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Mãe de 18 anos relata violência obstétrica em hospital público de SP

Jovem denuncia demora no atendimento e recusa de anestesia no Hospital Municipal Vila Nova Cachoeirinha; Prefeitura diz que vai apurar

atualizado

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mulher grávida
1 de 1 mulher grávida - Foto: Arquivo Pessoal

São Paulo — Mirella Machado estava confiante de que o parto da sua filha, Alissa, aconteceria com tranquilidade. Acompanhada de sua mãe, Lilian, e de seu namorado, Gustavo, a gestante de 18 anos estava com todos os exames em dia e contava as horas para conhecer sua bebê. Mas tudo mudou quando foi atendida, com 39 semanas de gestação e já com as dores do parto, no Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, unidade municipal de saúde na zona norte de São Paulo.

Segundo a família, a entrada no hospital marcou o início de um martírio, com atendimento demorado, episódios de sofrimento e uma série de problemas de comunicação que resultaram no parto tardio de sua filha — situações que, segundo especialistas, configuram violência obstétrica (leia mais abaixo).

A criança nasceu na madrugada do dia 14 de junho deste ano, uma sexta-feira, com o cordão umbilical enrolado e foi diagnosticada com hipotonia — sintoma caracterizado pela redução do tônus muscular. Ela está há mais de 10 dias internada no hospital municipal, uma das unidades envolvidas na polêmica sobre a suspensão do aborto legal na cidade. A Prefeitura de São Paulo informou que apura o caso. 

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Mirella em seu ensaio de grávida
Mirella grávida de Alissia
Mirella e o namorado Gustavo
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Mirella e sua mãe Lilian

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Mirella em seu ensaio de grávida

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Mirella grávida de Alissia

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Mirella e o namorado Gustavo

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“Se tivessem me escutado, a minha bebê estaria bem agora”

As críticas de Mirella (foto em destaque) e sua família ao atendimento do Hospital Vila Nova Cachoeirinha começam desde o primeiro momento, antes que a jovem fosse levada para a área de parto. Mirella conta que já estava com muita dor quando chegou ao hospital, mas foi colocada em uma classificação de baixa urgência e precisou esperar por pelo menos três horas até uma consulta médica. 

Após duas reavaliações médicas, as contrações aumentaram, a bolsa rompeu, e ela foi levada para a sala de pré-parto. Até chegar à sala de parto, foram inúmeros exames de toque feitos por pelo menos quatro profissionais diferentes, o que gerou dificuldades em compreender sua real condição.

“Uma enfermeira me disse: ‘Você está com cinco dedos só [de dilatação], seis dedos forçando. Você tem que andar’. Mas eu não estava aguentando andar. Falei com ela que estava fraca, que se eu levantasse eu ia cair. Então, ela deu uma bufada, saiu andando para outro canto e me deixou sozinha. Depois, uma outra enfermeira fez o exame de novo e me disse ‘Nossa, mas por que que você não está na sala de parto? Você está com 8 para 9 dedos de dilatação!”, conta Mirella.

Por volta de 23h, ela chegou à sala de parto com o namorado. A dor se tornava insuportável e ela implorava por anestesia às enfermeiras, que entravam na sala, a cada 15 minutos, para pedir que ela continuasse fazendo força, segundo relata.

Durante esse tempo, uma médica também a consultou, mas sem responder aos pedidos de anestesia: “Eu falei: ‘Por favor, me dê anestesia, eu quero uma anestesia’. E ela não respondia, sabe? Ela só olhava assim para minha cara, e me mandava fazer força.”

Seria assim até 3h, quando Mirella foi levada para o centro cirúrgico. Mas, para ela, já era tarde: “Minha bebê já estava muito para fora. Ela já estava no expulsivo umas 3 horas, e eu estava há muito tempo implorando pela anestesia”.

“Eu tenho muito para mim que se tivessem me dado anestesia antes, se tivessem escutado o que eu estava pedindo, se não tivessem me deixado tão sozinha na sala, a minha bebê teria nascido antes e estaria bem agora, a gente estaria em casa com ela”, diz Mirella.

