Mortes em operação da PM no litoral de SP sobem para 25
Laudos da Polícia Técnico-Científica colocam em xeque versões sobre supostos confrontos relatados por policiais militares no litoral
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo – O número de mortos em supostos tiroteios com a Polícia Militar no litoral de São Paulo subiu para 25 neste fim de semana, após um homem ser alvo de ao menos cinco tiros, disparados por policiais, no bairro da Prainha, no Guarujá.
As mortes decorrentes de supostos tiroteios com a PM ocorrem após o assassinato de um soldado das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), em 27 de julho. Batalhões de choque foram encaminhados ao litoral para participar da Operação Escudo, deflagrada no dia seguinte ao homicídio do policial.
O cabo Luiz Fernando Honório Ferreira afirmou em depoimento que fazia patrulhamento com o subtenente Anderson Luiz Ferreira de Souza, ambos de 44 anos, quando os dois entraram na Rua Mato Grosso, por volta das 21h40 desse sábado (2/9).
No fim da via, acrescentou Luiz, os policiais avistaram um grupo usando drogas. Ao perceber a chegada dos PMs, o bando teria corrido.
Os policiais desembarcaram da viatura e afirmaram terem avistado, metros adiante, um dos homens que supostamente usava drogas agachado, próximo a entulhos. Sem justificativa, ele “levantou-se e começou a efetuar disparos contra a equipe [de policiais]”.
O cabo afirmou em depoimento ter dado quatro tiros com sua pistola calibre ponto 40. Seu parceiro, o subtenente, teria dado um tido de fuzil calibre 762. Mesmo tendo sido alvo de cinco disparos, os policiais afirmam que o suspeito “tentou pegar a arma” que supostamente usou para atirar contra os PMs. A pistola calibre 9 milímetros, acrescentaram, foi tirada de perto do suspeito.
Os policiais ainda afirmaram terem encontrado com o homem uma mochila com drogas e uma balança de precisão.
A morte do suspeito, que não havia sido identificado até a publicação desta reportagem, foi confirmada no local por socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), às 22h10.
O número de disparos supostamente dados pelo suspeito não foi especificado no boletim de ocorrência, nem se as cápsulas deflagradas da pistola calibre 9 milímetros foram apreendidas. O número de tiros relatado pelos policiais, no histórico do BO, também destoa da quantidade de cartuchos especificada em um trecho do documento oficial, destinado para registrar armas apreendidas.
Para cada policial é informado que havia somente um cartucho íntegro, ou seja, não disparado, tanto para o fuzil quanto para a pistola.
Discrepâncias
O histórico preliminar da ocorrência, que resultou na 25ª morte no litoral, se assemelha a outros registros, feitos com base em relatos de policiais militares.
Laudos da Polícia Técnico-Científica colocam em xeque versões apresentadas por PMs para as mortes ocorridas em supostos tiroteios, ocorridos durante a Operação Escudo.
O Metrópoles já havia mostrado inconsistências nos relatos dos PMs a partir da análise dos históricos de 13 boletins de ocorrência, feitos após as mortes em decorrência de intervenções policiais no litoral paulista.
O caso que mais chama a atenção é o de Jefferson Ramos Diogo, de 34 anos. Segundo os laudos, os PMs dispararam oito tiros de fuzil contra ele, por volta das 20h do dia 29 de julho, um sábado, no Guarujá. Quatro dos disparos o atingiram — no queixo, nas costas, na perna esquerda e no braço direito.
Na ocasião, um PM relatou que fazia patrulhamento com mais dois policiais, todos armados com fuzis, quando avistaram três suspeitos, sendo dois armados com pistolas e outro carregando uma mochila. Ao avistar a viatura, Jefferson teria apontado uma pistola na direção dos policiais. Não há menção a tiros efetuados pelo rapaz no boletim de ocorrência.
No relato, um dos PMs afirma ter dado cinco tiros de fuzil e outro, três. Mesmo com o suspeito fuzilado, um policial militar reforçou em depoimento que “seguiu o indivíduo alvejado” e percebeu que ele estava armado “de forma ameaçadora”. Por isso, o PM “necessitou realizar novos disparos”. Somente após mais tiros, “a situação foi apaziguada”.
Cinco horas após o registro da ocorrência pelos policiais, o BO foi atualizado com a informação de que houve troca de tiros, já na madrugada do domingo (30/7).
Execuções e abusos
Um relatório feito pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) indica, com base em relato de testemunhas, que policiais militares teriam cometido barbaridades durante a Operação Escudo.
Entre os dias 14 e 15 de agosto, a entidade ouviu 11 relatos, resultando no documento divulgado na sexta-feira (1º/9). Foram denunciados casos de abuso de poder, descumprimento de leis, descaso com a vida, promovido pelo assassinato inclusive de inocentes, além da destruição de provas e atuação violenta contra as comunidades carentes.
As testemunhas ouvidas pelo conselho afirmaram que alguns PMs que atuam no litoral invadem casas, sem ordem judicial, e destroem câmeras de monitoramento das casas, para que provas contra eles não sejam levantadas.
Há ainda relatos sobre policiais militares circulando encapuzados, sem câmeras corporais, usando drones e helicópteros.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário da Segurança Pública, o ex-policial da Rota Guilherme Derrite, defenderam publicamente as ações da polícia na região, que até o momento resultaram nas 25 mortes oficiais.