“Infiltração do crime organizado no Estado é cruel”, diz diretor da PF
Diretor responsável por investigar crime organizado, Ricardo Saadi afirmou que PF monitora relação entre candidatos e facções nas eleições
atualizado
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Recife — O diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção da Polícia Federal, Ricardo Saadi, afirmou nesta semana, no Recife (PE), que a organização destacou grupos específicos para monitorar a relação entre candidatos e facções nas eleições municipais deste ano.
“A infiltração do crime organizado no Estado é cruel”, disse Saadi, durante painel no Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “O crime organizado, infelizmente, está presente em todo lugar. A função do Estado é minimizar essa participação”, afirmou.
A participação das facções no financiamento de campanhas eleitorais e o risco de apropriação da prestação de serviços públicos por elas também estão na mira do setor de inteligência da Polícia Militar de São Paulo. A corporação, inclusive, afirmou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tem uma participação no pleito “muito maior do que se imaginava” e “muito dinheiro”, por ter quadruplicado o lucro com o tráfico desde 2014.
Saadi disse, durante um painel no evento, que a geração de recursos a partir da infiltração das facções no poder público é preocupante. “A partir do momento em que se infiltra, há um desvio de verbas públicas e o Estado acaba financiando o crime. Para tentar minimizar isso, o que a gente está fazendo neste ano? Temos grupos especializados, destacados da Polícia Federal, com a missão única e exclusiva de monitorar os candidatos e a eventual relação deles com o crime organizado”, disse.
Em 2019, Saadi foi afastado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) do cargo de superintendente da PF no Rio de Janeiro. Na época, Bolsonaro alegou “questão de produtividade”. No início do atual governo federal, ele foi conduzido ao cargo que ocupa hoje.
Relatório entregue ao Ministério da Justiça apontou, em julho, que o Brasil tem atualmente 72 facções criminosas. Para Saadi, entretanto, esse número é menor. “Cinco, seis? O resto são pequenos grupos, ‘endeusados’, classificados como facções. Não são. Isso estimula o pessoal a fazer parte”, disse. “Então vamos criar agora o Bonde do Saadi, mas não é uma facção criminosa”, afirmou, em tom de brincadeira.
Para o diretor da PF, só podem ser consideradas facções aquelas que chegam a outros estados e países. “Aquele grupo que atinge o bairro e a cidade não”, disse.
Saadi afirmou que o PCC, por exemplo, tem uma hierarquia centralizada em São Paulo, mas que se tornou um regulador do crime não apenas no território paulista, como também em outras regiões do país. “Às vezes, são grupos que, não, necessariamente, são o PCC, mas são regulados e classificados pelo PCC. Acabam seguindo regras e tendo a proteção do PCC”, disse.
Ao fim da sua participação, Saadi conversou rapidamente com o Metrópoles, na última quarta-feira (14/8), antes de deixar a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Como o senhor vê a contaminação do Estado brasileiro pelo crime organizado?
O crime organizado tem buscado se estruturar cada vez mais. Essa estruturação envolve, também, a tentativa de infiltração no Estado, que pode se dar de várias formas. Pode se dar por eleições, entrando no Legislativo e no Executivo, em concursos públicos, no Poder Judiciário, no Ministério Público ou em outras instituições. É importante que as instituições de Estado monitorem as pessoas que entram ou tentam entrar e não permita que o crime organizado faça parte.
Costumamos ver operações policiais, na ponta, com apreensão de drogas em grande quantidade. Qual o impacto efetivo desse tipo de ação nos negócios do crime organizado?
O combate tem que ser focado, entre outras coisas, na descapitalização da organização criminosa. Quando a gente investiga, não basta comprovar a prática do crime e acabou. Por quê? Porque isso é um processo, tem todo o contraditório, demora anos para acabar. A gente precisa focar a descapitalização da organização criminosa, retirar as condições da prática do crime. A descapitalização se dá com a apreensão de bens, apreensão de droga, porque cinco toneladas de cocaína, por exemplo, vão se transformar em dinheiro se não forem apreendidas. Há processos de erradicação de maconha, que a gente faz. Nesta semana, a gente erradicou maconha aqui em Pernambuco, inclusive – o equivalente, salvo engano, a algo que se tornaria 90 toneladas. Tira na origem e não se transforma em dinheiro.
Por investigações conduzidas até agora, o senhor vê a possibilidade de organizações criminosas partirem para as atividades legais no Estado, não apenas como oportunidade de lavagem de dinheiro, mas como uma das fontes de renda?
Há possibilidade de que o crime organizado, ao se infiltrar no Estado ou atuar em alguns ramos da economia, utilize-os única e exclusivamente para financiar as práticas criminosas.
Como o senhor vê a expansão das bets e a eventual relação delas com o crime organizado?
Existem investigações em andamento e esse é, sem dúvida, um campo que merece atenção. Temos um grupo especializado que está entendendo melhor como funcionam as bets, mas temos, também, no Ministério da Fazenda, uma secretaria responsável por fazer o monitoramento e a prevenção da lavagem de dinheiro por meio das bets.
O senhor consegue vislumbrar hoje quais os próximos passos dessas organizações criminosas no Brasil?
Qualquer coisa que antecipar aqui, a gente, eventualmente, vai atrapalhar investigações que estão em andamento. Temos investigações em andamento que identificam, realmente, alguns movimentos das facções criminosas e nós estamos tentando atuar para nos adiantar que eles os façam.