Impulsionado pelo caos, Marçal racha direita e dita nível da campanha
Pablo Marçal alavancou campanha em SP promovendo ataques em série contra adversários na eleição à Prefeitura de SP e até antigos aliados
atualizado
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São Paulo — Da insinuação de que dois adversários são “cheiradores de cocaína”, no dia em que lançou sua candidatura à Prefeitura de São Paulo, no início de agosto, à divulgação de um suposto laudo médico de internação do rival Guilherme Boulos (PSol) por consumo da droga, feita na noite dessa sexta-feira (4/10), Pablo Marçal (PRTB), alavancou sua campanha impulsionando o caos na eleição paulistana.
Sem tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV, e sem dinheiro do fundo eleitoral, o influenciador transformou seu perfil nas redes sociais em uma máquina de produzir conteúdos virais contra os concorrentes e em uma ferramenta para conseguir doações para a campanha. Com xingamentos e provocações em série, que deram início a uma escalada de violência que terminou em agressões físicas, Marçal ditou o baixo nível dos debates, conquistando a atenção dos eleitores.
Em dois meses, o candidato do PRTB cresceu mais de 10 pontos percentuais nas pesquisas e chega à véspera do primeiro turno empatado, numericamente, com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com 24% das intenções de voto, e, tecnicamente, com Guilherme Boulos (26%), segundo pesquisa Datafolha divulgada nessa quinta-feira (3/9). “A piada virou pesadelo”, disse ele após um dos institutos detectar seu crescimento.
O resultado se deve, em grande medida, à exitosa estratégia de rachar a direita e conquistar eleitores bolsonaristas que poderiam votar em Nunes por causa do apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição do prefeito. A postura agressiva, contudo, aumentou sua rejeição — 53%, segundo o Datafolha —, a maior entre os candidatos. Entre as mulheres, ela chega a 59% do eleitorado, de acordo com o instituto.
Tentando diminuir o índice na reta final do primeiro turno, Marçal fez uma série de acenos ao eleitorado feminino, trazendo sua esposa Ana Carolina Marçal para a campanha, adotando um tom mais brando nos debates e pedindo desculpas aos eleitores por causa da postura que ele me classificou como “idiota”.
Ataques e fake news
O modus operandi agressivo do influenciador ficou claro antes mesmo do início da campanha. Em julho, por exemplo, Marçal disse que Tabata Amaral (PSB) foi responsável pela morte do próprio pai, que era dependente químico, em 2012. Meses depois, tentando crescer entre o eleitorado feminino, ele pediu desculpas, dizendo que foi injusto com a deputada.
No primeiro debate da eleição municipal, realizado pela TV Bandeirantes, em 9 de agosto, Marçal passou a dizer, sem provas, que dois candidatos à prefeitura municipal seriam usuários de cocaína. Sem citar nomes, o candidato defendeu que seus adversários fizessem exames toxicológicos. Ricardo Nunes fez e apresentou o resultado.
Nas semanas subsequentes, Marçal direcionou seus ataques a Guilherme Boulos (PSol), chamando o adversário de “cheirador” e “aspirador de pó”. O influenciador foi condenado pelas acusações sem provas e teve que conceder uma série de direitos de respostas em suas redes.
Marçal prometia mostrar no debate da TV Globo, na última quinta-feira (3/10), elementos que comprovassem sua acusação, o que não aconteceu. Segundo Boulos, seu adversário criou uma fake news com base em um período em que o psolista ficou internado no Hospital do Servidor com depressão, aos 19 anos.
Foi na noite dessa sexta-feira que Marçal, pela primeira vez, exibiu o que prometera ao longo da campanha. O candidato do PRTB postou em seu perfil no Instagram um suposto receituário médico com a informação de que Boulos teria sido internado por uso de cocaína, em uma clínica no Jabaquara, zona sul da cidade, em 2021. O dono do estabelecimento é amigo de Marçal e o médico que assina o suposto laudo já faleceu.
Boulos reagiu abrindo uma live para dizer que o documento é falso e que vai solicitar, neste sábado (5/10) a prisão de Marçal e do dono da clínica. Pouco mais de uma hora depois da divulgação do suposto laudo, o post foi removido do Instagram, segundo Marçal, por decisão da plataforma.
Baixaria na campanha
Marçal também usou apelidos jocosos para se referir aos demais candidatos. Guilherme Boulos virou “Boules”. Ricardo Nunes, “Bananinha”. Tabata Amaral, “Chatábata”. José Luiz Datena, “Dá pena”. Diante disso, os veículos de comunicação que organizavam os debates proibiram o uso de apelidos e, no caso do Flow, ele foi expulso por descumprir a regra.
A postura agressiva de Marçal fez com que Nunes, Boulos e Datena decidissem não comparecer nos debates apostando que, assim, o influenciador não teria espaço para fazer seus ataques. Não funcionou, porque Tabata e Marina Helena não aderiram e foram ao debate seguinte, da revista Veja, com Marçal. Os três tiveram mais tempo de fala e os ausentes decidiram que seria inevitável ir aos debates.
Outro fato criado por Marçal durante a campanha foi o boletim de ocorrência registrado após suposto atentado durante evento no Tatuapé, em 30 de agosto. O candidato disse ter sido vítima de uma tentativa de homicídio, após a candidata a vereadora do PSol Carolina Iara tentar se aproximar dele para entregar um boneco de isopor com nariz de Pinóquio. A equipe do candidato disse que, dentro do boneco, havia uma arma. No boletim de ocorrência, Marçal sequer mencionou a suposta arma.
