Irmãs são elo entre empresas de esquemas investigados na gestão Nunes
Empresas investigadas na máfia das creches e por suspeita de superfaturamento de obras emergenciais têm mulheres da mesma família em comum
atualizado
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São Paulo — Empresas pivôs de dois diferentes esquemas sob investigação na gestão do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), têm um elo familiar. Duas irmãs integram os quadros de uma empreiteira investigada por suposto superfaturamento de contratos emergenciais e de uma associação ligada à chamada máfia das creches. Uma trabalhou para a empresa da família do prefeito e outra para o compadre do emedebista.
Elaine Targino da Silva já trabalhou na empresa do próprio prefeito e preside a associação investigada pela máfia das creches que levou a Polícia Federal (PF) a pedir uma investigação sobre Nunes, que nega qualquer envolvimento. Já a irmã dela, Elisa Targino, é responsável pelo financeiro da construtora do compadre do prefeito que mantém contratos milionários sem licitação com a Prefeitura. A empresa é investigada por favorecimento na gestão Nunes.
Juntas, as duas irmãs também foram citadas em uma história de fraudes. Elas foram acusadas pela família de um cliente de 85 anos do Bradesco que havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) de desviar o saldo das contas do idoso à sua revelia para a conta de Elaine. O Bradesco acabou condenado a indenizar a família. Havia comprovantes dos depósitos na ação judicial, atestados por perícia.
Máfia das creches
Formalmente, apenas uma delas é investigada. Trata-se de Elaine Targino da Silva, de 47 anos, moradora do Jardim Ipanema, na zona sul de São Paulo. Ela presidiu a Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), entidade da qual o prefeito afirma ser voluntário e próximo de seus membros.
A associação é investigada por um suposto esquema de fraudes em contratos com a Prefeitura de São Paulo que movimentou R$ 1,5 bilhão. Segundo a PF, o esquema de desvios funcionava com o uso de empresas “noteiras”, responsáveis por emitir notas frias para lavagem de dinheiro dos desvios da verba dos contratos.
A PF apontou que a Acria repassou R$ 2,5 milhões à principal noteira do esquema, dos quais R$ 1,3 milhão foram devolvidos à entidade. A mesma empresa responsável pela lavagem de dinheiro pagou R$ 20 mil à Nikkey, empresa de dedetização de Nunes, da qual a presidente da Acria era auxiliar administrativa. O próprio prefeito recebeu R$ 11,6 mil da noteira.
À PF, Elaine deu a desculpa de que os valores recebidos de volta pela noteira eram “doações”. Disse ainda que entregaria comprovantes, mas, segundo a PF, nunca cumpriu essa promessa, feita em depoimento.
Como mostrou a colunista Raquel Landim, do portal UOL, Elaine registrou em 2017 um boletim de ocorrência sobre uma suposta ameaça de Janaína Reis, irmã de Ricardo Nunes. Na ocasião, segundo ela, a advogada teria lhe enviado áudios ameaçadores por não pagar dívidas em “honorários”.
O financeiro do compadre
Irmã de Elaine, Elisa Targino da Silva Pelisson, de 50 anos, moradora do jardim dos Lagos, também na zona sul paulistana, é “auxiliar financeira” da DPT Engenharia, empreiteira de Pedro José da Silva, padrinho da filha do prefeito Ricardo Nunes. Formalmente, a empresa está em nome de seu filho, Pedro José da Silva Junior.
O grau de proximidade de Elisa com Pedro José da Silva foi evidenciado em um boletim de ocorrência que ela registrou na Polícia Civil em agosto de 2023, no qual ela se dizia “pessoa de confiança” do sócio da DPT e contou trabalhar lá há cinco anos. Ela denunciou suposto uso de seu computador por terceiros para efetuar fraudes bancárias na empresa.
No ano passado, um levantamento do Tribunal de Contas do Município (TCM) mostrou que a empresa do compadre de Nunes acumulou R$ 43 milhões em contratos sem licitação entre 2021 e 2023, já na gestão do emedebista. Os contratos sem licitação com o selo de obras emergenciais, como é o caso da DPT Engenharia, passaram a ser investigados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Há duas investigações abertas. Em uma delas, a DPT é investigada pelo contrato emergencial de R$ 4,4 milhões para contenção de margem de um córrego em Parelheiros. O MPSP justifica a abertura da apuração pelos “supostos indícios de favorecimento da DTP.
