Livro ou slide? Entenda a polêmica envolvendo o material didático de SP
Governo de São Paulo recusou material didático do Ministério da Educação e chegou a dizer que alunos teriam conteúdo 100% digital
atualizado
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São Paulo — Pela primeira vez na história, o governo de São Paulo recusou os livros didáticos oferecidos pelo Ministério da Educação (MEC). por meio do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD).
No lugar do material enviado pelo governo federal, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer utilizar conteúdo próprio e investir em materiais digitais para as aulas da rede.
Desde que o anúncio foi feito, na semana passada, professores e especialistas questionaram a medida e a secretaria da Educação voltou atrás em parte da ideia inicial.
O Metrópoles reuniu os principais pontos para você entender a polêmica. Confira abaixo:
Como era o material didático de São Paulo até agora
A rede estadual de ensino São Paulo contava com duas fontes de material didático: os livros enviados pelo MEC e o conteúdo preparado pela própria gestão paulista.
Os livros do MEC chegam às escolas através do PNLD, programa que oferece uma lista de obras didáticas e permite que professores e diretores de cada unidade escolham com quais livros querem trabalhar.
Já o material preparado pela secretaria estadual da Educação é o mesmo para todas as escolas e conta com cadernos de exercícios para os alunos e material de apoio.
Desde 2008, o estado de São Paulo utiliza o conteúdo próprio como recurso adicional, complementar aos livros do MEC.
O que foi anunciado na semana passada
O governo Tarcísio de Freitas decidiu recusar os livros didáticos oferecidos pelo PNLD para os próximos anos. Com isso, apenas o conteúdo desenvolvido pelo próprio estado será entregue aos alunos e professores.
Na semana passada, a secretaria da Educação afirmou ainda que as turmas a partir do 6º ano do Ensino Fundamental teriam conteúdo 100% digital nas aulas, ou seja, sem nenhum material impresso.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o secretário Renato Feder defendeu o novo sistema e disse que a aula é agora uma “grande TV”.
“A aula é uma grande TV, que passa os slides em PowerPoint, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional, ele sai”, disse o secretário.
Feder também criticou o material do PNLD e afirmou que os livros didáticos do governo federal tinham conteúdos “superficiais”.
Segundo a pasta, os estudantes do Ensino Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental receberiam conteúdos impressos produzidos pela gestão estadual.
Como a decisão foi recebida
O anúncio da recusa dos livros didáticos do MEC e a ideia de um conteúdo sem nenhum suporte físico para os estudantes a partir do 6º ano do Fundamental até o fim do Ensino Médio foram duramente criticados por especialistas, professores e alunos.
Educadores ouvidos pelo Metrópoles afirmaram que o livro didático é o “principal suporte pedagógico” das escolas e elencaram problemas práticos para a viabilização do formato puramente digital, como a falta de computadores e internet nas escolas.
Especialistas criticaram a afirmação de que as obras PNLD são superficiais. “A gente tem 20 anos de cultura e avaliação do PNLD”, disse a presidente da Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (ABRALE), Maria Cecília Condeixa.
Ela afirma que o programa tem uma seleção rigorosa e explica que as obras passam por um edital e são avaliadas por especialistas antes de serem disponibilizadas para os estados.
Outros pontos como a falta de autonomia dos professores, que receberão um conteúdo igual para todas as escolas, e o alto uso das telas por adolescentes também foram alvo de críticas.
Como o governo reagiu às críticas
A onda de críticas ao plano do governo estadual fez com que, no final de semana, Tarcísio de Freitas recuasse da ideia de um conteúdo 100% digital a partir de 6º ano.
Em entrevista no último sábado (5/8), o governador afirmou que disponibilizaria material impresso aos alunos.
“Nós vamos encadernar esse material e entregar ele também impresso, encadernado. Ou seja, se o aluno quiser estudar digitalmente ele vai poder, se ele quiser estudar no conteúdo impresso, no caderno, ele também vai ter essa opção. As duas opções vão estar disponíveis”, disse Tarcísio.
Na segunda-feira (7/8), o secretário Renato Feder afirmou que o material impresso citado pelo governador será o Currículo em Ação, apostila com exercícios que já é entregue aos estudantes atualmente e que deixaria de ser disponibilizada com a proposta das aulas digitais.
O governo continua, no entanto, sem adotar os livros do PNLD. Feder disse em entrevista que a gestão quis ficar de fora do programa porque os livros do MEC não podem ser “grifados” pelos alunos, já que são reaproveitados por outras turmas nos anos seguintes.
Ele defendeu que as apostilas do Currículo em Ação, ao contrário dos livros do PNLD, são de uso pessoal de cada aluno.
“Esse material aqui é consumível, é um livro consumível. O aluno escreve aqui, ele grifa, anota, rabisca. Os livros do PNLD não são consumíveis no ciclo que a gente está falando”, disse Feder, afirmando que o governo quer que os alunos usem o livro “de verdade”.
O secretário defendeu ainda que a mudança vai “facilitar a vida dos professores e dos alunos”, já que as escolas terão apenas um material para seguir.
Por que o MPSP está investigando a recusa do PNLD
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) instaurou um inquérito civil para investigar a decisão do governo Tarcísio de recusar livros didáticos nas escolas estaduais a partir do 6º ano.
A promotora Fernanda Peixoto Cassiano questionou o fato de que, com essa decisão, o governo optou por abrir mão de R$ 120 milhões a que teria direito de receber pelo Programa Nacional do Livro Didático.
As obras do PNLD não têm custo nenhum para o estado. Já o material didático feito pela gestão Tarcísio será pago com verba estadual.
Além dessa investigação, o MPSP também apura um possível conflito de interesses envolvendo o secretário Renato Feder e contratos da pasta com uma empresa fornecedora do governo da qual Feder é acionista, conforme foi revelado pelo Metrópoles, em dezembro de 2022.
O secretário é dono da Dragon Gem LLC, uma offshore com sede no estado de Delaware (EUA) que detém 28,16% das ações da Multilaser Industrial S/A, uma das fornecedoras de notebooks da Secretaria da Educação, pasta comandada por ele. Os contratos vigentes foram fechados na gestão anterior e somam cerca de R$ 200 milhões.