Justiça proíbe devolução de imigrantes retidos em aeroporto de SP
Justiça Federal determinou que a devolução de três grupos de pessoas, retidos no Aeroporto de Guarulhos, não pode ser realizada pela polícia
atualizado
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São Paulo — A Justiça Federal, atendendo a pedido da Defensoria Pública da União (DPU), determinou que autoridades policiais não poderão realizar a devolução de três grupos de pessoas, que estão no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, solicitando refúgio aos seus países de origem até nova manifestação.
O habeas corpus impetrado pela DPU pede a proibição de devolução desses imigrantes e ainda que eles tenham acesso ao direito legal de requerer refúgio.
A Justiça Federal determinou ainda que essas pessoas deverão permanecer sob custódia da Polícia Federal (PF), em área de fiscalização e segurança do aeroporto.
Em nota enviada ao Metrópoles, a DPU informou que continua realizando visitas periódicas ao Aeroporto de Guarulhos e tomando as medidas judiciais cabíveis em defesa desses imigrantes.
Morte de imigrante
Um dos 466 imigrantes retidos no Aeroporto de Guarulhos morreu em decorrência de um infarto. Evans Osei Wusu, de 39 anos, proveniente de Gana, passou mal na área restrita, recebeu atendimento no posto médico do aeroporto e foi encaminhado ao Hospital Geral de Guarulhos, onde faleceu em 13 de agosto. A informação foi confirmada pela PF e pelo Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Evans morreu de infecção generalizada, após ter sido diagnosticado com um quadro de infecção urinária. Ele foi enterrado no Cemitério Necrópole do Campo Santo, que é municipal.
Familiares do imigrante disseram que, antes de ser hospitalizado, ele tentou pedir ajuda e que, apesar de ser cidadão de Gana, foi enterrado no Brasil sem que a família soubesse. Em entrevista ao G1, Priscilla Osei Wusu, prima de Evans, relatou que a vítima foi ignorada mesmo relatando dores:
“Ele enviou para o meu tio sobre como ele está sofrendo e as autoridades o ignoraram. Foram necessários alguns africanos lá [no aeroporto] para protestar antes que eles organizassem uma emergência”, afirmou ao portal.
Ela também disse que Evans ficou no aeroporto após ter sua entrada no México barrada, país onde tinha uma cirurgia de coluna agendada. “Não sei o motivo dele não conseguir entrar no México. Até o médico que deveria operá-lo conversou com a imigração do México e pediu que o acompanhassem ao hospital. Nós até pagamos o hotel dele naquela noite. Voltou para São Paulo e ficou retido após pedir refúgio. Ele queria que as autoridades [brasileiras] o mandassem para o hospital”, disse.
Priscilla ainda revelou ao portal mensagens e um áudio que enviado por Evans ao tio que mostra a vítima relatando muita dor e que precisava ir a um hospital urgente. O imigrante reclamava de uma dor no peito e dizia que as pessoas não entendiam o que ele falava.
Em nota enviada ao Metrópoles, a DPU disse que está acompanhando o caso de Evans Osei Wusu e que mantém contato com a família da vítima, ressaltando que os dados e o andamento do caso estão protegidos por sigilo e confidencialidade.
“A DPU atua de forma estrutural no acompanhamento da situação, avaliando eventual responsabilização civil do Estado brasileiro e das empresas envolvidas no tratamento dispensado aos migrantes no citado aeroporto”, informa a nota.
À época, o imigrante estava “na condição de inadmitido em área restrita, em razão de não possuir os documentos necessários para ingresso no país” desde o dia 8 de agosto, segundo a PF.
Em nota ao Metrópoles, o Ministério da Justiça informou que não cabe à Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) o acompanhamento da assistência específica ao migrante de Gana. Disse, ainda, que a Senajus não foi comunicada sobre a situação do viajante. “A comunicação […] aconteceu no dia 16 de agosto, após o falecimento”, informou.
“Imediatamente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou ofício ao Ministério das Relações Exteriores solicitando que providências fossem tomadas para a comunicação da situação à Embaixada de Gana —o que, de fato, foi feito pelo Itamaraty”, diz a nota.
“Importante registrar que o episódio não tem relação com os novos procedimentos adotados pelo Ministério da Justiça no Aeroporto Internacional de Guarulhos. As medidas foram implementadas a partir do dia 26 de agosto para, justamente, evitar episódios como o do migrante de Gana”, finaliza o ministério.
Fome, frio e gripe
Em 15 de agosto, a DPU esteve presente na área restrita do terminal 3 do aeroporto, para “diagnóstico da situação e avaliação de medidas cabíveis”. De acordo com o relatório, “há reiteradas situações de violação de direitos humanos” na retenção dos imigrantes em uma área restrita do aeroporto.
A área restrita é uma região do terminal onde ficam os imigrantes ainda não admitidos, ou seja, que ainda não ingressaram no país oficialmente por estarem sem visto ou documentos. A PF contabiliza 466 imigrantes nessa situação, enquanto a DPU indica cerca de 550 pessoas.
“Foram encontradas crianças, adolescentes, pessoas dormindo no chão e uma crescente demanda por atendimento de saúde, com muitas pessoas apresentando sintomas gripais”, diz o documento. “A situação atual está bastante agravada pelo frio. A DPU constatou que muitos não receberam cobertores e passam as noites sem qualquer agasalho.”
Segundo uma imagem anexada pelo DPU ao relatório (veja acima), o aeroporto restringiu o apoio aos imigrantes ali retidos. Em um cartaz escrito à mão e assinado pela “supervisão”, há orientações para não levar os “inads” (passageiros inadmissíveis) em “nenhum lugar”, como para comprar água ou café, ou ir à farmácia. “Não saem de forma alguma”, reitera o comunicado.
“As imagens são representativas de um tratamento inadequado com os migrantes, contrariando a legislação nacional e o dever de tratamento humanitário aos migrantes e potenciais requerentes de refúgio”, denunciou a DPU.
Após a vistoria, a DPU recomendou o atendimento emergencial das demandas de saúde e assistência social e esclarecimentos sobre a morte do imigrante nacional de Gana.
Além disso, pediu a adoção de procedimentos mais rápidos para a liberação das pessoas, por meio de admissão excepcional ou entrada condicional, meios previstos na Lei de Migração.
Quanto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), houve pedido para que as companhias aéreas transportadoras sejam responsabilizadas pela manutenção dos solicitantes de refúgio durante o processo de controle migratório até sua liberação definitiva.
Em nota enviada ao Metrópoles, a Anac informou que “recebeu a notificação em questão e fará as devidas manifestações nos autos do processo”.