Instituições usadas por PCC e fraudadores foram autorizadas pelo BC
Pelo menos 10 instituições autorizadas pelo Banco Central (BC) são investigadas por leniência e até participação em lavagem de dinheiro
atualizado
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São Paulo — Em meio a uma onda de “fintechização” do sistema financeiro, o Banco Central (BC) concedeu autorizações de instituição de pagamento e até mesmo de bancos para empresas que acabaram enredadas em investigações sobre lavagem de dinheiro para facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e para casas de apostas, entre outros crimes.
Um levantamento do Metrópoles mostra que somente operações policiais de grande repercussão nos últimos meses, que bloquearam R$ 17,7 bilhões, identificaram pelo menos 11 instituições financeiras sendo usadas por criminosos para lavagem de dinheiro. De todas elas, apenas uma não está sob suspeita de ter participado ou sido leniente com os crimes, de acordo com as investigações.
Termo da moda no sistema financeiro, fintech é o nome dado a uma empresa de tecnologia que vende produtos financeiros por meio de plataformas on-line. São essas empresas, com escritórios na região da Faria Lima e roupagem de bancos, que oferecem contas para blindar patrimônio de seus clientes de bloqueios judiciais.
Essas empresas estão servindo para dar lastro a contas usadas por empresários que tentam driblar bloqueios do próprio Banco Central (BC) por dívidas, como em casos de recuperação judicial e falência, ou mesmo em meio a demandas trabalhistas.
Elas podem ser ou não instituições financeiras. Quando não têm essa autorização, essas empresas apenas usam seus CNPJs para prestar serviços financeiros com uso de contas e meios de transferências de bancos e instituições de pagamento com o selo do Banco Central.
A manobra que oferecem para blindar patrimônios faz com que o BC e órgãos de controle e investigação, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), não encontrem dinheiro investigado ou para sanar dívidas em casos de bloqueios bancários.
Um exemplo de como fintechs levaram esquema de lavagem de dinheiro para dentro do sistema financeiro foi a Operação Concierge, deflagrada em agosto pela Polícia Federal (PF), para cumprir 14 mandados de prisão contra pessoas ligadas a bancos autorizados e não autorizados pelo BC que estariam sendo usados para fraudes e até mesmo movimentações para empresas ligadas ao PCC. Na ocasião, foram bloqueados R$ 7,5 bilhões.
O principal caso da Concierge envolve o T10 Bank, que não é um banco, apesar do nome, mas promete, mesmo após a prisão de seus sócios, a blindagem de patrimônios a interessados. O T10 fez movimentações milionárias para a UpBus, empresa de ônibus suspeita de ligação com o PCC, em contas bolsão que ele abria no Banco Rendimento, uma instituição financeira autorizada pelo BC.
Com essa modalidade de conta bancária, o T10 blindava a UpBus, recheada de dívidas tributárias, por exemplo, e investigada por seu elo com o PCC, de bloqueios judiciais. É que na hora de bloquear eventualmente seu saldo, o Banco Central nunca encontraria dinheiro da UpBus que estivesse hospedado em uma conta do Rendimento e em nome do T10.
No pedido de buscas e prisões contra investigados, a PF afirmou ter sido surpreendida com o atraso do envio de dados do Rendimento sobre o T10 Bank para o BC. “Percebe-se que o Banco Rendimento operacionaliza um sistema fraudulento por meio de contrato firmado com a T10 Bank, lavando as mãos sob o argumento de que cabe exclusivamente a T10 Bank via API informar o real remetente/destinatário”, diz a PF.
A PF também viu “conivência” do banco BS2, que é controlado pelos Pentagna Guimarães, família conhecida pelo BMG, e da Adiq, uma instituição de pagamentos, com suspeitas de lavagem do InoveBanco, uma fintech do empresário Patrick Burnett, que também foi preso.