“Quando ela nasceu, já tiraram de mim”

O parto aconteceu às 3h30 do dia 14/6 e a recém-nascida foi levada direto para internação. Depois da retirada da placenta, uma médica procurou Mirella para avisá-la que a criança não estava bem. A partir daí, ela conta que surgiu a dificuldade para entender qual era a condição da sua filha e o que estava acontecendo. 

“Quando ela nasceu, já tiraram de mim. Eu nem peguei ela, nem nada. Eles tiraram de mim, colocaram ela no bercinho e as enfermeiras ficaram todas em volta”, conta a mãe. 

Ela narra que a menina nasceu sem oxigênio e com o cordão umbilical com pelo menos duas voltas enroladas em seu pescoço. Internada desde o parto, a bebê foi batizada de Alissia e só foi vista de longe pelos familiares, que tentam juntar informações para entender ao certo o que levou ao problema.

“Ninguém sabe me dizer nem quanto tempo ela ficou sem respirar depois que ela nasceu”, desabafa Mirella. Ela deixou o terceiro ano do Ensino Médio no ano passado, quando descobriu a gravidez e, nos últimos dias, sua rotina tem sido ir e voltar do hospital o dia todo. Nessa quarta-feira (26/6), 12 dias depois do parto, Mirella pôde amamentar a criança pela primeira vez. Até então, o leite dela era retirado pelas enfermeiras e oferecido à bebê.

A avó Lilian conta que o processo todo tem sido uma grande frustração. “A bebê nasceu com 3,330 kg e no tempo certo de gestação. Era para ter nascido super saudável. Minha frustração é gigantesca, pois minha filha teve uma gestação muito saudável, com todas as consultas de pré-natal e exames em ordem. Durante a internação, me impediram até de fotografar a minha neta”, desabafa. 

“Desidratada, abalada psicologicamente”

Depois do parto, Mirella ficou separada da criança e só foi levada à sala de internação na tarde de sábado (15/6). Segundo foi informado a ela, a prioridade do quarto é para mães acompanhadas de seus bebês.

No horário de visitas, Lilian encontrou a filha, que havia acabado de dar à luz, com pouca assistência. Um drama agravado pelo desconhecimento sobre a situação da bebê.  

“Minha filha estava com a boca extremamente seca, com fome. Não havia água para ela. Fui informada que não havia copos pois estava em falta. Peguei uma garrafa de outra paciente e dei um pouco à minha filha, que até então, não havia nem visto sua bebê e seguíamos sem nenhuma informação dela. Minha filha estava visivelmente desidratada, abalada psicologicamente”, diz Lilian.

Na noite de sábado (15/6), Mirella conseguiu ver a criança pela primeira vez, na UTI, onde Alissia está desde então, sem previsão de alta.

Violência obstétrica 

Lilian entrou com um pedido de esclarecimentos na ouvidoria do Hospital Vila Nova Cachoeirinha para entender o que aconteceu durante o parto. Na solicitação, obtida pelo Metrópoles, ela questiona a forma como Mirella foi atendida desde o momento em que chegou à maternidade até a falta de acesso ao prontuário médico.

Uma enfermeira obstetra consultada pelo Metrópoles explicou que o caso pode ser configurado como violência obstétrica, termo usado para designar práticas irregulares cometidas com gestantes. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência obstétrica pode ser difícil de ser identificada, mas acontece quando uma gestante passa por um processo de constrangimento no processo de parto.

Não é necessário acontecer violência física, e o termo abrange os casos em que a mulher passa por abusos verbais, é restringida de ter a presença de acompanhante, passa por procedimentos médicos não consentidos, violação de privacidade, recusa de administrar analgésicos, entre outros. 

Segundo a OMS, adolescentes, assim como mulheres solteiras, de baixo poder aquisitivo, e minorias étnicas são mais propensas a passar por esse tipo de circunstância.

O Hospital Vila Nova Cachoeirinha foi procurado pelo Metrópoles nessa terça-feira (25/6), por meio da Secretaria Municipal de Saúde. Nessa quarta (26/6), a secretaria informou, por meio de nota, que “o caso está sendo apurado”.

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