Lei de Tarcísio abre caminho para associações em escola cívico-militar
Três meses antes da lei, governo Tarcísio havia dito que uso de associações subverte “fundamento institucional” das escolas cívico-militares
atualizado
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São Paulo — A lei que instituiu o Programa Escola Cívico-Militar no estado, sancionada no fim de maio pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), abre caminho para a atuação de entidades na implantação deste modelo como a Associação Brasileira de Educação Cívico-Militar (Abemil), criada pelo suplente de deputado federal Capitão Davi Lima Sousa, do PL do Distrito Federal.
Como o Metrópoles revelou no início do mês, a Abemil tem assinado contratos milionários de parceria com prefeituras, sem licitação, para viabilizar a criação de escolas cívico-militares em redes municipais de ensino. Em cinco anos, a entidade criada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em um escritório na Asa Norte, em Brasília, já faturou R$ 11 milhões com o modelo.
Três meses antes da aprovação da lei estadual na Assembleia Legislativa (Alesp), o governo Tarcísio, por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), tinha se manifestado contra a atuação de associações na implantação do modelo cívico-militar. A posição consta em um processo movido pela Apeoesp, o sindicato dos professores do estado, contra uma lei municipal de Taubaté, que criou um programa de escolas cívico-militares na cidade do interior.
A lei municipal prevê que militares da reserva das Forças Armadas e da Polícia Militar possam trabalhar nas escolas, e permite que as contratações sejam vinculadas a associações ou organizações sociais. Na ação, o sindicato pede que a lei seja declarada inconstitucional alegando, entre outros motivos, que a criação de novos modelos de ensino cabe apenas à União.
Citada para se manifestar no processo, a PGE concordou que a lei é inconstitucional por “invasão de competência” da União e do Estado, e alertou para os problemas da implantação do modelo por meio de associações. O órgão do governo Tarcísio afirmou que o uso das entidades, ainda que sejam formadas por militares inativos, provoca a “subversão do próprio fundamento institucional” dos programas de educação cívico-militar.
Segundo a manifestação da PGE, a presença das organizações para a criação do modelo em escolas viola as “regras de utilização de militares em atividades civis de natureza temporária” e impede a “aplicação do regramento disciplinar militar aos militares inativos empregados nessa função pública”. A lei municipal de Taubaté foi suspensa por meio de uma decisão liminar (provisória) da Justiça estadual. O processo ainda está em curso.
Ao ser questionado pelo Metrópoles nesta semana se mantém a posição contrária à atuação das associações na implantação do modelo militarizado no ensino público, o governo Tarcísio afirmou, por meio de nota, que a nova lei estadual, sancionada no fim de maio e após a manifestação da PGE na Justiça, prevê a existência de convênios
“A PGE reforça que a lei estadual prevê (art. 15) que para a execução do programa poderão ser firmados convênios, termos de compromisso, acordos de cooperação ou outros instrumentos congêneres”, diz a nota, sem citar com quais tipos de entidades e para quais finalidades. No caso da Abemil, do suplente de deputado do PL, os convênios com prefeituras tratavam da seleção de militares ou outros profissionais para atuar nas escolas.
A lei sancionada por Tarcísio determina que a Secretaria da Educação — e as pastas municipais da área nos casos de adesão de cidades — façam o processo seletivo dos policiais militares da reserva que atuarão como monitores nas escolas. Mas o artigo 15 citado pelo governo permite parcerias para a implantação do modelo.
A PGE afirma que se manifestou no processo na época informando sobre a ausência de competência municipal para legislar sobre a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiro Militar. Segundo o governo, na época, a lei estadual que instituiu o Programa Escola Cívico-Militar no Estado ainda não tinha sido criada, mas agora os municípios podem, voluntariamente, aderir ao projeto.
A posição da PGE na ação foi defendida três meses antes de o próprio governo convidar uma escola militarizada por meio da Abemil para uma cerimônia oficial no Palácio dos Bandeirantes. Na ocasião, estudantes da Escola Municipal Professora Maria Cristina Sutti Lopes Moreno, da cidade de Lins, cantaram o hino nacional e abriram o evento que marcou a assinatura da lei estadual que criou o programa de escolas cívico-militares no estado. A Prefeitura de Lins já soma R$ 1,9 milhão em contratos assinados com a Abemil.
Dois dias depois da participação da escola municipal de Lins na cerimônia do governo estadual, uma decisão da Justiça também suspendeu a eficácia da lei local que autoriza as escolas cívico-militares na cidade.
A Prefeitura de Lins entrou com recurso na ação, alegando que 351 alunos já estão matriculados na Escola Professora Maria Cristina Sutti Lopes Moreno, e pediu a suspensão da liminar alegando perigo de “instabilidade social”. O recurso ainda não foi julgado.