“A empresa DTP Engenharia e Arquitetura Ltda. pertencente ao Sr. Pedro José da Silva Jr., filho do Sr. Pedro José da Silva, padrinho da filha do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, empresa que acumula contratos no montante de R$43 milhões, firmados entre 2021 e 2023, realizados com dispensa de licitação”, diz o MPSP.
Há outra investigação nos mesmos moldes na Promotoria sobre outra obra da empreiteira em São Paulo.
O rolo das irmãs
As irmãs aparecem juntas em uma ação judicial que levou à condenação do Bradesco a devolver mais de R$ 1 milhão à família de um idoso de 85 anos que havia sofrido um AVC e teve parte do saldo de suas contas desviado.
À época dos fatos, em 2017, Elisa era gerente da conta bancária do aposentado. A família disse ter sido alertada por colegas de trabalho que as contas dele estavam efetuando transferências diretamente para a conte Elaine.
A família anexou comprovantes dos depósitos, que foram atestados pela perícia nomeada pelo juiz do caso. O magistrado afirmou, na sentença que condenou o banco, ser “clara a realização de operações bancárias fraudulentas pela preposta Elisa Targino da Silva Pelisson”.
Somente para Elaine, ela teria efetuado repasses de R$ 71,5 mil em diversas transações. A Justiça condenou o banco a reparar a família em R$ 1,1 milhão desviados da conta do idoso e outros R$ 20 mil por danos morais.
O Metrópoles não localizou as irmãs Elaine e Elisa Targino. A DPT Engenharia também não se manifestou. O Bradesco não respondeu ao Metrópoles se tomou alguma medida contra Elisa após a condenação por fraudes.
“Prestou serviço”
Questionado sobre sua relação com Pedro da Silva, Nunes afirmou que ele está há mais de 20 anos trabalhando como empreiteiro na cidade. “Ele teve a empresa dele cadastrada e as empresas que prestam serviços para a Secretaria de Obras têm um pré-cadastro. Eu vou te garantir, te dou a minha palavra, de que eu só fiquei sabendo que ele pegou o serviço pela imprensa. Eu não fiz nenhuma indicação, jamais faria. A minha vida inteira foi de zelo, de cuidado, não teve absolutamente nenhuma interferência minha”, afirmou.
Nunes ainda justificou que não pode “impedir uma pessoa que teve uma empresa que atua há 30 anos” de ser contratada pela prefeitura. “Eu sou prefeito, você é padrinho da minha filha, você não pode prestar serviço? Isso não existe”. “Não tem nenhuma indicação de que tenha erro na obra, nada. Ele só prestou um serviço, não tem problema”, concluiu.
Por meio de nota, a assessoria da campanha do prefeito afirmou, ainda, que “é absurda a ideia de fazer correlação entre os dois fatos”, a máfia das creches e os contratos emergenciais. “Conectar o prefeito Ricardo Nunes, então, ao parentesco entre uma ex-funcionária de sua empresa e uma funcionária de um antigo prestador de serviço do município é uma ilação fantasiosa e irresponsável”, diz.
“O prefeito Ricardo Nunes nunca ouviu falar em Elisa Targino. Pedro José da Silva presta serviços para a Prefeitura de São Paulo há mais de duas décadas, desde 2002, inclusive sob a gestão de dois governos do PT. Os contratos emergenciais firmados no governo Nunes seguiram rigorosamente a legislação vigente e ocorreram após recomendação expressa da área técnica da Defesa Civil”, completou.
Segundo a nota, “Elaine Targino não é do ‘círculo de confiança’ do prefeito”. “Elaine foi funcionária de uma empresa de sua família, há muitos anos, e atuou na Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria). O prefeito não tem relação com a entidade”, afirma.
Sobre a máfia das creches, a assessoria de Nunes afirma que o inquérito da Polícia Federal aberto em 2019 “foi concluído dois meses da eleição, com o indiciamento de 111 pessoas” e que “o prefeito Ricardo Nunes não foi indiciado”.
“No processo, nunca houve nenhuma acusação contra Ricardo Nunes e a empresa Nikkey. Reforçamos: nenhuma acusação, nenhuma irregularidade. Na conclusão do inquérito e apenas em razão de análise incorreta dos múltiplos documentos que foram juntados pela defesa, o delegado explicita que deveria ser verificado os pagamentos que foram feitos à empresa Nikkei por serviços prestados, cujas notas, lançadas e com os impostos recolhidos, foram anexados. O prefeito prestou todos os esclarecimentos no processo e, reiteramos, não resultou em qualquer acusação. Foram serviços prestados sem quaisquer irregularidades”, conclui.