Suspensão de redes
A campanha de Marçal sofreu um baque quando, em 24 de agosto, o candidato teve suas redes sociais suspensas por decisão da Justiça Eleitoral, por suspeita de abuso de poder econômico. Ele é acusado de promover “campeonatos de cortes” entre seus seguidores, prometendo pagamentos em dinheiro para quem obtivesse mais visualizações em vídeos de Marçal.
Os campeonatos de cortes eram realizados pelo influenciador havia mais de um ano. Segundo ação movida pelo PSB, no entanto, ele manteve a estratégia operando mesmo após o início da campanha, o que seria vedado pela Justiça Eleitoral. Após a suspensão das redes, Marçal criou novos perfis. No Instagram, rapidamente obteve mais de 5 milhões de seguidores.
A suspensão fez o candidato do PRTB intensificar seu discurso “antissistema”, acusando a Justiça Eleitoral de “censura”. Marçal passou a adotar um discurso semelhante ao do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi declarado inelegível, e a dizer que é vítima de “perseguição política”. Até motociatas à la Bolsonaro Marçal passou a fazer.
Racha com bolsonarismo
Após desentendimento com Pablo Marçal nas redes sociais, Jair Bolsonaro concedeu uma entrevista ao Metrópoles em 22 de agosto dizendo que “falta caráter” ao influenciador. Marçal chegou a chamar o vereador Carlos Bolsonaro (PL), do Rio de Janeiro, de “retardado” e a dizer que Bolsonaro “se curvou ao comunismo”.
Na semana seguinte, houve uma conciliação. Bolsonaro convidou Marçal e os demais candidatos à Prefeitura de São Paulo para subir no carro de som na manifestação de 7 de setembro na Avenida Paulista.
Durante mais de uma semana, Marçal fez suspense sobre sua eventual ida ao evento. Dias antes, ele embarcou para El Salvador dizendo que não sabia se aceitaria o convite de Bolsonaro.
O influenciador chegou à Avenida Paulista minutos após o fim do evento, depois do discurso do ex-presidente, e foi impedido de subir no carro de som. Marçal foi acusado por bolsonaristas de tentar explorar o ato politicamente. O pastor Silas Malafaia, um dos organizadores, passou a fazer ataques diários ao candidato, pedindo para os evangélicos não votarem nele.
Cadeirada
O ápice da violência na campanha eleitoral deste ano ocorreu no debate da TV Cultura, em 15 de setembro, quando José Luiz Datena deu uma cadeirada em Pablo Marçal. A agressão ocorreu após o influenciador fazer uma série de provocações ao adversário, chamando-o de “jack”, gíria usada no mundo do crime para se referir a estupradores.
A acusação teve como base uma denúncia de assédio sexual registrada contra Datena, que foi arquivada pela Justiça a pedido do Ministério Público (MPSP).
“Você é um ‘arregão’. Atravessou o debate esses dias para me dar um tapa, que você queria ter feito. Você não é homem nem para fazer isso”, disse Marçal antes de ser agredido.
O candidato foi levado de ambulância ao Hospital Sírio Libanês, onde passou a noite internado. Segundo boletim médico, ele teve um trauma na costela e uma lesão na mão. Desde então, passou a andar com todo o braço engessado durante a campanha. Em um evento posterior, contudo, ele admitiu que o filme dele deitado em uma maca com máscara de oxigênio dentro da ambulância logo após a cadeirada foi uma “cena”.
Soco na cara
Na semana seguinte, em 23 de setembro, ao final do debate do Flow, Pablo Marçal foi expulso após chamar Ricardo Nunes de “Bananinha” e dizer que ele seria preso pela Polícia Federal. Enquanto isso, Nahuel Medina, videomaker do influenciador, deu um soco no rosto do marqueteiro de Nunes, Duda Lima.
Medina foi levado até o 16º Distrito Policial, onde passou a madrugada. Ele alegou que desferiu o soco como uma reação a uma agressão de Duda Lima, que teria tentado tomar seu celular. O videomaker chegou a mostrar marcas em seu pescoço de uma suposta investida do marqueteiro.
Vídeo revelado pelo Metrópoles em 30 de setembro mostrou Tassio Renam, advogado de Marçal, mexendo no colarinho de Medina. Para Duda Lima, as imagens mostram Tassio tentando “fazer uma prova falsa”.
Marçal decidiu manter Medina em sua equipe, afirmando que só iria dispensá-lo se Datena fosse retirado da eleição, assim como Duda Lima. “Por que um soco vale mais que uma cadeirada?”, questionou.
Suspeitas sobre PCC
Durante toda a campanha eleitoral, Pablo Marçal foi questionado por seus adversários sobre suspeitas envolvendo aliados e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em um áudio divulgado pela Folha no início de agosto, o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, aparece dizendo a um aliado que é ligado à facção e teria atuado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para soltar o traficante André do Rap, outubro de 2021.
Em um primeiro momento, Marçal tentou se distanciar da figura de Avalanche, pedindo ajuda para “limpar” o PRTB e dizendo que chegou a pedir que ele se afastasse do comando da legenda.
Semanas depois, no entanto, o influenciador apareceu ao lado de Avalanche em um evento de campanha e prometeu “honrá-lo”. O candidato afirmou acreditar na inocência do dirigente e o encorajou a processar jornalistas que divulgaram notícias sobre o áudio.