“Só mulher nua entra no Masp?” Como museu usa a arte para virar o jogo
Masp reconhece desafio da representatividade e avança em exposições mais plurais. Internamente, mulheres são 50% em cargos de poder do museu
atualizado
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São Paulo — Em 2017, um cartaz doado ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) chamou a atenção dos visitantes. “As mulheres precisam estar nuas para entrar no Masp? Apenas 6% dos artistas do acervo em exposição são mulheres, mas 60% dos nus são femininos”, provocaram as artistas do Guerrilla Girls, um grupo de ativistas feministas que usam fatos, humor e imagens para expor preconceitos étnicos, de gênero, e a corrupção na política, na arte, no cinema e na cultura pop.
Assim, elas chamam a atenção para o fato de que, na formação histórica dos acervos dos museus, as mulheres foram valorizadas pela representação de seus corpos nus em detrimento de suas produções artísticas. O cartaz das artistas continua no Masp, desde então, levantando questões que não são apenas locais, mas universais.
Mas o que mudou em relação à presença feminina desde 2017? Há mais diversidade no Masp? Em busca de respostas, o Metrópoles procurou a gestão atual do primeiro museu moderno do país. E a resposta é: sim!
O número de artistas mulheres do acervo em exposição foi de 6% para 23,3% desde que o cartaz chegou por ali em 2017. São 24 exposições individuais de artistas mulheres desde aquele ano. Entre 2014 e 2024, 490 obras de artistas mulheres foram doadas ao Masp.
Estudos apontam que 30% seria uma proporção ideal. “Nós, dentro da curadoria do Masp, temos a ambição de chegar em muito mais. É um tema que faz parte das nossas discussões: ter uma apresentação paritária de artistas mulheres e artistas homens. E artistas mulheres, vale dizer isso, é uma instituição que tem em sua coleção trabalhos de várias mulheres trans. O primeiro trabalho de uma mulher assumidamente trans que entrou na coleção do museu foi justamente no ano de 2017”, disse Amanda Carneiro, curadora do museu, ao Metrópoles.
Passado, futuro, presente
A virada começou em 2015, dois anos antes do cartaz que segue exposto e logo após Adriano Pedrosa assumir a atual direção artística do Masp, em 2014. Pedrosa organizou várias exposições, incluindo a série dedicada às Histórias: narrativas inacabadas e fragmentadas de pontos de vista de povos e sociedades marginalizadas. Durante sua gestão, segundo dois especialistas consultados, é visível que os trabalhos expostos ali tornaram-se mais diversos, inclusivos e plurais.
“O museu se coloca de maneira aberta para a comunidade que frequenta, justamente para que a gente caminhe junto nesse assunto. Eu acho que o Masp é o único museu no Brasil, atualmente, que deixa bastante explícito que a representatividade é um tema abordado pela sua coleção. Não foi por acaso esse post do Guerrilla Girls exposto nas nossas redes sociais”, disse Amanda.
Em 2018, o Masp estendeu uma bandeira que perguntava onde estão os negros na arte. “Se lá no começo do acervo a presença maior foi de artistas homens, quanto mais você vai chegando no tempo contemporâneo, nos tempos atuais, mais você se depara com trabalhos de artistas mulheres. Então, tem tanto a lacuna histórica como a lacuna institucional”, refletiu a curadora.
Outro ano importante foi 2019. “Foi um ano inteiro dedicado a contar a história das mulheres. Foram quase 100 trabalhos de séculos diferentes numa exposição bastante icônica para o cenário brasileiro, porque apresentou trabalhos muito prestigiosos de artistas como a Élisabeth Vigée Le Brun, uma exposição de tecidos, quase sempre associados ao papel do bordado e, portanto, menos exibido como o cânone da obra de arte. Além disso, também tinha Histórias Feministas, uma exposição com 30 artistas e coletivos do século 21. Um paralelo interessante entre a produção contemporânea e a produção histórica, além de outras nove exposições só de artistas mulheres”, contou Amanda.
