Mãe de são-paulino morto por PM desiste de ação por temer represália
Vilma dos Santos não vai recorrer do arquivamento do inquérito policial que investigava o PM acusado de matar o torcedor são-paulino em 2023
atualizado
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São Paulo — A mãe do são-paulino Rafael dos Santos Tercilio Garcia, de 32 anos, morto em 24 de setembro de 2023 em uma ação da Polícia Militar (PM) após a final da Copa do Brasil, afirmou ao Metrópoles que não vai recorrer da decisão da Justiça de São Paulo que arquivou, em novembro do ano passado, o inquérito policial que investigava o cabo da PM Wesley de Carvalho Dias, acusado de matar Rafael com um tiro na cabeça de “bean bag”.
Vilma Custódio dos Santos considera arriscado continuar com o processo, temendo por alguma represália da Polícia Militar. “É arriscado eu continuar e quererem fazer alguma coisa com a minha família”, revelou a mãe de Rafael, que atualmente cria o filho de nove anos deixado por ele após sua morte. “Justiça eu quero, mas os grandão lá de cima, nenhum está fazendo nada.”
“Recorrer não tem nem como. [Como vou] lutar com o policial, se o policial está matando adoidado e ninguém está fazendo nada?”, disse a arrumadeira desempregada referindo-se ao aumento de casos de violência policial no estado de São Paulo a partir do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Vilma também citou dificuldades financeiras como um empecilho para se proteger contra eventuais retaliações. “Estão matando a torto e a direito, como se eles estivessem caçando animais. Somos pobres, nós não temos condições nenhuma. Você acha que eu vou recorrer? Não, meu neto precisa viver”, declarou à reportagem.
A Justiça decidiu pelo arquivamento do inquérito após pedido do Ministério Público de São Paulo (MPSP). O promotor de justiça Rogério Leão Zagallo, do MPSP, alegou, em 10 de outubro do ano passado, que a agressividade dos torcedores provocou uma reação de legítima defesa por parte dos policiais.
“Iniciado o confronto, deflagrado pelos torcedores, ressalte-se, contra os policiais foi praticada violência, o que legitima uma justa repulsa, que deve ser feita de modo proporcional ao ataque contra eles perpetrado”, diz trecho do pedido.
Zagallo destacou que não há provas de que Rafael estaria entre os torcedores que realizaram atos violentos contra os PMs. Apesar disso, ele estava “no lugar errado”.
Vilma discorda. Segundo ela, os policiais tinham a intenção de matar Rafael. “O menino estava indo embora, o PM matou ele pelas costas. Essa bala tinha que ser atirada da cintura para baixo. Por que ele atirou na nuca do meu filho? Porque ele estava com a intenção de matar”, acusou.
O promotor afirmou ainda que Wesley não poderia supor que Rafael não era um dos torcedores que estavam agredindo os policiais com tiros de rojão e arremesso de objetos.
Rafael tinha deficiência auditiva. Ainda assim, Zagallo apontou que, mesmo que o torcedor não entendesse o que estava acontecendo por conta de sua condição, “não há como negar que outras fontes de captação dos fatos permitiam que tivesse plena ciência do que ocorria em seu entorno”.
No dia 5 de novembro, o procurador-geral de justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, utilizou os argumentos apresentados pelo promotor e pediu novamente pelo arquivamento do inquérito.
O pedido foi acatado pela juíza Isadora Botti Beraldo Moro no dia 7 de novembro, “ante a insistência do arquivamento”.
O que diz a defesa
Em nota ao Metrópoles, o advogado da família de Rafael, Tiago Ziurkelis Mafaldo, afirmou que “embora discordemos do desfecho, acataremos a decisão, sem prejuízo de considerar a reabertura da investigação, caso surjam novas provas ou testemunhas”.
Vilma corrobora com o posicionamento da defesa. “A gente está procurando alguma coisa que ainda possa vir a reabrir o caso, não é tarde ainda para correr atrás de justiça não. No momento certo, a gente vai procurar certinho o que fazer”, reiterou.
A defesa ainda alega que o Ministério Público deu ênfase desproporcional a uma declaração anexada ao processo de uma moradora da região onde a confusão com os torcedores aconteceu. Tiago Mafaldo destaca que a fala da mulher foi contraditória e que ela sequer foi ouvida na delegacia. “Ela alegou que os policiais estavam sendo empurrados, ignorando, no entanto, que momentos antes a mesma moradora havia incentivado as agressões cometidas pelos policiais contra os torcedores.”
O advogado argumenta também que o Ministério Público pediu o arquivamento do processo apesar das claras evidências de excessos e da violação dos procedimentos previstos no Procedimento Operacional Padrão (POP) da Polícia Militar.
Relembre o caso
Em 24 de setembro de 2023, o cabo Wesley portava uma espingarda calibre 12, estava lotado no Regimento de Polícia Montada (RPMon), a Cavalaria da PM, e foi escalado para atuar no esquema de segurança da final do campeonato, vencido pelo São Paulo contra o Flamengo.
Segundo a investigação, o cabo teria sido o responsável por atirar com a bean bag em meio a um tumulto no entorno do estádio do Morumbi, na zona oeste de São Paulo, ao fim da partida. O tiro acertou a cabeça de Rafael, que foi socorrido pelos próprios torcedores, carregado em uma escada improvisada como maca, sem ajuda dos PMs, mas morreu depois.
Em fevereiro do ano passado, a Polícia Militar indiciou Wesley de Carvalho Dias por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, acusado de ser o autor do disparo com a munição do tipo bean bag que matou o são-paulino.
Por se tratar de suposto assassinato, o inquérito da PM foi encaminhado para a Justiça comum em dezembro de 2023. O processo tramitava na Vara do Júri do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) até ser arquivado.
Bean bag na PM
Segundo a PM, a munição do tipo bean bag seria de menor potencial ofensivo e menos letal. Ela é utilizada para causar distração a um possível agressor.
Ao atingir o suspeito, a força policial ganha alguns segundos – parece pouco, mas pode ser tempo suficiente para solucionar um sequestro, por exemplo.
O material começou a ser comprado pela PM durante a pandemia de Covid. Na época, a PM argumentou que as balas de borracha tinham alguns problemas, como desvios de trajetória do tiro, o que colocaria pessoas em risco.
Após a morte do são-paulino, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, classificou o episódio como “tragédia” e chegou a afirmar que a PM vai reavaliar o uso de munição do tipo bean bag em controle de tumultos.