Moradores lutam para que palco de tragédia vire parque com horta em SP
Moradores do Jardim Colombo querem transformar terreno que foi palco de tragédia em parque com horta comunitária e áreas de lazer
atualizado
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São Paulo – No terreno ao lado do Cemitério Gethsêmani, onde estão enterradas personalidades como a apresentadora Hebe Camargo e o ex-governador de São Paulo Franco Montoro, uma camada de mato alto cobre um monumento de pedra onde estão escritos os nomes de 12 crianças.
Inaugurado em 1990, o monumento no bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo, homenageia as vítimas de um desabamento em uma favela às vésperas da eleição presidencial de 1989.
No dia 24 de outubro daquele ano, dezenas de barracos da chamada “Favela Nova República” foram soterrados, provocando a morte de 12 crianças e dois adultos. Na época, a gestão da prefeita Luiza Erundina, hoje no PSol, disse que a tragédia foi causada por um aterro ilegal, construído por um condomínio que fazia a obra sem autorização.
Susarte Carvalho, 69, trabalhava no cemitério naquele dia e conta que ainda se lembra de ouvir o estrondo da terra se movendo no terreno ao lado. “Foi uma coisa que cortou meu coração, morreu muita gente”.
Ele mora no Jardim Colombo, uma comunidade localizada a poucos metros dali, onde um grupo de moradores luta para transformar o terreno da tragédia em um parque, com horta comunitária, área de lazer e cursos de jardinagem.
A União dos Moradores da Favela Jardim Colombo entrou com um pedido oficial na Prefeitura para se tornar responsável pela administração do espaço, que pertence à gestão municipal.
A ideia da associação é revitalizar o lugar, protegendo uma área de mata nativa e construindo ali uma horta comunitária que possa ser usada pelos moradores da favela. Veja imagens do projeto abaixo:
O projeto é encabeçado pelo líder comunitário Ivanildo de Oliveira Júnior, 51, e sua filha, a arquiteta e urbanista social Ester Carro, 28.
“Há uma demanda muito grande no Jardim Colombo por esse trabalho com agricultura urbana”, afirma a arquiteta. Ester é presidente do “Fazendinhando”, projeto focado na transformação social de favelas.
Ela defende que a criação de uma horta comunitária no local beneficiaria as famílias em situação de extrema vulnerabilidade. “A gente conseguiria atender essas famílias com o que vai ser produzido aqui”, diz a pesquisadora, que estima que o terreno tenha cerca de 17 mil m².
Nos últimos meses, equipes da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) fizeram uma visita ao local e conversaram com a arquiteta.
Em nota ao Metrópoles, a Prefeitura confirma o diálogo com os moradores e diz que já realizou um estudo preliminar para a área do terreno (veja mais abaixo).
O avanço nas negociações anima Ivanildo. O líder comunitário diz que os moradores estão empenhados em fazer um bom uso do local caso consigam a autorização para gerir a área. “Nós temos pessoas técnicas competentes. A comunidade tem competência para administrar aquilo, de fazer um belo projeto”, afirma ele.
A ideia da associação envolve também a criação de espaços de caminhada e lazer, e a promoção de cursos de capacitação para jardinagem com aulas práticas no local.
“Como aqui existem muitos condomínios, há uma demanda [por jardineiros], mas às vezes não tem mão de obra qualificada”, diz Ivanildo.
Conflitos sociais e abandono
O projeto da União de Moradores é mais um capítulo na história do lugar, que é marcado pelo abandono e por uma série de conflitos sociais.
Em 2008, um decreto do então prefeito da cidade Gilberto Kassab (PSD) nomeou o terreno como Parque Municipal Sérgio Vieira de Mello, mas o parque nunca foi implementado de fato.
Em 2014, um grupo do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) ocupou o local para pedir a criação de habitações populares na região. Na época, uma das lideranças do movimento chegou a dizer que seguranças dos condomínios vizinhos atiraram contra o acampamento durante a noite. O grupo deixou o local pouco tempo depois.
Agora o espaço permanece vazio e – a não ser pelo monumento cercado de mato – é difícil saber que o local pertence à Prefeitura. Veja vídeo com imagens do terreno atualmente:
Um portão colocado em um muro que divide o terreno indica que funcionários de um prédio em construção têm usado o espaço como acesso para a obra. Além do mato alto, é possível encontrar lixo em alguns pontos, inclusive na área de mata fechada, onde um fio de água transparente avança entre as árvores.
Em todo o espaço, não há nenhuma iluminação e moradores do Jardim Colombo dizem que se sentem inseguros de andar na Avenida Frei Macário de São João, que dá acesso ao terreno, depois que escurece.
De dia, a avenida é usada por moradores que fazem caminhada e treinam para tirar habilitação de moto.
Ester diz que o diálogo com a prefeitura tem sido positivo e acredita que o projeto da associação é possível. “Eles [a SVMA] vieram para cá, nos escutaram, entenderam toda a necessidade”, afirma a arquiteta.
O local aparece na lista de parques propostos pela revisão do Plano Diretor com o nome “Parque Linear Sergio Vieira de Mello – Córrego Itararé”. A Prefeitura diz que o espaço será um corredor verde, que irá interligar fragmentos de vegetação.
A gestão municipal afirma que está prevista a contratação de um “projeto executivo de obra de estabilidade geotécnica”, com o objetivo de fortalecer o terreno íngreme do local e “possibilitar no futuro a implantação da horta comunitária sugerida”.
A SVMA diz que mantém diálogo constante com os interessados para que as demandas locais possam ser contempladas no projeto do parque.
Sobre o mato alto encontrado no local, a Prefeitura diz que a Subprefeitura do Butantã realiza serviços de conservação e zeladoria a cada 30 ou 60 dias, a depender da necessidade. “O espaço consta na programação da Subprefeitura e deve receber os serviços de capinação do mato, roçagem e limpeza do córrego até o fim deste mês”, afirma a nota.