Guardas civis são afastados suspeitos de extorsão na Cracolândia
Sete guardas civis municipais foram afastados suspeitos de cobrar comerciantes e moradores por segurança no centro de SP; Corregedoria apura
atualizado
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São Paulo – A Prefeitura de São Paulo afastou sete guardas civis metropolitanos (GCMs) suspeitos de integrar esquema criminoso para extorquir dinheiro de moradores e comerciantes da região da Cracolândia, no centro de São Paulo, em troca de segurança particular.
Os sete GCMs apontados como suspeitos de participarem do grupo, que age como uma milícia no centro de São Paulo, são integrantes da Inspetoria de Operações Especiais (Iope), considerada a tropa de elite da guarda, segundo nota enviada pela corporação à reportagem, nesta terça-feira (6/6).
O caso foi revelado pelo repórter Lucas Jozino, da Band, e confirmado pelo Metrópoles.
Os sete estão à disposição da Corregedoria da GCM. São eles: Elisson de Assis, Antônio Carlos Amorim Oliveira, Cristiano Rodrigues de Lima, Diego Tharssio Neves Teixeira, Ivan Nunes da Silva Júnior, Milton Cunha Matias e Rinaldo Regonha.
A defesa deles não havia sido localizada até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Empresa
O GCM Elisson Assis é suspeito de liderar o esquema, segundo ele mesmo teria afirmado aos comerciantes da região. O Metrópoles teve acesso a um áudio que seria dele explicando como funcionaria o serviço de segurança paralelo.
De acordo com o registro, Elisson Assis abriu uma empresa em julho do ano passado, e teria começado a cobrar de comerciantes e moradores do centro de São Paulo para dispersar o fluxo de usuários de drogas da Cracolândia. A Avenida Duque de Caxias seria uma das áreas alvo do grupo.
A reportagem teve acesso a uma “tabela de clientes”. Em somente um mês de operação, a empresa teria recebido pagamentos de 26 estabelecimentos – entre autopeças, mecânicas, pet shops, autônomos, restaurantes e lanchonetes, além de quatro condomínios.
No documento ainda constam “não pagantes” e as justificativas: “Não conseguiu contato” com a vítima, ou por “problemas de saúde” do proprietário e “passou o ponto”.
Ainda no áudio atribuído ao GCM, ele diz que antes de a empresa chegar à Avenida Duque de Caxias, cerca de 300 usuários de drogas estavam no local. Segundo a gravação, os viciados teriam sido retirados do local “na base da segurança.”
Desde que o fluxo da Cracolândia foi dispersado da Praça Princesa Isabel, em maio de 2022, após uma grande operação policial, centenas de usuários de drogas se espalharam pelas ruas da região. A partir de então, formaram-se vários fluxos, que passaram a migrar de rua em rua pelo centro paulistano, gerando insegurança.
A empresa de Elisson foi criada dois meses depois.
“Nossa missão lá [Cracolândia] é não deixar que eles [usuários de droga] permaneçam [na rua dos clientes]. Quero mostrar a diferença entre ter segurança e não ter. A gente tira [o fluxo], fica tranquilo [a rua]. Pode conversar com todos os comerciantes lá [Duque de Caxias], qualquer um, escolhe um, pergunta como é que funciona”, afirmou no áudio.
A gravação continua: “Comecei a trabalhar lá em julho [de 2022], tô até hoje. Fui a única empresa que conseguiu resolver o problema. É lógico que teve pontualidades, que foram resolvidas”.
A reportagem ouviu de moradores e comerciantes, em condição de anonimato, que as ruas onde o serviço ilegal de segurança não é contratado viram escoadouro dos fluxos, retirados das vias nas quais o serviço de segurança paralelo é pago.
“Não é mágica”
Uma das pontualidades mencionadas pelo guarda teria sido a invasão de uma loja de informática, em abril deste ano, na Rua Santa Ifigênia, conhecido ponto de comércio de eletrônicos do centro da capital paulista.
Parte dos produtos roubados foi encontrada em bueiros da Cracolândia, de acordo com Assis, por uma equipe dele. Além da Avenida Duque de Caxias, o guarda é suspeito de vender segurança para outras vias da região.
A loja estava fechada e foi invadida por um grupo de cerca de 10 pessoas, de acordo com o proprietário do estabelecimento à época. Eles entortaram os portões de ferro da entrada para ter acesso ao salão onde estavam as peças – monitores, CPUs e outras partes de computador.
“Conversa com qualquer comerciante e pergunta como era um ano atrás, sem a empresa. Fiquei 15 dias sem dormir, para tirar o fluxo de lá [Duque de Caxias], porque o fluxo acostuma onde não tem gente [segurança], e pra tirar é maior treta [dificuldade]”, disse.
“Não tenho [esquema] só na Duque de Caxias, tenho em outros lugares, que não tem [mais] fluxo. Não é questão de mágica, é porque a gente aperta um pouco mais o calo”, afirmou Assis, acrescentando, “nós somos a Rota da GCM irmão”, referindo-se à tropa de elite da Polícia Militar paulista.
O guarda ainda deixa claro que há concorrência para dispersar o fluxo na região e que o serviço oferecido por ele, 24 horas, seria mais vantajoso para o cliente, financeiramente. A reportagem apurou que os pagamentos eram feitos, diretamente para o guarda, a cada 15 dias.
O que diz a prefeitura
O Metrópoles apurou que, primeiramente, a Prefeitura de São Paulo havia realocado os sete GCMS do Iope na Superintendência de Operações. Nesta terça-feira (6/6), porém, o governo municipal decidiu afastar os guardas.
“A Prefeitura de São Paulo informa que estava em curso investigação de desvios de conduta na região e que afastou sete servidores de suas funções na Iope da GCM”, diz trecho de nota enviada ao Metrópoles.
“Expulsão”
O analista criminal Guaracy Mingardi falou ao Metrópoles sobre a atuação dos GCMs: “Eles [GCMs] vendem proteção e fazem o achaque [extorsão]. Como eles controlam a proteção, quem não paga dança, essa é a ideia.”
Mingardi acrescentou que, recentemente, entrevistou um comerciante do Largo do Arouche, também no centro de São Paulo. Na conversa, a pessoa ouvida pelo analista afirmou não haver um policiamento efetivo na região.
“Aí, chega alguém vendendo segurança, insinua que vai ter policiamento se pagar. É uma forma de corrupção não tão evidente como pegar dinheiro de um criminoso, mas é manjada também.”
O analista disse ainda que a venda ilegal de segurança particular, feita por agentes públicos, deveria resultar na expulsão deles da corporação. “Na prática, isso é extorsão, totalmente ilegal, a GCM deveria mandar eles embora.”