Junho de 2013: onde estão os líderes dos protestos 10 anos depois
Militantes do MPL que lideraram protestos em junho de 2013 em São Paulo deixaram grupo, mas ainda conversam sobre conjuntura e tarifa zero
atualizado
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São Paulo — Há algumas semanas, quando a efeméride de dez anos dos protestos de junho de 2013 se aproximava, antigos integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), que deu início às manifestações de rua em São Paulo que sacudiram o país, começaram a trocar mensagens em um grupo de WhatsApp.
Como alguns jornalistas já estavam procurando os “rostos” do movimento, a ideia era formular a mensagem que gostariam de passar à imprensa sobre aquele momento de ebulição social e política, que começou com um protesto de 2 mil pessoas na Avenida Paulista, no dia 6 de junho, contra o aumento de 20 centavos na tarifa do transporte público de São Paulo.
O que aconteceu com os jovens que conseguiram em poucos dias arrastar uma multidão para as ruas, confrontando as autoridades, especialmente a polícia, com seu movimento “horizontal” e independente? O que eles pensam sobre o que aconteceu no Brasil a partir de junho de 2013 — o impeachment de Dilma Rousseff, a ascensão de Jair Bolsonaro e o retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder?
Eles sabiam que essas seriam algumas das perguntas que teriam de responder e a troca de mensagens pelo WhatsApp ajudaria a uniformizar o discurso sobre as visões que eles têm até hoje. Em 2013, as entrevistas do MPL contra o aumento do preço das passagens de ônibus de R$ 3 para R$ 3,20 e em defesa do “passe livre”, também chamado de “tarifa zero”, tinham as mesmas frases, marteladas exaustivamente.
“Nossas entrevistas eram certeiras. A gente não decorou nada. A gente construiu tudo aquilo”, lembra Mayara Vívian, de 33 anos, uma das porta-vozes do MPL na época.
Casa do Povo e excursões estudantis
Formada em Geografia, Mayara (foto em destaque) é hoje uma das coordenadoras da Casa do Povo, centro cultural comunitário fundado por judeus sobreviventes do Holocausto, no Bom Retiro, região central da capital paulista. Ela também trabalha com excursões estudantis, levando jovens para conhecer locais como Brasília e se mantém militante de esquerda, embora tenha deixado o MPL em 2016.
Dez anos depois, Mayara admite que a energia já não é a mesma de quando tinha 23 anos e sua vida se alternava entre organizar protestos contra a tarifa de ônibus e equilibrar bandejas em um bar da Vila Madalena, zona oeste paulistana, onde trabalhava como garçonete.
“Não é à toa que a juventude é ator revolucionário”, diz Mayara. Ela lamenta que hoje não consegue mais participar de todas as manifestações que gostaria, como os atos realizadas pelos indígenas guaranis contra o projeto de lei do marco temporal, na semana passada, por causa da idade e das novas responsabilidades.
“Aí você come um negócio que não cai bem, passa mal à noite, torce o pé, é alguma coisa que dói, a pessoa tem filho e o filho ficou com febre, tem o trabalho para entregar no dia seguinte, o boleto que vai vencer e aí você pega um freela. A vida começa a ficar insuportável”, afirma, em tom de brincadeira.
Mayara avalia que as manifestações de junho de 2013 foram um acerto, embora admita que pague até hoje um preço por ter sido um dos rostos do MPL. Conta que perdeu estágios e até foi dispensada de empregos em sua área, por causa da ligação com os protestos.
“Eu deixei de pegar estágio. Queria ir para essa parte de planejamento, parte técnica, tentei entrar na Fundação Florestal, o cara olhou e falou na minha cara: ‘Não dá’. Mas Deus escreve certo por linhas tortas.”
Ela refuta análises feitas por acadêmicos de que os atos daquele ano resultaram na ascensão de Jair Bolsonaro ao poder em 2018, e de um grupo político antagônico, de extrema-direita. Para ela, o PT, partido que governava tanto o país com Dilma quanto a Prefeitura de São Paulo, com Fernando Haddad, optou por um caminho de críticas ao movimento que favoreceu os adversários.
“Quando o PT escolhe dar a mão para o empresário e botar gente na cadeia, você está colocando seu amigo na cadeia e dando a mão para o cara que vai te f… Então, poderia aprender um pouco com isso. Não foi o Movimento Passe Livre que colocou o (Michel) Temer de vice”, afirma.
Professor e defensora
No auge dos protestos de junho de 2013, dois integrantes do MPL ficaram no centro do Roda Viva, tradicional programa de entrevistas da TV Cultura. Eram outros dois rostos do até então pouco conhecido movimento que surgiu em 2005 e já havia feito inúmeros outros atos sem relevância política em defesa do transporte gratuito nas cidades.
Um deles era Lucas Monteiro de Oliveira, que se formou em História e hoje dá aulas da matéria em um colégio particular do Alto de Pinheiros, bairro nobre da zona oeste da capital.
A outra porta-voz era Nina Cappello Marcondes, que estudava Direito na Universidade de São Paulo (USP) na ocasião. Ela se mudou para Goiás, onde foi selecionada em um concurso público e se tornou defensora da 1ª Defensoria Pública Especializada de Famílias e Sucessões de Valparaíso de Goiás.
Os dois eram considerados pela imprensa os “líderes” do movimento, embora na época dissessem que o MPL era um grupo horizontal, sem lideranças. Eram eles que negociavam com o comando da Polícia Militar os trajetos que seriam feitos pelas ruas de São Paulo na hora da manifestação, sem aviso prévio.
O Passe Livre ainda existe em São Paulo e os atuais militantes do grupo ainda atuam em defesa da tarifa zero no transporte público. A Casa do Povo, onde Mayara trabalha, virou ponto de encontro para algumas reuniões do grupo – embora o centro comunitário não tenha ligação formal com o movimento.
Outros grupos de mesmo nome, que atuam como uma federação, também estão presentes em cidades como Belo Horizonte e no Distrito Federal.