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Juízes fazem nomeações cruzadas de parentes em recuperações judiciais

Juiz do Rio nomeou irmão de magistrado de São Paulo como administrador de recuperação judicial um mês após colega paulista nomear sua esposa

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1 de 1 Imagem colorida da fachada do prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo - Metrópoles - Foto: Reprodução/Apatej

São Paulo — No intervalo de um mês, dois juízes estaduais, um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro, fizeram nomeações cruzadas de parentes para conduzir processos milionários de recuperação judicial que estão em seus gabinetes. Os dois familiares foram escolhidos como administradores judiciais, função de confiança dos magistrados que comanda os casos de saneamento das contas de empresas em crise financeira.

Os administradores judiciais são responsáveis por organizar o pagamento das dívidas, além de fazer relatórios mensais das contas e conduzir assembleias. Para isso, ganham honorários sobre o valor das causas, até o limite de 5%. Os juízes são livres para escolher os ocupantes dessas função e parentes da toga estão ganhando espaço neste mercado.

O caso mais recente identificado pelo Metrópoles mostra a ascensão de parentes de juízes em estados vizinhos. O juiz Marcello Perino, da 1ª Vara Empresarial de São Paulo, nomeou, no dia 15 de maio, a advogada Taíssa Salles Romeiro como administradora judicial da Pack Solution, empresa de embalagens cujas dívidas chegam a R$ 13 milhões.

Taíssa é mulher do juiz da 1ª Vara Empresarial do Rio, Alexandre de Carvalho Mesquita. No mesma dia do mês seguinte, o magistrado carioca nomeou o advogado Fernando Perino, irmão do juiz Marcello Perino, para o cargo de administrador judicial da Rio Drog’s, uma distribuidora de medicamentos do Rio que tem R$ 32 milhões em dívidas.

Em comum, Perino e Taíssa carecem de um histórico mais robusto de atuação como administradores judiciais. Perino abriu a Wynn Recuperação Judicial há um ano e seis meses. Desde então, assumiu duas falências na 1ª Vara de Insolvências, que fica no andar de cima do gabinete de seu irmão, no Forum João Mendes, na Praça da Sé.

Na mesma vara, Taíssa assumiu, em 2020, seu primeiro caso, em São Paulo. Trata-se de uma das falências ligadas ao empresário Naji Nahas. O caso é grande e tem recebido propostas de centenas de milhões de reais para a compra da massa falida.

Administradores judiciais têm a obrigação por lei de terem um site com informações básicas sobre seus processos. O Metrópoles não localizou o site da Wynn, de Fernando Perino. O site da AdMassa, de Taíssa Salles Romero, tem apenas documentos sobre a falência da empresa ligada a Nahas.

Os casos são de menor porte em relação às grandes recuperações judiciais que estão nas varas especializadas. No Rio, já há uma concentração de processos nas mãos de parentes de magistrados, como os das Lojas Americanas e da Itaipava, que têm como administrador judicial o ex-deputado Sérgio Zveiter, irmão do decano do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), Luiz Zveiter. A Corregedoria do órgão já obrigou administradores judiciais a declararem grau de parentesco com magistrados.

Renúncia e intimidade

Seis dias após o pedido de esclarecimentos do Metrópoles, o juiz do Rio Alexandre Carvalho de Mesquita afirmou, na última terça-feira (8/7), que sua esposa “trabalha na cidade de São Paulo como administradora judicial desde 2019, ou seja, em outra jurisdição justamente para evitar qualquer conflito ou suposta vinculação com o marido”.

“Eu, como juiz titular da 1ª Vara Empresarial há mais de sete anos, oportunizo a nomeação para vários profissionais da minha confiança, inclusive de outros estados, independentemente do grau de parentesco com outros magistrados, até porque são profissionais qualificados no mercado e desde que não ultrapasse o limite de nomeações determinado pelo CNJ”, afirmou o magistrado.

Na sequência, o juiz emendou: “Finalmente, acredito que exista alguma informação equivocada, pois minha esposa não assumiu como administradora judicial nenhum processo recente em São Paulo”. No mesmo dia da resposta do magistrado, Taíssa Salles Romeiro, mulher dele, pediu formalmente para deixar a recuperação judicial em São Paulo, alegando “compromissos profissionais anteriormente assumidos pela representante legal da administradora judicial nomeada”.

Ao Metrópoles, ela disse que a reportagem está “invadindo” sua “intimidade” e sua “liberdade profissional de assumir processos em outro estado”, onde o “marido não é juiz”. “Mas gostaria de deixar claro que eu sou uma pessoa que tenho uma agenda de trabalho muito grande e aceitei a nomeação do Dr. Marcello Perino para fazer a constatação prévia, por um curto espaço de tempo”, diz.

Ela afirma ainda que renunciou porque “não teria condições de assumir” a administração judicial porque começará a dar aulas em uma universidade. “Tenho várias atividades, dentre elas de administradora judicial à qual fui nomeada em São Paulo desde setembro de 2019. Nunca assumi administração judicial na Comarca do meu esposo”, diz.

“Não sabia que ser esposa de um juiz é algum crime ou que eu tenha qualquer relação com a vida profissional de meu marido, enquanto juiz de Direito em uma jurisdição diferente da qual atuei ou atuo como administradora judicial ou perita”, afirma a advogada.

Sem conflito

O juiz Marcello Perino, da 1ª Vara Empresarial de São Paulo, afirmou não haver “nenhum tipo de conflito de interesses, nem mesmo a imputação de nomeação cruzada”.

“Cada juiz tem sua discricionariedade para nomear quem quiser. Não há nenhum impedimento legal de poder nomear qualquer profissional que está no mercado”.

O magistrado mostrou à reportagem em seu gabinete que nomeia administradores judiciais de diversos estados, como Mato Grosso e Tocantins, e afirmou que tem “vários administradores judiciais com apenas uma nomeação”.

“É uma vara muito jovem, de três ou quatro anos, no máximo. Começamos a judicar em 2020. Efetivamente, isso é um fato que acontece com tanta gente. Por que da nomeação dela? Porque ela tem um bom nome, a despeito de ser jovem, e inclusive é administradora judicial de uma das maiores falências que tem, que é do Naji Nahas, na 1ª Vara de Falências”.

Ele afirma que nunca ligou para o juiz do Rio e nem pediu “nada a ele”. “Não tenho a menor intimidade com ele. Como ele nunca ligou para mim, não tem intimidade comigo, não frequenta a minha casa. Nunca foi pedido nada para ninguém. As nomeações se deram porque são profissionais que estão no caminho, no trabalho, no mercado. Acho que sou um dos juízes que mais fazem diversificação de nomeação”.

Perino diz ainda que que só ficou sabendo da nomeação de seu irmão no Rio após o contato do Metrópoles. Ele também diz achar “extremamente equivocada” a renúncia da advogada Taíssa Salles Romeiro. “Como não há conflito de interesse e nomeação cruzada, e não houve pedido de ninguém, eu acho que ela deveria ter continuado”.

Já o irmão dele, o advogado Fernando Perino, afirma que a nomeação como administrador judicial no Rio se justifica pelo fato de atuar há mais de 30 anos, com ampla especialização na área de insolvências. “As nomeações são feitas pelos juízes em confiança e, obviamente, em confiança de um trabalho que será desenvolvido, controlado, acompanhado por credores, pelo Ministério Público”, diz. “Acho que as nomeações que eu recebi foram em caráter de confiança e em razão de todo o trabalho desenvolvido em minha carreira”.

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