento ocorreu há 25 anos, segundo relatado pela própria vítima, atualmente com 41 anos (leia mais abaixo). Há também um caso, registrado em boletim de ocorrência há dez anos por uma auxiliar de serviços gerais que já foi arquivado a pedido do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que alegou “insuficiência de provas”.
A vítima relatou em depoimento à Polícia Civil que, na manhã do dia 21 de fevereiro de 2013, foi à clínica de Berchielli (foto em destaque) para buscar os resultados de exames para o tratamento de hemorroida. Para fazer a consulta, a mulher afirmou que o médico pediu para que ela tirasse toda a roupa, o que lhe causou estranhamento. Ela negou.
O médico cirurgião então, ainda segundo a vítima, perguntou se poderia colocar o dedo dentro do ânus da mulher, que se negou. Ele insistiu alegando que ela “não sentiria nada”, além de perguntar se ela já havia feito sexo anal. “É gostoso. É só lubrificar direitinho que não dói nada”, teria dito o médico.
“Pênis nas nádegas”
Após a negativa da paciente, o cirurgião teria pedido para ela tirar a blusa, para ouvir seus batimentos cardíacos. Ela, mais uma vez, se negou. Por fim, ele teria solicitado que a mulher ficasse de costas para ele, para que ele pudesse auscultar os pulmões dela.
“Em certo momento, o autor encostou o pênis nas nádegas da vítima e se esfregou nela, estando ambos vestidos, dizendo que a vítima precisava mexer para ele conseguir ouvir seus batimentos cardíacos [dela]'”, diz trecho de registro policial.
A mulher se afastou e afirmou à polícia que, após isso, o médico teria colocado as mãos em seus seios. A vítima ainda relatou que, depois de solicitar o atestado médico comprovando sua consulta, Berchielli teria afirmado que só lhe entregaria o documento se ela “desse mais uma mexidinha”.
Ao ser alertado pela vítima de que ela pretendia gritar caso ele não a liberasse, com o documento solicitado, ele entregou o atestado.
Um inquérito policial foi instaurado pela 5ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), na zona leste de São Paulo, para apurar a denúncia. Após a investigação ser encaminhada ao MPSP, o caso foi arquivado.
Segundo a decisão, obtida pelo Metrópoles, o médico negou “veementemente” ter esfregado o pênis na nádega da vítima e ter passado as mãos em seus seios. “Por derradeiro, afirmou que entregou o atestado médico sem qualquer exigência libidinosa”.
No pedido de arquivamento, a promotora Mara Silvia Gazzi alega que as provas eram “insuficientes” e havia “versões contraditórias [dadas] pelas partes”.
“Somente contamos com as versões apresentadas pelas partes, motivo pelo qual não podemos rechaçar a versão apresentada pelo averiguado [médico]. Frise-se que não há testemunhas do fato. Somente contamos com a palavra da vítima acerca da possível prática do delito pelo averiguado, o que se mostra insuficiente para dar início a uma ação penal”, diz trecho da decisão.
O MPSP assim como o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afirmaram que não iriam comentar sobre o arquivamento do caso pelo fato de ele estar em segredo de Justiça.
Salva por um telefonema
Outro caso de abuso sexual envolvendo o médico teria ocorrido há 25 anos. Ao Metrópoles, uma mulher que tem atualmente 41 anos afirmou que, quando era adolescente, foi vítima de uma tentativa de estupro durante um atendimento feito pelo proctologista.
Na época, ela não registrou nenhum boletim de ocorrência. Após a repercussão das denúncias de estupro mostradas pelo Metrópoles, ela decidiu formalizar sua denúncia junto à polícia, mesmo que isso, segundo ela, “tenha um valor simbólico” porque ocorreu há muito tempo.
“Eu era uma adolescente e era a minha palavra contra a de um médico na época. Eram outros tempos”, lembra.
Segundo a vítima, que morava na zona leste de São Paulo e atualmente reside em outro estado, Berchielli chegou a pedir para a então adolescente tirar a calça e a roupa íntima.
“Depois ele me virou de costas, jogou um lençol sobre a minha cabeça. Aí, ouvi o som do zíper da calça dele abrindo. Então, o telefone da sala dele tocou e ele foi atender, mas pediu para eu ficar como estava”, relata.
A vítima não obedeceu ao pedido do cirurgião, vestiu-se e correu até a avó, que a esperava do lado de fora da sala na clínica de Berchielli, no mesmo endereço onde outros casos de crimes sexuais teriam acontecido.
“Eu fiquei em choque, não conseguia falar para a minha avó [o que tinha acontecido]. Só consegui relatar depois, quando encontrei com minha mãe”.
Defesa, Cremesp e polícia
Procurado nessa sexta-feira, o advogado Daniel Bialski afirmou, em nota enviada ao Metrópoles, refutar e negar as acusações feitas contra o médico. O defensor disse ainda ter firme convicção de que a inocência do cirurgião “será comprovada durante o processo”.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) afirmou que investigaa o cirurgião, “sob sigilo determinado por lei”. “O Conselho esclarece, ainda, que, até o momento, não foi notificado oficialmente sobre o mandado de prisão”, afirma o órgão.
Por meio da Secretaria da Segurança Pública (SSP), a 5ª DDM afirmou que segue com diligências “para localizar e prender o autor”.