Inquérito da Arena Corinthians se arrasta sem ouvir acusado de caixa 2
PF mantém inquérito sobre suposto caixa 2 da Odebrecht a Andrés Sanchez, do Corinthians, mas não ouviu suspeito de receber dinheiro
atualizado
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São Paulo — Um inquérito aberto pela Polícia Federal (PF) para investigar o crime de caixa 2 envolvendo a construção do estádio do Corinthians pela Odebrecht e a campanha do ex-deputado federal e ex-presidente corintiano Andrés Sanchez se arrasta há cinco anos sem que o principal suspeito de receber os pagamentos ilícitos da empreiteira tenha sido ouvido.
O nome de André Luiz de Oliveira, o André Negão, que perdeu a eleição para presidente do clube no último sábado (25/11), apareceu ao lado de valores vinculados à arena corintiana em uma planilha apreendida pela PF com a secretária do chamado “departamento de propinas” da Odebrecht, em 2016, um ano antes de a empreiteira fechar acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) e seus executivos fazerem delação premiada.
Em seu acordo, a Odebrecht afirmou ter pagado R$ 3 milhões a Andrés por meio de caixa 2, em 2014, ano em que o estádio foi inaugurado para a Copa do Mundo e em que ele se elegeu deputado pelo PT. De acordo com os documentos, o valor foi entregue em parcelas para André Negão, que viria a ser assessor parlamentar de Andrés e vice-presidente do Corinthians, no apartamento dele, no Tatuapé, zona leste de São Paulo. Ambos sempre negaram as acusações.
Os mesmos dados relacionados a André Negão nos arquivos da Odebrecht, como celular e endereço, também foram encontrados mais tarde nas mensagens de Skype trocadas pelos funcionários da transportadora de valores que fazia as entregas de dinheiro vivo da empreiteira. As datas, senhas e valores presentes nos dois registros coincidem. A operação era coordenada pela equipe do doleiro Álvaro Novis, parceiro da empreiteira.
Novis era dono de uma corretora de câmbio no Rio de Janeiro e as ligações feitas por seus funcionários eram automaticamente gravadas. Entre os suspeitos de receber pagamentos da Odebrecht que acabaram “grampeados” pelo doleiro, estava André Negão. Todos os arquivos foram entregues à Polícia Federal, em Brasília, no âmbito do inquérito que investigou o ex-presidente Michel Temer (MDB).
Em outras investigações, dados como esses foram suficientes para o oferecimento de denúncia, como ocorreu com o atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), e com o ex-deputado Paulinho da Força (Solidariedade). No caso do suposto caixa 2 a Andrés Sanchez, André Negão nem sequer foi interrogado e não consta como parte no processo que hoje tramita na Justiça Eleitoral.
O único depoimento prestado por André Negão foi em março de 2016, quando ele foi alvo de busca e apreensão na Operação Lava Jato, depois que seu nome foi encontrado na planilha da Odebrecht vinculado a um pagamento de R$ 500 mil e ele acabou sendo preso em flagrante por guardar duas armas em casa sem registro. André Negão foi liberado após pagar fiança de R$ 5 mil. Na ocasião, ele negou ter recebido dinheiro da empreiteira.
A investigação
O inquérito em curso foi aberto em 2018 pela PF, em São Paulo, após a delação da Odebrecht ter sido enviada à Justiça Federal pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de tanto tempo de investigação, sempre sob sigilo, o caso envolvendo Andrés e a Arena Corinthians caminha para a prescrição — o crime de caixa 2, por exemplo, prescreve em 12 anos. Duas testemunhas — o funcionário do doleiro que fez as ligações gravadas para André Negão e outro da transportadora de valores que fazia as entregas de dinheiro — já morreram.
No ano passado, a juíza da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo reconheceu que se tratava de caixa 2 e enviou o caso à Justiça Eleitoral paulista. Nesse período, segundo o Metrópoles apurou, a PF também não ouviu o doleiro Álvaro Novis, cujo material de colaboração corrobora em grande parte as delações da Odebrecht. A investigação concentrou esforços apenas em Andrés Sanchez, que sempre negou receber dinheiro da Odebrecht de forma ilícita.
Em setembro deste ano, a defesa de Andrés Sanchez pediu à Justiça Eleitoral o arquivamento do inquérito com base na decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, que anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht. A desembargadora eleitoral Danyelle Galvão intimou a Procuradoria Regional Eleitoral a se manifestar sobre “eventuais repercussões” da decisão de Toffoli no inquérito em curso na Polícia Federal.
Segundo o advogado João Gomes, a declaração de imprestabilidade das provas extraídas dos arquivos secretos da empreiteira provocam o “total esvaziamento” da investigação. Ainda não houve decisão.
“Há dez anos, eu aguardo que me apresentem um elemento de convicção idôneo contra o Andrés. Eu, a sociedade e o Ministério Público, porque não tem nem indiciamento do Andrés”, afirma o advogado João Gomes, que defende Andrés Sanchez.
A primeira planilha apreendida com o nome de André Negão, em 2016, as mensagens de Skype da transportadora de valores com o nome, telefone e endereço do ex-dirigente corintiano e a gravação telefônica dele com o funcionário do doleiro da Odebrecht, em tese, não fazem parte do acervo de provas anuladas pelo Supremo.
Procurado pelo Metrópoles, André Negão afirmou, por meio de seu advogado, que “não está no polo passivo da ação da Justiça Eleitoral” e que o processo penal contra ele na Justiça Federal, que seria por causa das armas sem registro, “foi arquivado”. “Ele não tem nada a declarar ou a acrescentar”, disse o advogado por mensagem.
O Metrópoles também questionou a PF sobre o prazo alongado da investigação e o motivo de o principal suspeito não ter sido ouvido ou investigado, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.