“Menos um fazendo L”: atropelador pode ser acusado de incitar ao crime
Postagens em que atropelador debocha de vítima podem ser criminosas, diz delegado; motorista também pode responder por omissão de socorro
atualizado
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São Paulo – O delegado titular do 5º DP de São Paulo, Percival Alcântara, afirmou nesta quarta-feira (3/5) que avalia a possibilidade de indiciar o motorista de aplicativo Christopher Gonçalves Rodrigues, de 26 anos, por incitação ao crime após as postagens em que ele debocha de um rapaz que havia acabado de atropelar.
A vítima, o ambulante Matheus Campos da Silva, 21 anos, acabou morrendo. Nos vídeos publicados em suas redes sociais, Christopher ironiza o episódio: “Menos um fazendo L”, disse em alusão aos eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Estamos avaliando a criminalização dessas postagens, no mínimo inoportunas, mas que podem ser criminosas também”, disse o delegado. A incitação ao crime está prevista no artigo 286 do Código Penal e prevê, em caso de condenação, prisão de três a seis meses.
A polícia também não descarta indiciar Christopher por omissão de socorro no atropelamento. O foco da investigação em um primeiro momento, no entanto, é saber se houve homicídio culposo (com intenção de matar) ou doloso (sem intenção).
Matheus é suspeito de ter furtado um celular de outro veículo no viaduto Júlio de Mesquita Filho, na ligação Leste-Oeste, região central de São Paulo, momentos antes de ser atropelado por Christopher.
Segundo a Polícia Civil, a PM removeu os veículos para não atrapalhar o fluxo de trânsito, que é bastante intenso no local. Isso é permitido por lei nessas circunstâncias, mas alterou a cena do crime antes da chegada da perícia. “Não é algo ilegal”, afirmou o delegado.
O delegado já disse anteriormente que o motorista de aplicativo não poderia remover o veículo, sob risco de provocar ainda mais ferimentos em Matheus. Alcântara disse que o socorro cabe a profissionais, como os bombeiros do resgate, que participaram da ocorrência.
Entretanto, segundo o delegado, o motorista deveria retirar o carro se a roda estivesse sobre a cabeça do atropelado, por exemplo, para evitar um mal maior.
Imagens de um vídeo que mostra Matheus debaixo do carro sendo ofendido pelo motorista de aplicativo serão analisadas ao longo da investigação e podem cooperar no esclarecimento de uma possível omissão.
Segundo o delegado, é preciso saber também quem, de fato, chamou o socorro, que chegou ao local do atropelamento entre 13 e 15 minutos depois do ocorrido.
O atropelamento
Matheus foi atropelado na tarde do último dia 25 de abril, no viaduto Júlio de Mesquita Filho, na ligação Leste-Oeste, região central de São Paulo. A Polícia Civil vai ouvir nesta quinta-feira (4/5) a possível vítima de furto, para confirmar, oficialmente, se reconheceu Matheus como autor do crime. Ao Metrópoles, a vítima de furto, que também é motorista de aplicativo, disse ter reconhecido o ambulante e lamentou o episódio.
A polícia investiga se Christopher, que dirigia um Ford Ka preto, atingiu o Matheus de forma intencional ou não. Logo após o acidente, ao se dar conta de que o ambulante era suspeito de um crime, ele teria se recusado a tirar o carro de cima dele e passou a publicar vídeos. O trecho de um deles, divulgado nesta terça-feira (2/5), mostra Matheus ainda vivo, sob o carro, implorando por socorro. As imagens são chocantes.
O motorista de aplicativo, contudo, ignora os pedidos de ajuda: “E aí, comédia? Você vai roubar trabalhador? Vai roubar trabalhador?”, grita Christopher. “Não vai sair, não. Só vai sair com a polícia”, disse o motorista. Matheus morreu pouco tempo depois, quando já havia sido socorrido pelos bombeiros.
Três dias após o acidente, o motorista de aplicativo prestou depoimento. Em oitiva à polícia, ele disse que não teve intenção de atropelar e que estava arrependido de ter postado vídeos com deboches em suas redes sociais.
A família do jovem atropelado reagiu com revolta e indignação ao atropelamento e aos vídeos que viralizaram. “Esse cara foi um monstro”, afirmou ao Metrópoles Talita Maiara Castro Campos, de 32, irmã de Matheus. “Ele foi frio. Tem um coração frio, esse rapaz. Se fez isso com meu irmão, pode agir com outras pessoas só por achar que estão fazendo algo errado.” A família pretende processar o atropelador.
As empresas de transporte por aplicativo Uber e 99 baniram o motorista de suas bases de colaboradores. Ambas informaram o Metrópoles de que ele não fazia viagem pelo app quando atropelou e matou Matheus.