A mesma operação policial ainda investiga a Brasil Cash, uma empresa autorizada pelo BC a operar como instituição de pagamentos, por lavagem de dinheiro. Já a Dock, uma instituição de pagamentos, está sob suspeita pela PF de arrefecer comunicações ao Coaf sobre pessoas sem capacidade financeira que faziam vultosas movimentações com uso de máquinas de pagamento de fintechs que usavam seus serviços.
No inquérito sobre a lavagem de dinheiro das bets, que levou à prisão da advogada e influencer Deolane Bezerra, pelo menos cinco instituições financeiras estão na lista de investigadas. Juntas, elas foram alvo de R$ 176 milhões em bloqueios judiciais por intermediarem pagamentos nos esquemas das casas de apostas.
Uma das principais é a PayBrokers, que foi apelidada pela Polícia Civil de “campeã da lavagem” das casas de apostas. Ela era a intermediadora de pagamentos da Esportes da Sorte e foi usada para que Deolane recebesse R$ 5 milhões da dessa bet, que pertence ao filho de um conhecido bicheiro.
Somente em um período de quatro meses, a PayBrokers, movimentou R$ 2,4 bilhões, quantia considerada “espantosa” por policiais e que motivou a alcunha de “campeã da lavagem de dinheiro”.
Em outra investigação que envolve dinheiro do PCC até mesmo para financiar campanhas eleitorais, a Polícia Civil de São Paulo descobriu que o 4TBank, outra fintech não autorizada pelo BC, abria contas em um grande banco para fazer movimentações milionárias para o PCC em um esquema de lavagem que envolveu até mesmo o planejamento para financiar candidaturas políticas ligadas à facção.
Nesse caso, o banco não é tratado como suspeito e foi o responsável por comunicar as operações ao Coaf, que encaminhou os dados à Polícia Civil paulista. O 4T está em nome de Matia Obam, uma jovem de 23 anos dona de oito empresas, muitas delas sediadas no Tocantins, que movimentaram mais de R$ 500 milhões.
O que dizem os citados
O Banco Rendimento afirmou que “segue as regulamentações do Banco Central e órgãos competentes, também aplicadas desde o início da relação com a T10 Bank, onde todas as avaliações recomendadas foram executadas”. “No momento da operação realizada, o Banco Rendimento já não prestava mais os serviços investigados para a T10 Bank”.
Procurada pelo Metrópoles, a assessoria de imprensa do InoveBanco afirmou que a “empresa e o seu sócio, em sua atuação estritamente lícita e ética, não se confundem com a conduta de terceiros e jamais poderiam ser relacionados com qualquer atividade criminosa”.
“Comprometidos com princípios éticos, o Inove Global Group e seu sócio, Patrick Burnett, atuam no ramo da tecnologia há mais de sete anos, buscando trazer inovação e acessibilidade para seus clientes e traçando uma ilibada reputação perante o mercado”, diz.
Segundo a nota, tanto a empresa como Patrick “estão à disposição das autoridades para colaborar com as investigações, a fim de que os fatos sejam esclarecidos em sua integralidade”.
O BS2 afirma que, “dias após a deflagração da Operação Concierge, a juíza do caso autorizou o banco a efetuar o pagamento aos estabelecimentos comerciais clientes da I9Pay com os recursos que haviam sido bloqueados”.
“Isso demonstra claramente que o serviço prestado pelo BS2 era, de fato, regular e não tinha qualquer relação com as possíveis atividades ilícitas cometidas pela I9Pay. Reforçamos que o banco só tomou conhecimento de tais atividades quando da deflagração da operação. E, a partir desse fato, encerramos o serviço para a I9Pay em consonância com nosso código de ética e políticas de compliance”, afirma.
O BS2 ainda afirma que “nunca prestou serviços para o T10Bank, fintech objeto de denúncias da Febraban por ofertar blindagem de conta e investigada pela Polícia Federal por atividade criminosa”.