“Magnata do café”: como golpista tomou dinheiro de juízes e promotores
Em depoimentos, vítimas e até irmão detalham atuação do “magnata do café”, preso por aplicar golpes financeiros em juízes e promotores
atualizado
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São Paulo — Assessoria no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), festa em mansão no Lago Sul, em Brasília, com advogada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), uso de carrão em nome de empresário bolsonarista e longas estadias em um hotel vizinho do Palácio do Alvorada.
A vida de luxo foi também cenário para o personagem criado por Rodrigo Bonametti de Miranda, o homem que se passou por “magnata do café”, para enganar juízes, promotores e desembargadores, com o objetivo de lhes arrancar dinheiro. Ele foi preso no dia 27 de julho, na capital paulista.
Documentos obtidos com exclusividade pelo Metrópoles mostram como magistrados e membros do Ministério Público paulista (MPSP) confiaram na promessa de até 100% de lucro, em negócios que não existiam nem mesmo no papel.
Advogado, Bonametti era, até poucos anos atrás, assessor de desembargador do TJSP, onde fez algumas amizades. Uma delas foi com o juiz Rodrigo Capez, irmão do ex-deputado Fernando Capez e assessor do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por quase uma década.
Amigos desde 2015, Bonametti convenceu Capez a comprar cotas de produção de café em Piraju, no interior de São Paulo, onde, segundo ele, nunca havia geada e nada se perdia em qualquer estação do ano. Com algum atraso, o investimento de R$ 44 mil do magistrado transubstanciou-se em R$ 77 mil. Um lucro de R$ 33 mil.
Em depoimento à polícia, o juiz relatou que nunca teve problemas em receber de Bonametti. Fez até um segundo aporte e lhe apresentou um irmão, o promotor de Justiça Flávio Capez. Este, no entanto, já não teve a mesma sorte.
Flávio deu R$ 50 mil ao advogado, na expectativa de receber R$ 101 mil. O comprovante apresentado por Bonametti dizia que se tratava de um “contrato verbal de empreitada de cunho eminentemente familiar”. Flávio não obteve, porém, nenhum centavo de volta e resolveu denunciá-lo. Ele disse à polícia ter ouvido de Bonametti a desculpa de que estava em um tratamento de câncer e que não poderia usar “recursos pessoais” para pagá-lo.
Os irmãos Capez acabaram descobrindo que o “magnata do café” tinha pelo menos 15 credores e R$ 1 milhão em cobranças na Justiça. Esse foi o primeiro indício de que o tal investimento em café poderia ser um esquema de pirâmide financeira — que até remunera parte dos investidores, mas deixa inúmeros outros a ver navios.
É o caso do promotor Washington Gonçalves Vilela Junior, que também denunciou Bonametti à polícia, depois de ver R$ 125 mil sumirem, e o do desembargador Edison Aparecido Brandão, que move uma ação de cobrança de R$ 80 mil contra o acusado.
Se, em São Paulo, o vínculo com a Justiça lhe deu aparência de credibilidade, a ostentação em Brasília reforçou a imagem de que o “magnata do café” proporcionaria lucros milionários às suas vítimas.
Já a juíza de Goiás Claudia Silva de Andrade, que trabalhou no gabinete do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou à polícia ter conhecido Bonametti em uma festa na casa da advogada bolsonarista Karina Kufa, que defendia o clã presidencial. Kufa afirma ao Metrópoles que não o conhecia na época, e que ele veio acompanhado de um convidado.
Na ocasião, Bonametti se apresentou como amigo e advogado pessoal do juiz Rodrigo Capez, segundo ela. Conversa vai, conversa vem, a juíza deu R$ 60 mil ao advogado — e também ficou sem nada. Após o golpe, a magistrada fez uma pequena investigação sobre os luxos de Bonametti e afirmou à polícia que o Mercedes Benz que ele pilotava em Brasília havia sido transferido para o nome do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, que teve de se explicar sobre o carro.
Fakhoury disse aos investigadores que comprou o carro de Bonametti por R$ 400 mil, mas que o deixava usar temporariamente por “gentileza”, já que ele atuava como seu advogado e se encontrava em estado “fragilizado de saúde”. Foi no hotel Golden Tulip, que fica ao lado da entrada do Palácio do Alvorada, que a Polícia Civil apreendeu o veículo e o celular de Bonametti.
Tudo era fumaça. Testemunhos de familiares de Bonametti complicaram ainda mais a situação do advogado. O seu irmão, Bruno, que também era assessor da Justiça, afirmou à polícia ter sido dispensado do TJSP em março deste ano, ao ser comunicado da investigação sobre o irmão. Eles não se falam mais.
Bruno disse ter brigado com Bonametti, porque ele pedia dinheiro emprestado à mãe e queria que a senhora fizesse um empréstimo bancário em seu benefício. O irmão afirmou aos investigadores que a família até herdou alguma terra em Piraju, no interior de São Paulo, mas que nunca houve qualquer produção de café por lá.
Servidora da Justiça do Trabalho, Mariana Previdelli afirmou à polícia ter tido um relacionamento amoroso com Bonametti por 16 anos. Ela disse ter feito com ele viagens ao exterior e que ambos rachavam as contas desses passeios. Como o namorado morava com a mãe, ele ficava a maior parte do tempo na casa de Mariana.
Mesmo sem teto próprio, Bonametti sempre gostou de uma vida “confortável”, com “roupas de marca”, afirmou a servidora. Ela própria e o seu pai chegaram a acreditar no empreendimento do café e investiram, juntos, R$ 100 mil, com expectativa de receberem o dobro como retorno. Ela contou à polícia que Bonametti dizia estar apertado para ajudá-la a pagar as contas domésticas, mas, ao mesmo tempo, tinha gastos exorbitantes, acumulando dívidas de R$ 400 mil em seu cartão de crédito.
Mariana relatou que Bonametti não tinha sequer estrutura própria para trabalhar como advogado e que ficava no escritório do advogado de Otávio Fakhoury, o dono da Mercedes Benz. Segundo a servidora, Bonametti afirmou a ela que o carro repassado ao empresário bolsonarista era produto de um contrato de honorários. Mariana afirmou ainda ter emprestado dinheiro ao ex-namorado, para que ele abrisse um pequeno comércio. Terminado o namoro, ela contabilizou um tombo de R$ 658 mil do “magnata do café”.
Nesse sábado (12/8), Bonametti foi solto por decisão do desembargador Marcelo Semer, do TJSP. “Deve se ter em conta que o paciente é primário, acusado da prática de crime de natureza não violenta, considerando-se, ainda, seu estado de saúde”, escreveu Semer. O desembargador impôs a Bonametti comparecimento mensal ao juízo, apreensão do passaporte, recolhimento domiciliar noturno e proibição de aproximação com vítimas e familiares.
O advogado Antonio Belarmino Junior, que defende Bonametti, afirmou que ele foi “denunciado por três crimes de estelionato, sendo que elementos de cunho afetivo e familiar não possuem respaldo processual, nem elementos de cunho probatório, e jamais deveriam ser utilizados em contexto acusatório”.
“Referente ao mérito das três representações, a defesa se manifestará no prazo legal (e) ressalta ainda que Rodrigo Bonametti de Miranda sempre colaborou com o bom andamento das investigações, inclusive fornecendo as senhas de seus aparelhos celulares nas duas oportunidades em que foram apreendidos (e que) em momento algum se recusou a prestar esclarecimentos, (mas,) devido a uma internação comprovada nos autos documentalmente, não pode comparecer”, disse o advogado ao Metrópoles.