Mães de crianças autistas são detidas após ato na Secretaria da Saúde
Mães cobram cumprimento de decisão judicial que garante tratamento e ensino para as crianças autistas. Governo não comentou reivindicações
atualizado
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São Paulo — Quatro mulheres, mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), foram detidas nessa segunda-feira (6/1) após participarem de um protesto que começou na Avenida Paulista, região central de São Paulo, e terminou na sede da Secretaria de Estado da Saúde (SES). Durante a manifestação, em que foram registrados danos na recepção da secretaria (veja abaixo), as mães reivindicaram direitos para crianças autistas.
Uma das detidas, Márcia Silva Santos, mãe de um menino de 11 anos, relatou ao Metrópoles que elas protestavam porque esperam, desde 4 de abril de 2024, que a Secretária da Saúde cumpra os efeitos de uma ação civil pública que determina que o governo do Estado pague tratamentos, escolas privadas, medicamentos, fraldas e alimentos para as crianças seletivas.
Veja:
“Até hoje, nenhuma criança tem o tratamento […] Meu filho mora na cidade mais rica do país. Tudo que nós formos cobrar na Secretaria da Saúde já está muito bem pago porque o nosso país é o país que mais paga imposto, e todo imposto arrecadado é do povo. Eles têm que investir na saúde das crianças TEA, em tratamento e em escola. E eles não vêm fazendo isso”, desabafou.
Criança fora da escola
Márcia teme ter problemas com o Conselho Tutelar pois seu filho não está estudando. “Meu filho tem que estar matriculado na escola do estado. Eu não tenho condições de bancar [uma escola particular]. Ele está sem escola agora em 2025, porque nós, famílias autistas, não temos condições de bancar”, disse.
Ela explicou que o menino não se adaptou à escola estadual. De acordo com ela, seu filho teria melhores condições de atendimento caso estivesse em uma escola inclusiva, com número reduzido de crianças e professores preparados. No ano passado, segundo Márcia, o menino teve um surto dentro da sala de aula e chegou a bater na professora.
“Chamaram o Conselho Tutelar para perguntar para mim por qual motivo o meu filho estava assim… Meu filho está sem tratamento”, falou a mulher. Desde esse episódio, a criança não está frequentando a escola.
Além disso, a mãe lamenta já ter dado entrada no pedido de remédios à base de canabidiol para o filho, e não ter obtido resposta. “Nós, mães e avós de autistas, não vamos parar, porque a causa é nobre. Meu filho não tem ninguém para lutar por ele, a não ser eu. Eu quero tratamento para o meu filho e escola digna. Eu quero, quando chegar no final da minha vida, ter direito de morrer em paz e ter a certeza que meu filho está sendo cuidado”, explicou.
“A deficiência não está nas crianças que são TEA. A deficiência está no poder público, que não dá os direitos. Eles [crianças TEA] têm que ser tratados. Meu filho é só uma criança. E precisa de tratamento. Precisa de escola. Precisa de remédio. Precisa de tudo”, pediu Márcia.
O que diz o governo
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Militar foi acionada durante a tarde de segunda-feira para uma ocorrência de danos ao patrimônio público. De acordo com a pasta, as quatro mulheres usaram martelo e pedaços de madeira para quebrar a janela de vidro e a recepção da Secretaria de Estado da Saúde.
As detidas foram levadas para a delegacia e o caso foi registrado no 14º DP (Pinheiros). Elas foram liberadas depois de prestar depoimento, disse o advogado Adriano Santos.
Procurada pelo Metrópoles, a Secretaria da Saúde informou que o Governo de São Paulo possui um plano estadual integrado para Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (PEIPTEA), com ações intersetoriais conduzidas pelas secretarias da Saúde, Educação, Pessoa com Deficiência e Desenvolvimento Social, com o objetivo de ampliar a acessibilidade ao diagnóstico e ao cuidado assistencial para essa população e seus familiares. Entre as ações, estão em implantação os Centros Especializados em Reabilitação (CER) em todo o estado, além de um Centro TEA na capital.
A SES se colocou à disposição de todo e qualquer familiar de pacientes TEA que recebe atendimento. Além disso, a pasta lamentou o ocorrido na recepção da sede e a violência sofrida pelos profissionais de saúde. A SES também enfatizou que preza pelo diálogo e a assistência humanizada dos pacientes.
Com as denúncias das mães de crianças autistas, a deputada Luciene Cavalcante (PSOL) enviou representações ao Núcleo de Infância e Juventude, ao Núcleo de Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e à Secretaria de Estado da Saúde pedindo que as pastas garantam o direito constitucional de manifestação das mulheres que foram detidas nessa segunda-feira e que exijam que o estado assegure que todas as crianças com TEA tenham acesso a tratamentos terapêuticos essenciais.