Mais diversidade na gestão
As quatro diretorias do museu são chefiadas por duas mulheres e dois homens. Boa parte da coordenação de equipes é feita por mulheres. “Na diretoria artística, a coordenação da curadoria é feita pela Regina Teixeira, uma mulher. A coordenação de produção é feita por uma mulher. A coordenação da comunicação é feita por uma mulher. A coordenação do acervo também é feita por uma mulher”, afirmou Amanda.
O museu reconhece o desafio que tem internamente de realizar contratações de mulheres negras e mulheres trans. “A gente tem consciência também da importância de sempre, de alguma forma, se descolonizar mais. Mas o museu teve uma parceria importante uma ONG de apoio a pessoas trans. Então, na nossa equipe, por exemplo, na curadoria, a gente tem pessoas trans trabalhando com a gente, e também tem na equipe de atendimento ao público”, relatou a curadora.
Masp no presente
O “Acervo em transformação”, exposição permanente da coleção do Masp, está sempre mudando com entrada e saída de obras em razão de empréstimos, novas aquisições e rotatividade.
Atualmente, uma exposição levanta a questão da ausência histórica de grupos minorizados em posições de poder e decisão, enquanto sua presença e força de trabalho compõem as bases que sustentam a sociedade. Intitulada “Lia D Castro: em todo e nenhum lugar”, é a primeira mostra individual da artista em um museu. Lia nasceu em Martinópolis, interior de São Paulo.
Seus trabalhos exploram encontros de mulheres com homens de várias classes para subverter relações de poder ou violência que possam surgir entre eles. Essa estratificação social, refletida na maneira como a história da arte definiu os papéis de quem representa e de quem é representado, é contestada por Lia em seu trabalho, ao redefinir a lógica utilizando-se do afeto, do diálogo e da imaginação como ferramentas de transformação social.
Ao mesmo tempo, a americana Catherine Opie, uma das principais artistas da fotografia contemporânea internacional, realiza sua primeira exposição individual no Brasil. Desde o final da década de 1980, Opie vem trabalhando com fotografia colorida e em preto e branco da comunidade queer, da qual faz parte.
O termo queer é usado para representar pessoas que não se identificam com padrões impostos pela sociedade e transitam entre os gêneros, sem concordar com rótulos. Num ano dedicado às narrativas, personagens e temas LGBTQIA+ no Masp, a mostra propõe reunir retratos dessa coletividade feitos por Opie ao longo das décadas. Esta em exposição até outubro de 2024.
O Futuro
O museu desenvolve desde 2019 o projeto Masp Em Expansão, que consiste na construção de um novo edifício, nomeado Pietro Maria Bardi. O prédio aumentará os espaços expositivos e de multiuso do museu. A gestão considera este o feito mais significativo na história do museu após a sua transferência da rua 7 de Abril, na sede dos Diários Associados, para a Avenida Paulista, em 1968.
“Acredito que essa expansão irá consolidar o museu e a própria Avenida Paulista como um eixo cultural: quem sabe o mais importante eixo cultural do Brasil, do qual o MASP, sem dúvida, é a âncora”, comentou Alfredo Setubal, presidente do Conselho do Masp.
Tarsila, a recordista
Em 2019, a exposição Tarsila Popular, com obras de Tarsila do Amaral, foi a mais visitada da história do museu. Um total de 402.850 pessoas apreciaram as pinturas da modernista, superando o recorde da mostra Monet, que exibiu obras do impressionista francês em 1997 e recebeu 401.201 espectadores.
A reportagem questionou a curadora sobre a possibilidade do recorde de Tarsila ser batido. “Não, isso é impossível na história do Brasil”, disse dando uma leve risada. “Ela é a nossa figura mais icônica, não tem jeito, ela tá em todo livro didático. Isso é uma boa coisa, o dia que mais mulheres artistas estiverem nos livros didáticos, além da fronteira dos museus, mais pessoas vão conhecer o trabalho dessas mulheres”, concluiu.